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Boris Pasternak – Poesia – 25/12/23

Boa noite É impróprio ser famoso Boris Pasternak¹ É impróprio ser famoso Pois não é isso que eleva. E não vale a pena ter arquivos Nem perder tempo com manuscritos velhos. O caminho da criação é a entrega total E não fazer barulho ou ter sucesso. Infelizmente, nada significa Como uma alegoria andar de boca em boca. Mas é preciso viver sem pretensões, Viver de tal modo que no fim de contas Venha até nós um amor ideal E ouçamos o apelo dos anos que hão-de vir. O que é preciso rever É o destino, não antigos papéis; Lugares e capítulos de uma vida inteira Anotar ou emendar. E mergulhar no anonimato, E ocultar nele os nossos passos, Como foge a paisagem na neblina Em plena escuridão. Que outros nesse rasto vivo Seguirão o teu caminho passo a passo, Mas tu próprio não deves distinguir A derrota da vitória. E não deves por um só instante Recuar ou trair o que tu és, Mas estar vivo, e sói vivo, E só vivo – até ao fim. Tradução de Manuel de Seabra ¹Boris Leonidovitch Pasternak * Moscou, Rússia – 10 de fevereiro de 1890 + Moscou, Rússia – 31 de maio de 1960 Poeta e romancista russo.

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Paul Éluard – Poesia – 04/01/24

Boa noite Seus olhos sempre puros Paul Éluard¹ Dias de lentidão, dias de chuva, Dias de espelhos quebrados e agulhas perdidas, Dias de pálpebras fechadas ao horizonte [ dos mares, De horas em tudo semelhantes, dias de cativeiro. Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas E as flores, meu espírito é desnudo feito o amor, A aurora que ele esquece o faz baixar a cabeça E contemplar seu próprio corpo obediente e vão. Vi, no entanto, os olhos mais belos do mundo, Deuses de prata que tinham safiras nas mãos, Deuses verdadeiros, pássaros na terra E na água, vi-os. Suas asas são as minhas, nada mais existe Senão o seu vôo a sacudir minha miséria. Seu vôo de estrela e luz, Seu vôo de terra, seu vôo de pedra Sobre as vagas de suas asas. Meu pensamento sustido pela vida e pela morte. Tradução: José Paulo Paes ¹Eugène Émile Paul Grindel * Saint-Denis, França – 1895 + Paris, França – 1952 O poeta Paul Éluard – ou, no cartório, Eugène Émile Paul Grindel, nasceu em Saint-Denis, hoje um subúrbio ao norte de Paris. O “Éluard”, adotado depois, era o sobrenome de sua avó materna. Com 16 anos, acometido de tuberculose, foi internado no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde teve como colega o nosso Manuel Bandeira. Foi o primeiro encontro de Éluard com um grande artista brasileiro.

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Alejandra Pizarnik – Poesia – 02/01/24

Boa noite La última inocência Alejandra Pizarnik esta lúgubre manía de vivir esta recôndita humorada de vivir te arrasta alejandra no lo nieques. hoy te miraste en el espejo y te fue triste estabas sola la luz rugía en el aire cantaba pero tu amado no volvió enviarás mensajes sonreás tremolarás tus manos así volverá tu amado tan amado oyes la desmente sirena que lo robô el barco con barbas de espuma donde murieron las risas recuerdas el último abrazo oh nada de angustias rie en el pañuelo llora a carcajadas pero cierra las puertas de tu rostro para que no digam luego que aquella mujer enamorada fuiste tú te remuerden los dias te culpan las noches te duele la vida tanto tanto desesperada adónde vas? desesperada nada mas! Alejandra Pizarnik * Buenos Aires, Argentina – 29 de Abril de 1936 + Buenos Aires, Argentina – 25 de Setembro de 1972

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T.S.Eliot – Poesia – 01/01/24

Boa noite A canção de amor de J. Alfred Prufrock – Parte VI TS. Eliot Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo. Sou um lorde assistente, o que tudo fará Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas, Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil manuseio, Respeitoso, contente de ser útil, Político, prudente e meticuloso; Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso; As vezes, de fato, quase ridículo Quase o Idiota, às vezes. Envelheci . . . envelheci . . . Andarei com os fundilhos das calças amarrotados. Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um pêssego? Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei. Ouvi cantar as sereias, umas para as outras. Não creio que um dia elas cantem para mim. Vi-as cavalgando rumo ao largo, A pentear as brancas crinas das ondas que refluem Quando o vento um claro-escuro abre nas águas. Tardamos nas câmaras do mar Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos. Tradução Ivan Junqueira 1 Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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Poesia – Renata Pallottini – 13/07/2021

Boa noite. O Grito Renata Pallottini se ao menos esta dor servisse se ela batesse nas paredes abrisse portas falasse se ela cantasse e despenteasse os cabelos se ao menos esta dor se visse se ela saltasse fora da garganta como um grito caísse da janela fizesse barulho morresse se a dor fosse um pedaço de pão duro que a gente pudesse engolir com força depois cuspir a saliva fora sujar a rua os carros o espaço o outro esse outro escuro que passa indiferente e que não sofre tem o direito de não sofrer se a dor fosse só a carne do dedo que se esfrega na parede de pedra para doer doer doer visível doer penalizante doer com lágrimas se ao menos esta dor sangrasse

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Bárbara Lia – Poesia – 16/06/23

Mar/absinto Bárbara Lia Nossos olhos de dezoito anos acomodaram o mar Sobrou a maré em torno um sussurro de conchas a nos acordar nas noites brancas Nossos olhos de dezoito anos beberem do mar/absinto como ao vinho santo. Nossos olhos embriagados. Nossos olhos negros e azulados. Uma sereia recolhendo a rede os corações de dois poetas ali enredados Nossos olhos de dezoito anos. Nossas almas milenares. Nossos amores fracos à soleira da incerteza. Tanta beleza em ti, Rimbaud! Tanta ausência em mim! E nas marquises bêbados ainda caminham buscando o sol que você guardou prá mim.

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Anibal Beça – Poesia – Literatura

Quinta Estação Anibal Beça Não há recomeço possível. Senão um olhar para trás. A flor que murcha cai não torna para o galho. Por cima dos ombros o outono perde a primavera e as folhas secas são tapetes grados para amaciar pegadas. Um murmúrio bate à nossa porta e o vento inexorável escarifica cicatrizes no exato arrepio. No pressentido encontro – bandido convicto – assalto o canteiro dessa noite insone e agasalho a alba na gruta do sésamo.  

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