Boa noite
Seus olhos sempre puros
Paul Éluard¹
Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos quebrados e agulhas perdidas,
Dias de pálpebras fechadas ao horizonte
[ dos mares,
De horas em tudo semelhantes, dias de cativeiro.
Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito é desnudo feito o amor,
A aurora que ele esquece o faz baixar a cabeça
E contemplar seu próprio corpo obediente e vão.
Vi, no entanto, os olhos mais belos do mundo,
Deuses de prata que tinham safiras nas mãos,
Deuses verdadeiros, pássaros na terra
E na água, vi-os.
Suas asas são as minhas, nada mais existe
Senão o seu vôo a sacudir minha miséria.
Seu vôo de estrela e luz,
Seu vôo de terra, seu vôo de pedra
Sobre as vagas de suas asas.
Meu pensamento sustido pela vida e pela morte.
Tradução: José Paulo Paes
¹Eugène Émile Paul Grindel
* Saint-Denis, França – 1895
+ Paris, França – 1952
O poeta Paul Éluard – ou, no cartório, Eugène Émile Paul Grindel, nasceu em Saint-Denis, hoje um subúrbio ao norte de Paris. O “Éluard”, adotado depois, era o sobrenome de sua avó materna. Com 16 anos, acometido de tuberculose, foi internado no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde teve como colega o nosso Manuel Bandeira. Foi o primeiro encontro de Éluard com um grande artista brasileiro.
Também no sanatório de Clavadel, Éluard conheceu e se apaixonou por uma jovem russa, Helena Diakonova, a quem deu o apelido de Gala. Os dois casaram-se durante a guerra, em 1917. Viveram juntos até 1929. Gala em seguida se casaria com o pintor espanhol Salvador Dalí.
Embora o trabalho de Paul Éluard tenha conhecido várias fases – foram dezenas de títulos publicados entre 1913 e 1952, ano de sua morte -, Paul Éluard tornou-se conhecido principalmente pela sua poesia surrealista. O poeta formou-se num momento extraordinário da vida cultural francesa. Conviveu intensamente com poetas como André Breton e Louis Aragon e uma esfuziante plêiade de artistas plásticos como Picasso, De Chirico, Dalí, Magritte, Miró, Man Ray e Chagall.
Dos nomes citados, alguns, como Aragon, se tornariam companheiros de Éluard no Partido Comunista francês. O poeta aderiu ao partido durante a Resistência, nos anos 40. É dessa época o poema mais conhecido de Paul Éluard, “Liberté”, publicado no livro Poésie et Verité (Poesia e Verdade), de 1942. No ano seguinte, aviões da Força Aérea Britânica lançaram milhares de cópias desse texto sobre Paris.
Para que o poema fosse impresso na Inglaterra, foi contrabandeado, desde a França ocupada, pelo pintor pernambucano Cícero Dias. Assim se deu outro encontro de Éluard com um artista brasileiro. A terceira convergência seria com Manuel Bandeira (outra vez) e Carlos Drummond de Andrade. Eles traduziram o poema “Liberté” a quatro mãos, ainda nos anos 40.