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TCU: ser nomeado é melhor que ganhar na mega sena

Esses Tribunais de Conta dos Estados existem para acomodar políticos em fim de carreira ou não reeleitos e que já haviam prestado “relevantes serviços para a classe”. O Editor Leva a uma triste conclusão essa corrida desenfreada, na Câmara, para a indicação de um novo ministro do Tribunal de Contas da União. Diversos deputados candidataram-se a ganhar a mega-sena. Só uma conseguiu, mas a disputa demonstrou a ausência de espírito público em todos. Porque ser nomeado para o TCU significa entrar no paraíso. Vencimentos altíssimos, mordomias sem par, pouco trabalho e garantia de vitaliciedade, pois depois de aposentados os ministros continuam fazendo jus a todos os benefícios. Por mês, recebem o máximo que o poder público paga a seus servidores. Tem direito a carro oficial, motorista, segurança, auxílio-moradia e tratamento médico, dentário e hospitalar para eles e a família, até a eternidade. Cercados por numerosa e eficiente assessoria, na maior parte dos casos limitam-se a assinar pareceres já prontos. Gozam de férias como qualquer integrante dos tribunais superiores do Poder Judiciário, ainda que rotulados como órgão auxiliar do Poder Legislativo.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Mamata igual, quem não quer? Rui Barbosa, criador do Tribunal de Contas da União, ficaria chocado diante de tantas vantagens. Recomendaria, no mínimo, um exame vestibular para ministro do TCU. E repreenderia os candidatos que são parlamentares, por sua falta de confiança nas próximas eleições. Carlos Chagas/Tribuna da Imprensa

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Imprensa amarela, mídia marrom

Há muito tempo que a França não tinha razão, desnorteada havia algumas décadas apesar da multissecular herança cartesiana. Graças à “loucura americana” que sumariamente condenou Dominique Strauss-Kahn como estuprador, a França levanta-se aliviada, honra lavada diante da sociedade mundial. Não se trata de machismo, chauvinismo, nem de antiamericanismo tardio. A reação francesa à surpreendente reviravolta da justiça nova-iorquina tem raízes históricas. Está no DNA da França esta proteína liberal, legalista, organicamente tolerante. Em 1759, no Candide, Voltaire revoltava-se contra a crueldade da inquisição portuguesa que executou o jesuíta Gabriel Malagrida por ter escrito um panfleto denunciando a perversidade humana como a culpada pela ira divina que destruiu Lisboa no terremoto de 1755. O mesmo Voltaire, quatro anos depois (1763), insurgiu-se contra a igreja católica que martirizou e matou Jean Calas como assassino do seu filho. Ele era inocente, o filósofo iluminista estava certo. Contra o sensacionalismo O repúdio ao fanatismo de massas ganhou na modernidade francesa um horror ao linchamento midiático. A vítima precursora foi o capitão Alfred Dreyfus, desonrado, humilhado e deportado para a Ilha do Diabo, em 1895, por culpa da imprensa da ultradireita nacionalista e clerical. Quem o reabilitou foi a grande imprensa liberal, a partir da mais famosa manchete de todos os tempos – “J’Accuse”, no jornal L’Aurore – com texto de Émile Zola.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Dreyfus tornou-se símbolo da inocência e os pasquins que o acusaram assumiram-se como os fantasmas que atormentam a consciência francesa. O caso Dreyfus não está esquecido, plasmou-se para sempre no imaginário político francês. Os vexames da Segunda Guerra Mundial começaram naquele momento. A clamorosa injustiça cometida nas primeiras condenações do capitão humilhou aqueles que acreditavam numa França justa, culta, defensora dos direitos humanos. Rui Barbosa, então exilado em Londres, foi um dos seus primeiros defensores. Em 1936, na época da Frente Popular de Leon Blum, outra abjeta cruzada de calúnias da imprensa de ultradireita levou ao suicídio o ministro socialista Roger Salengro. No 1º de maio de 1993, o ex-primeiro ministro Pierre Bérégovoy, também socialista, suicidou-se com um tiro na cabeça atormentado pelas denúncias de corrupção jamais comprovadas. (Uma das teorias atribuía aos socialistas radicais a campanha de difamação contra “Béré”, defensor de “um socialismo realizável, a esquerda do possível”). Este pode ser o verão da indignação, os franceses não se conformam com o vexame imposto a um experimentado político, brilhante intelectual, competente administrador, respeitado economista, igualmente socialista, admirado em todos os quadrantes do espectro político. A França não perdeu o comando do FMI e ainda pode recuperar o único candidato capaz de bater Sarkozy. Sua língua deixou de ser o idioma da cultura, sua cultura já não espelha a nossa civilização. Sua imprensa perdeu densidade, desqualificou-se, no entanto pode tornar-se o reduto de uma nova Resistência – contra o terror do sensacionalismo. Rede de simplificações Strauss-Kahn foi sumariamente julgado e condenado pela satânica associação da imprensa amarela – tablóides locais – com a mídia marrom – do ciberespaço –, que se impuseram a uma instituição outrora gloriosa, hoje combalida, por ironia classificada como Grande Imprensa. O grande jornalismo americano enfrentou e derrotou presidentes estúpidos, enfrentou e derrotou o reacionarismo de uma sociedade baseada exclusivamente em valores materiais, mas acovardou-se diante de um monstro por ela mesma criado: o mito do fim do papel. Se o papel desaparece, se a imprensa deixa de ser referência material e torna-se nuvem dissipável, então vale tudo. E este vale-tudo poderia ter levado Strauss-Kahn ao suicídio, como aconteceu antes como Salengro e Bérégovoy. A mídia americana entregou-se às consultorias de marketing das empresas de tecnologia, só pensa nos novos modelos de maquinetas que serão lançadas, aposta todas as suas fichas nos gadgets. Ela própria é um gadget que, um dia, um cracker de 13 anos desligará por brincadeira. As redes sociais são imbatíveis, a internet derruba muralhas, os déspotas estão em pânico, o sigilo acabou. Hugo Chávez, o caudilho venezuelano, provou o contrário. Durante o mês que permaneceu em Havana quase não tuitou, ninguém sabia o que se passava com ele, a Venezuela estava acéfala, em situação de ilegalidade, e nada mudou. O culto dos aparelhos criou uma formidável rede de simplificações – esta sim, invencível. Por Alberto Dines/Observatório da Imprensa

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A “espertocracia” educacional

Machado de Assis, mulato, gago e epilético, um dos maiores ilustrados e respeitados cultores da língua pátria, conseguiu de forma exemplar unir o erudito ao popular. Em seus irretocáveis escritos, ensinava que a democracia deixa de ser uma coisa sagrada quando se transforma em “espertocracia”, o governo de todos os feitios e de todas as formas”. Por: Gaudêncio Torquato ¹ Já de Rui Barbosa, pequena estatura, advogado, diplomata, político e jornalista, cujo nome está inscrito nos anais da história do Direito internacional, pode-se extrair uma singela lição de seu celebrado patrimônio intelectual: “a musa da gramática não conhece entranhas”. Pois bem, esses dois curtos arremates dos renomados mestres de nossa língua escrita e falada vêm a calhar nesse momento em que a perplexidade assoma ante a barbaridade patrocinada pelo Ministério da Educação, sob a forma de uma “nova gramática”, cuja autora assim ensina: “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”, como frase adequada à linguagem oral, está correta ao ser usada em certos contextos. Para o grande Rui, a letra da gramática não entra em curvas e evita estratagemas. Já o aforista Machado puxa a orelha dos “espertocratas”, aqueles que bagunçam ao escrever da forma como falam, usando todos os feitios e formas. E arremata de maneira cortante: “a primeira condição de quem escreve é não aborrecer”. Aborrecimento é o que não falta, quando vemos “sábios pareceristas”, contratados pelo MEC, exibindo o argumento: seja na forma “nós pega o peixe” ou na forma “nós pegamos o peixe” -, o pescado estará na rede. Se assim é, ambas estão corretas. Para dar mais voltas no quarteirão da polêmica, a Pasta da Educação alega que não é o Ministério da Verdade. Donde se conclui que um doidivanas qualquer, desses que se encontram no feirão das ofertas gramaticais estapafúrdias, pode vir a propor um texto sobre a história do Brasil, sem nexo, com figurantes trocados e português estropiado. Basta que receba o “imprimatur” de outra figura extravagante, que seja docente de língua portuguesa, para ser adotado nas Escolas. Com esse arranjo, o pacote educacional tem condições de receber o endosso da instância mais alta da Educação no país para circular nas salas de aula. Esse é o caminho percorrido pelo acervo didático que faz a cabeça da estudantada.[ad#Retangulo – Anuncios – Duplo] Analisemos as questões suscitadas pela obra “Por uma Vida Melhor”, a começar pela indagação filosófica que se pinça do título da série. Terá uma vida melhor o estudante a quem se obriga a aprender em uma gramática alternativa, onde a “norma popular” se imbrica à “norma culta”? Ou, para usar a expressão da professora Heloisa Ramos, autora do livro, sofrem os alunos que escrevem errado “preconceito linguístico”? Primeiro, é oportuno lembrar que, mesmo concordando com a hipótese de que a língua é um organismo vivo, evolutivo, não se pode confundir uma coisa com outra, a norma oral com a norma escrita. Cada compartimento deve ser posto em seu devido lugar. Quem troca uma por outra ou as junta na mesma gaveta gramatical o faz por alguma intenção, algo que ultrapassa as fronteiras lingüísticas. E é nesse campo que surgem os atores, aqui cognominados de doidivanas. Mais parece um grupo que considera a língua instrumento para administrar preconceitos, elevar a cidadania e o estado de espírito dos menos instruídos. Como se pode aduzir, embute-se na questão um viés ideológico, coisa que vem se desenvolvendo no país na esteira de um populismo embalado com o celofane da demagogia. Ora, os desprotegidos, os semi-analfabetos, os alfabetos funcionais, enfim, as massas ignaras não serão elevadas aos andares elevados da pirâmide se a elas for dada apenas a escada do pseudo nivelamento das regras da língua. Esta é, seguramente, um meio de ascensão social. Mas, seus usuários precisam entender que a chave do elevador social está guardada nos cofres normativos. Da mesma forma, as vestimentas, os modos e costumes, a teia de amigos, as referências profissionais são motores da escalada social. Por que, então, os doidivanas da cultura e da educação investem com tanta força para elevar a norma popular da língua ao patamar da norma culta? Não entendem que são objetos diferentes? Por que tanto esforço para defender uma feição que valida erros grosseiros? Não há outra resposta: ideologização. Imaginam o uso da língua como arma revolucionária. O sentimento que inspira os cultores da ignorância só pode ser o de que, para melhorar a auto-estima e ter uma vida melhor, a população menos alfabetizada pode escrever como fala. Como se a gramática normativa devesse ser arquivada para dar lugar à gramática descritiva. Sob essa abordagem, a prática de tomar sopa fazendo barulho com a boca, à moda dos nossos bisavós, também poderia ser recomendável. As concessões demagógicas que se fazem em nome de uma “educação democrática” apenas reforçam a estrutura do atraso que abriga o ensino público básico do país, responsável pelo analfabetismo funcional que atinge um terço da população. Avolumam-se os contingentes de jovens de 9 a 14 anos que, além de não saberem interpretar um texto, restringem-se ao exercício de copiar palavras sem se apropriar de seu significado. Os copistas constituem os batalhões avançados da “revolução” empreendida pela educação brasileira. Pior é constatar que os “revolucionários” crêem firmemente que a escalada social deve continuar a ser puxada pela carroça do século XVII, fechando os olhos à “mobralização” da universidade brasileira. E assim, passada a primeira década do século XXI, no auge das mudanças tecnológicas que cercam a Era da Informação, emerge um processo de embrutecimento do tecido social. Alicerçado pela argamassa de escândalos, desprezo às leis, violência desmesurada, promessas não cumpridas. O grande Rui bem que profetizara: “a degeneração de um povo, de uma Nação ou raça começa pelo desvirtuamento da própria língua”. ¹ Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicação @Twitter gaudtorquato blog do Noblat

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