Arquivo

Miguel Torga – Poesia – 18/04/24

Boa noite. Recomeça Miguel Torga¹ Se puderes Sem angústia E sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade.   E, nunca saciado, Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar e vendo O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças…   ¹Adolfo Correia da Rocha *Sabrosa, Portugal – de agosto de 1907 +Coimbra, Portugal – 17 de janeiro de 1995

Leia mais »

José Saramago – Sobre viagens

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

Leia mais »

Pablo Neruda – Poesia – 17/04/24

Boa noite Poema XVIII Pablo Neruda Aqui eu te amo. Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento. Fosforece a lua sobre as águas errantes. Andam dias iguais a perseguir-se. Descinge-se a névoa em dançantes figuras. Uma gaivota de prata se desprende do ocaso. As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas. Ou a cruz negra de um barco. Só. As vezes amanheço, e minha alma está úmida. Soa, ressoa o mar distante. Isto é um porto. Aqui eu te amo. Já me creio esquecido como estas velha âncoras. São mais tristes os portos ao atracar da tarde. Cansa-se minha vida inutilmente faminta.. Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante. Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos. Mas a noite enche e começa a cantar-me. A lua faz girar sua arruela de sonho. Olham-me com teus olhos as estrelas maiores. E como eu te amo, os pinheiros no vento, querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.

Leia mais »

.S. Eliot – Poesia – 16/04/224

Boa noite Quarta-Feira de Cinzas II T.S. Eliot¹ II Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro Ao frescor do dia repousavam, saciados De meus braços meu coração meu fígado e do que havia Na esfera oca do meu crânio. E disse Deus: Viverão tais ossos? Tais ossos Viverão? E o que pulsara outrora Nos ossos (secos agora) disse num cicio: ~raças à bondade desta Dama E à sua beleza, e porque ela A meditar venera a Virgem, É que em fulgor resplandecemos. E eu que estou aqui dissimulado Meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor Aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos. Isto é o que preserva Minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas Que os leopardos rejeitaram. A Dama retirou-se De branco vestida, orando, de branco vestida. Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento. A vida os excluiu. Como esquecido fui E preferi que o fosse, também quero esquecer Assim contrito, absorto em devoção. E disse Deus: Profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente O vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono Com o estribilho dos grilos, sussurrando: Senhora dos silêncios Serena e aflita Lacerada e indivisa Rosa da memória Rosa do oblívio Exânime e instigante Atormentada tranqüila A única Rosa em que Consiste agora o jardim Onde todo amor termina Extinto o tormento Do amor insatisfeito Da aflição maior ainda Do amor já satisfeito Fim da infinita jornada sem termo Conclusão de tudo O que não finda Fala sem palavra E palavra sem fala Louvemos a Mãe Pelo Jardim Onde todo amor termina. Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios, Alegramo-nos de estar aqui dispersos, Pois uns aos outros bem nenhum fazíamos, Sob uma árvore ao frescor do ar, com a bênção das areias, Esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidos Na quietude do deserto. Eis a terra Que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão Não importam. Eis a terra. Nossa herança ¹Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

Leia mais »

Garcia Lorca – Poesia – 16/04/24

Boa noite. Se as minhas mãos pudessem desfolhar Garcia Lorca¹ Eu pronuncio teu nome nas noites escuras, quando vêm os astros beber na lua e dormem nas ramagens das frondes ocultas. E eu me sinto oco de paixão e de música. Louco relógio que canta mortas horas antigas. Eu pronuncio teu nome, nesta noite escura, e teu nome me soa mais distante que nunca. Mais distante que todas as estrelas e mais dolente que a mansa chuva. Amar-te-ei como então alguma vez? Que culpa tem meu coração? Se a névoa se esfuma, que outra paixão me espera? Será tranqüila e pura? Se meus dedos pudessem desfolhar a lua! ¹Federico García Lorca * Fuente Vaqueros, Espanha – 05 de Junho de 1898 d.C + Granada, Espanha – 19 de Agosto de 1936 d.C

Leia mais »

Elizabeth Bishop – Poesia – 15/04/24

Boa noite. A arte de Perder Elizabeth Bishop A arte de perder não é nenhum mistério; Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério. Depois perca mais rápido, com mais critério: Lugares, nomes, a escala subseqüente da viagem não feita. Nada disso é sério. Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes. A arte de perder não é nenhum mistério. Perdi duas cidades lindas. E um império que era meu, dois rios, e mais um continente. Tenho saudade deles. Mas não é nada sério. – Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Leia mais »

Paul Eluard – Poesia – 07/04/24

Boa noite. A Noite Paul Elouard¹ Acaricia o horizonte da noite, busca o coração de azeviche que a aurora recobre de carne. Ele te porá nos olhos pensamentos inocentes, chamas, asas e verduras que o sol ainda não inventou. Não é a noite que te falta, mas o seu poder. ¹Eugène-Émile-Paul Grindel * Saint-Denis, França – 1895 + Paris, França – 1952 O poeta adotou o “Éluard”, depois, que era o sobrenome de sua avó materna. Com 16 anos, acometido de tuberculose, foi internado no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde teve como colega o nosso Manuel Bandeira. Foi o primeiro encontro de Éluard com um grande artista brasileiro. Leia mais e o Poema Libertè, traduzido

Leia mais »

Ferreira Gullar – Poesia – 06/04/24

Boa noite Como dois e dois Ferreira Gullar Como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena embora o pão seja caro e a liberdade pequena Como teus olhos são claros e a tua pele, morena como é azul o oceano e a lagoa, serena como um tempo de alegria por trás do terror me acena e a noite carrega o dia no seu colo de açucena – sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena. “Dois e Dois: Quatro”, de Ferreira Gullar. (no livro “Melhores Poemas de Ferreira Gullar”, de Alfredo Bosi / Editora Global, 1.ª edição | 2012).

Leia mais »

Carol Ann Duffy – Poesia – 05/04/24

Boa noite. Namorada Carol Ann Duffy ¹ Não uma rosa vermelha ou um coração de cetim. Ofereço-te uma cebola. É uma lua embrulhada em papel castanho. Promete luz tal como o cuidadoso desnudamento do amor. Aqui. Vai cegar-te com lágrimas tal como um amante. Vai fazer do teu reflexo uma fotografia tremida de dor. Tento ser verdadeira. Não uma carta engraçada ou uma quantidade de beijos. Ofereço-te uma cebola. Os seus beijos violentos permanecerão nos teus lábios, possessivos e fiéis como nós somos, enquanto continuarmos a ser. Aceita-a. Se o desejares os seus anéis de platina servem de alianças. Letais. O seu cheiro vai agarrar-se aos teus dedos, agarrar-se à tua faca. ¹ Carol Ann Duffy * Glasgow, Escócia – 23 de dezembro de 1955 d.C

Leia mais »

Octavio Paz – Poesia – 03/04/24

Boa noite Escrito com tinta verde Octavio Paz¹ A tinta verde cria jardins, selvas, prados, folhagens onde gorjeiam letras, palavras que são árvores, frases de verdes constelações. Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram como uma chuva de folhas a um campo de neve, como a hera à estátua, como a tinta a esta página. Braços, cintura, colo, seios, fronte pura como o mar, nuca de bosque no outono, dentes que mordem um talo de grama. Teu corpo se constela de signos verdes, renovos num corpo de árvore. Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa: olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas. (Trad. Haroldo de Campos) ¹Octavio Paz * Cidade do México, México – 31 de Março de 1914 d.C + Cidade do México, México – 20 de Abril de 1998 d.C

Leia mais »