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Goethe – Poesia – 16/11/24

Boa noite Pensamentos noturnos Goethe Tão belas na rútila luz soberana, Guia do navegante aflito, sem norte (E sem recompensa, divina ou humana), – Tenho dó de vocês, estrelas sem sorte, Sem jamais amar e sem saber do amor! Tangendo, incansáveis, as horas eternas Na ronda do tempo das vastas esferas, Vocês vão cumprindo percursos sem conta. Mas eu, se nos braços dela permaneço, Da noite que passa – e de vocês – me esqueço.

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Jorge Luiz Borges – Poesia – 08/11/24

Boa noite Sou Jorge Luiz Borges Sou o que sabe não ser menos vão Que o vão observador que frente ao mudo Vidro do espelho segue o mais agudo Reflexo ou o corpo do irmão. Sou, tácitos amigos, o que sabe Que a única vingança ou o perdão É o esquecimento. Um deus quis dar então Ao ódio humano essa curiosa chave. Sou o que, apesar de tão ilustres modos De errar, não decifrou o labirinto Singular e plural, árduo e distinto, Do tempo, que é de um só e é de todos. Sou o que é ninguém, o que não foi a espada Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.Jorge Luis Borges, in “A Rosa Profunda” ¹Jorge Luis Borges  * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986

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Vicente Huidobro – Poesia – 03/11/24

Boa noite! Canto II (Fragmento) Vicente Huidobro ¹ As planícies se perdem sob tua graça frágil Se perde o mundo sob teu andar visível Pois todo é artifício quando tu te apresentas Com tua luz perigosa Inocente harmonia sem fadiga nem esquecimento Elemento de lágrimas que roda para adentro Construído de medo altivo e de silêncio Fazes duvidar ao tempo E ao céu com instintos de infinito Longe de ti todo é mortal Lanças a agonia pela terra humilhada de noites Só o que pensa em ti tem sabor a eternidade Tenho aqui tua estrela que passa Com tua respiração de fadigas longínquas Com teus gestos e teu modo de estar com o espaço magnetizado que te saúda Que nos separa com léguas de noite. ¹ Vicente Huidobro * Chile – 1893 d.C + Chile – 1947 d.C

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Tasso da Silveira – Poesia – 25/10/24

Boa noite. Canção Tasso da Silveira ¹ No fim de contas, um pássaro cantando na noite densa é coisa que a gente encontra muitas vezes, mesmo longe do vago mundo da lenda. Alma é dor, mas também êxtase. E quando menos se espera da areia surge uma fonte, nasce uma rosa na sombra, canta um pássaro na treva. A amada chegando tímida é a rosa por que esperamos, o amigo, uma fonte fresca, e a lua no céu acesa vale um pássaro cantando. Solta um pássaro notívago profunda e grave cantiga no entanto pura e singela: isto ocorre quando o Poeta canta na noite da vida. ¹ Tasso Azeredo da Silveira *  Curitiba, PR. – 1895 d.C + Curitiba, PR. – 1968 d.C

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William Blake – Poesia – 21/09/2024

Boa noite. O Preço da experiência William Blake Qual é o preço da experiência? Os homens a compram com uma canção? Adquirem sabedoria dançando nas ruas? Não, ela é comprada pelo preço De tudo que um homem possui, sua casa, sua esposa, seus filhos. A sabedoria é vendida num mercado sombrio onde ninguém vem comprar, E no campo infecundo que o fazendeiro ara em vão por seu pão. É fácil triunfar sob o sol do verão E na colheita cantar na carroça cheia de grão. É fácil falar de prudência aos aflitos, Falar das leis da prudência ao andarilho sem teto, Ouvir o grito faminto do corvo na estação invernal Quando o sangue vermelho mistura-se ao vinho e ao tutano do cordeiro É tão fácil sorrir diante da ira da natureza Ouvir o uivo do cão diante da porta no inverno, e o boi a mugir no matadouro; Ver um deus em cada brisa e uma bênção em cada tempestade. Ouvir o som do amor no raio que arrasa a casa do inimigo; Rejubilar-se diante do praga que cobre seu campo, e da doença que ceifa seus filhos, Enquanto nossas oliveiras e nosso vinho cantam e riem diante da porta, e nossos filhos nos trazem frutas e flores. Então o lamento e a dor estão quase esquecidos, bem como o escravo que gira o moinho, E o cativo acorrentado, o pobre prisioneiro, e o soldado no campo de batalha Quando os ossos rompidos deixam-no gemendo à espera da morte feliz. É fácil rejubilar-se sob a tenda da prosperidade: Eu poderia cantar e me rejubilar deste modo: mas eu não sou assim. ¹William Blake * Londres, Inglaterra – 28 de Novembro de 1757 d.C + Londres, Inglaterra – 12 de Agosto de 1827 d.C Poeta, pintor inglês, sendo sua pintura definida como pintura fantástica, e tipógrafo. Blake nasceu na “28ª Broad Street”, no Soho, Londres, numa família de classe média. Seu pai era um fabricante de roupas e sua mãe cuidava da educação de Blake e seus três irmãos. Logo cedo a bíblia teve uma profunda influência sobre Blake, tornando-se uma de suas maiores fontes de inspiração. Desde muito jovem Blake dizia ter visões. A primeira delas ocorreu quando ele tinha cerca de nove anos, ao declarar ter visto anjos pendurando lantejoulas nos galhos de uma árvore. Mais tarde, num dia em que observava preparadores de feno trabalhando, Blake teve a visão de figuras angelicais caminhando entre eles. Com pouco mais de dez anos de idade, Blake começou a estampar cópias de desenhos de antigüidades Gregas comprados por seu pai, além de escrever e ilustrar suas próprias poesias. Aprendizado com Basire Em 4 de agosto de 1772, Blake tornou-se aprendiz do famoso estampador James Basire. Esse aprendizado, que estendeu-se até seus vinte e um anos, fez de Blake um profissional na arte. Segundo seus biógrafos, sua relação era harmoniosa e tranqüila. Dentre os trabalhos realizados nesta época, destaca-se a estampagem de imagens de igrejas góticas Londrinas, particulamente da iggreja Westimnster Abbey, onde o estilo próprio de Blake floresceu. Aprendizado na The Royal Academy Em 1779, Blake começou seus estudos na The Royal Academy, uma respeitada instituição artística Londrina. Sua bolsa de estudos permitia que não pagasse pelas aulas, contudo, o material requerido nos seis anos de duração do curso deveria ser providenciado pelo aluno. Este período foi marcado pelo desenvolvimento do caráter e das idéias artísticas de Blake, que iam de encontro às de seus professores e colegas. Casamento Em 1782, após um relacionamento infeliz que terminou com uma recusa à sua proposta de casamento, Blake casou-se com Catherine Boucher. Blake ensinou-a a ler e escrever, além de tarefas de tipografia. Catherine retribuiu ajudando Blake devotamente em seus trabalhos, durante toda sua vida. Trabalhos Blake escreveu e ilustrou mais de vinte livros, incluindo “O livro de Jó” da Bíblia, “A Divina Comédia” de Dante Alighieri – trabalho interrompido pela sua morte – além de títulos de grandes artistas britânicos de sua época. Muitos de seus trabalhos foram marcados pelos seus fortes ideais libertários, principalmente nos poemas do livro Songs of Innocence and of Experience (“Cancoes da Inocência e da Experiência”), onde ele apontava a igreja da inglaterra e a alta sociedade como exploradores dos fracos. Apesar de seu talento, o trabalho de gravador era muito concorrido em sua época, e os livros de Blake eram considerados estranhos pela maioria. Devido a isto, Blake nunca alcançou fama significativa, vivendo muito próximo à pobreza. No dia de sua morte, Blake trabalhava exaustivamente em A Divina Comédia de Dante Alighieri, apesar da péssima condição física que culminaria no seu fim. Seu funeral, bastante humilde, foi pago pelo responsável pelas ilustrações do livro, e apesar de sua situação financeira constantemente precária, Blake morreu sem dívidas. Hoje Blake é reconhecido como um santo pela Igreja Gnóstica Católica, e o prêmio Blake Prize for Religious Art (Prêmio Blake para Arte Sacra) é entregue anualmente na Austrália em sua homenagem. * Poetical Sketches (1783) * There is no Natural Religion (1788) * All Religions Are One (1788) * Songs of Innocence (1789) * Book of Thel (1789) * The French Revolution: A Poem in Seven Books (1791) * A Song of Liberty (1792) * The Marriage of Heaven and Hell (1793) * Visions of the Daughters of Albion (1793) * America, A Prophecy (1793) * Songs of Experience (1794) * Songs of Innocence and of Experience (1794) * Europe, a Prophecy (1794) * The Book of Urizen (1794) * The Song of Los (1794) * The Book of Ahania (1795) * The Book of Los (1795) * Night Thoughts (1797) (ilustrações) * Milton (1804) * Grave (1808) * Everlasting Gospel (1818) * Jerusalem (1820) * The Ghost of Abel (1822) * Dante’s Divine Comedy (1825) (ilustrações) * O livro de Jó da Bíblia (1826) (ilustrações) filme “Quatro casamentos e um funeral

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Hans Magnus Enzensberger – Poesia – 18/09/2024

Boa noite Para o livro de literatura de segundo grau Hans Magnus Enzensberger¹ Não leias odes, meu filho, lê os horários (dos trens, dos ônibus, dos aviões): são mais exatos. Abre os mapas náuticos antes que seja tarde demais. Sê vigilante, não cantes. Chegará o dia em que eles, de novo, pregarão listas no portão e desenharão marcas no peito daqueles que dizem não. Aprende a ir incógnito, aprende mais do que eu:a mudar de bairro, de passaporte, de rosto. Entende da pequena traição, da salvação suja de todos os dias. Úteis são as encíclicas para se fazer fogo, e os manifestos: para a manteiga e sal dos indefesos. É preciso raiva e paciência para se soprar nos pulmões do poder o fino pó mortal, moído por aqueles, que aprenderam muito, que são exatos, por ti. ¹ Hans Magnus Enzensberger * Nuremberg, Alemanha – 1929 d.C

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Walt Whitmann – Poesia – 13/09/24

Boa noite. A base de toda metafísica Walt Whitmann E agora, senhores, Uma palavra eu lhes dou para permanecer em suas memórias e mentes, Como base, e fim também, de toda metafísica. (Também, para os alunos, o velho professor, No final de seu curso apinhado.) Tendo estudado o novo e o antigo, os sistemas grego e alemão, Kant tendo estudado e exposto – Fichte e Schelling e Hegel, Exposto o saber de Platão – e Sócrates, maior que Platão, E maior que Sócrates buscado e exposto – Cristo divino tenho muito estudado, Eu vejo reminiscentes hoje aqueles sistemas grego e alemão, Vejo as filosofias todas – igrejas cristãs e princípios, vejo, Sob Sócrates claramente vejo – e sob Cristo o divino eu vejo, O caro amor do homem pelo seu camarada – a atração de amigo por amigo, Do marido bem-casado e a esposa mãe de crianças e os pais, De cidade por cidade, e terra por terra.

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Fernando Veríssimo – O lixo

Fazia muito tempo que não lia nada de Luiz Fernando Verissimo, nos tempos áureos de devorador de livros, ou nos jornais que circulavam na empresa, sempre lia a coluna dele, brilhante escritor, inteligente e de um humor raro. Lixo Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam. – Bom-dia. – Bom-dia. – A senhora é do 610. – E o senhor do 612 – É… – Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente… – Pois é… – Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo… – O meu o quê? – O seu lixo. – Ah… – Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena… – Na verdade sou só eu. – Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata. – É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar… – Entendo. – A senhora também… – Me chame de você. – Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim… – É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra… – A senhora… Você não tem família? – Tenho, mas não aqui. – No Espírito Santo. – Como é que você sabe? – Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo. – É. Mamãe escreve todas as semanas. – Ela é professora? – Isso é incrível! Como foi que você adivinhou? – Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora. – O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo. – Pois é… – No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado. – É. – Más notícias? – Meu pai. Morreu. – Sinto muito. – Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos. – Foi por isso que você recomeçou a fumar? – Como é que você sabe? – De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo. – É verdade. Mas consegui parar outra vez. – Eu, graças a Deus, nunca fumei. – Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo… – Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou. – Você brigou com o namorado, certo? – Isso você também descobriu no lixo? – Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel. – É, chorei bastante, mas já passou. – Mas hoje ainda tem uns lencinhos… – É que eu estou com um pouco de coriza. – Ah. – Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo. – É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é. – Namorada? – Não. – Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha. – Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga. – Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte. – Você já está analisando o meu lixo! – Não posso negar que o seu lixo me interessou. – Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia. – Não! Você viu meus poemas? – Vi e gostei muito. – Mas são muito ruins! – Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados. – Se eu soubesse que você ia ler… – Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela? – Acho que não. Lixo é domínio público. – Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso? – Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que… – Ontem, no seu lixo… – O quê? – Me enganei, ou eram cascas de camarão? – Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei. – Eu adoro camarão. – Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode… – Jantar juntos? – É. – Não quero dar trabalho. – Trabalho nenhum. – Vai sujar a sua cozinha? – Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora. – No seu lixo ou no meu? Luiz Fernando Veríssimo 👏🏽👏🏽👏🏽

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