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Brecht – Poesia – 06/02/24

Boa noite Aos Vacilantes Brecht O que está errado, agora, no nosso discurso? Alguma coisa? Ou tudo? Com quem ainda podemos contar? Somos sobras da correnteza viva, que o rio depositou em suas margens? Ficaremos para trás, sem entendermos, sem sermos entendidos por ninguém? Precisamos ter sorte? Isso é o que perguntas. Não esperes resposta a não ser de ti mesmo. ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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Maya Angelou – Poesia – 05/02/24

Poesia Ainda assim eu me levanto Maya Angelou Você pode me marcar na história Com suas mentiras amargas e distorcidas Você pode me esmagar na própria terra Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar. Meu atrevimento te perturba? O que é que te entristece? É que eu ando como se tivesse poços de petróleo Bombeando na minha sala de estar. Assim como as luas e como os sóis, Com a certeza das marés, Assim como a esperança brotando, Ainda assim, eu vou me levantar. Você queria me ver destroçada? Com a cabeça curvada e os olhos baixos? Ombros caindo como lágrimas, Enfraquecidos pelos meus gritos de comoção? Minha altivez te ofende? Não leve tão a sério Só porque rio como se tivesse minas de ouro Cavadas no meu quintal. Você pode me fuzilar com suas palavras, Você pode me cortar com seus olhos, Você pode me matar com seu ódio, Mas ainda, como o ar, eu vou me levantar. Minha sensualidade te perturba? Te surpreende Que eu dance como se tivesse diamantes Entre as minhas coxas? Saindo das cabanas da vergonha da história Eu me levanto De um passado enraizado na dor Eu me levanto Sou um oceano negro, vasto e pulsante, Crescendo e jorrando eu carrego a maré. Abandonando as noites de terror e medo Eu me levanto Para um amanhecer maravilhosamente claro Eu me levanto Trazendo as dádivas que meus ancestrais me deram, Eu sou o sonho e a esperança dos escravos. Eu me levanto Eu me levanto Eu me levanto. . – Maya Angelou, no livro “Poesia completa”. tradução Lubi Prates. Astral Cultural, 2020

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Cecília Meireles – Poesia – 04/02/24

Boa noite Timidez Cecília Meireles Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve, – mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes Para que tu me adivinhes, entre os ventos taciturnos, apago meus pensamentos, ponho vestidos noturnos, – que amargamente inventei. – Cecília Meireles, em ‘Viagem’ (1973)

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Carlos Drummond de Andrade – Poesia – 01/02/24

Boa noite. Os ombros suportam o mundo Carlos Drummond de Andrade Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. Carlos Drummond de Andrade, no livro “Sentimento do Mundo”. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1940 | em “Nova Reunião”. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1985.

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Giuseppe Ungaretti – Poesia – 10/02/24

Boa noite. Aniquilamento Giuseppe Ungaretti¹ Meu coração esbanjou vaga-lumes se acendeu e apagou de verde em verde fui contando Com minhas mãos plasmo o solo difuso de grilos modulo-me com igual submisso coração Bem-me-quer mal-me-quer esmaltei-me de margaridas enraizei-me na terra apodrecida cresci como um cardo sobre o caule torto colhi-me no tufo do espinhal Hoje como o Isonzo de asfalto azul me fixo ¹Giuseppe Ungaretti * Alexandria, Egito – 1888

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Mário de Andrade – Poesia – 28/01/24

Boa noite. Ode ao burguês Mário de Andrade Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem-feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos; e gemem sangues de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os “Printemps” com as unhas! Eu insulto o burguês-funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal! Mas à chuva dos rosais o èxtase fará sempre Sol! Morte à gordura! Morte às adiposidades cerebrais! Morte ao burguês-mensal! ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! “- Ai, filha, que te darei pelos teus anos? – Um colar… – Conto e quinhentos!!! Mas nós morremos de fome!” Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais! De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos, cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão! Fora! Fu! Fora o bom burgês!… – Mário de Andrade, do livro “Pauliceia desvairada” (1922)

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Pablo Neruda – Poesia – 27/01/24

Boa noite. As Máscaras Pablo Neruda¹ Piedade para estes séculos e seus sobreviventes alegres ou maltratados, o que não fizemos foi por culpa de ninguém, faltou aço: nós o gastamos em tanta inútil destruição, não importa no balanço nada disto: os anos padeceram de pústulas e guerras, anos desfalecentes quando tremeu a esperança no fundo das garrafas inimigas. Muito bem, falaremos alguma vez, algumas vezes, com uma andorinha para que ninguém escute: tenho vergonha, temos o pudor dos viúvos: morreu a verdade e apodreceu em tantas fossas: é melhor recordar o que vai acontecer: neste ano nupcial não há derrotados: coloquemo-nos, cada um, máscaras vitoriosas. ¹Neftalí Ricardo Reyes * Parral, Chile – 12 de Julho de 1904 + Santiago, Chile – 23 de Setembro de 1973

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João Cabral de Melo Neto – Poesia – 23/01/24

Boa noite. Ode Mineral João Cabral de Melo Neto¹ É mineral o papel onde escrever o verso; o verso que é possível não fazer. São minerais as flores e as plantas, as frutas, os bichos quando em estado de palavra. É mineral a linha do horizonte, nossos nomes, essas coisas feitas de palavras. É mineral, por fim, qualquer livro: que é mineral a palavra escrita, a fria natureza da palavra escrita. ¹João Cabral de Melo Neto * Recife, Pe. – 9 de Janeiro de 1920 + Rio de Janeiro, Rj. – 9 de Outubro de 1999

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Ezra Pound – Poesia – 24/01/24

Boa noite Tentei escrever o paraíso Ezra Pound¹ Tentei escrever o Paraíso Não se mova Deixe falar o vento Esse é o paraíso. Deixe os Deuses perdoarem O que eu fiz Deixe aqueles que eu amo tentarem perdoar O que eu fiz. ¹ Ezra Weston Loomis Pound * Idaho,USA 30 de outubro de 1885 + Veneza,Itália 1 de novembro de 1972 Poeta, músico e crítico que, junto com T. S. Eliot, foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX. Ele foi o motor de diversos movimentos modernistas, notadamente do Imagismo e do Vorticismo.

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Manuel Graña Etcheverry – Versos na tarde – 22/01/24

Boa noite. Hoje já passou Manuel Graña Etcheverry¹ Já o dia passa. Já os livros não podem. Já a música não alcança. A evasão é inútil, solitário. Já tens o espelho a tua frente: mira-te, sozinho, fumando o cigarro, mira no quarto tua presença só. Não estão suas mãos nem seus olhos vêm, nem sua voz se aproxima, nem seu beijo, nem chega seu amor para buscar-te. Consumiste sonhos na espera: edifícios de tenues quadros que as horas gastaram pouco a pouco. E ruínas sonoras de estupendos colóquios de amor que imaginaste têm buscado sua tumba nas paredes. Não te bastou a lembrança: desejava-a vivendo e perto e em teus braços. Mas o dia se vai sem que ela venha. Hoje a paz não veio e tens medo. Não quer retratar-se em cristais nem a água do passado te refresca. Mas o dia se vai… cala-o, esqueça. Beija no ar seu rosto ausente. Hoje a paz não veio. Hoje já passou. ¹ Manuel Graña Etcheverry * Córdoba, Argentina – 1915 + Dean Funes, Argentina – 27 de maio de 2015

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