Giuseppe Ungaretti – Poesia – 10/02/24

Boa noite.
Aniquilamento
Giuseppe Ungaretti¹

Meu coração esbanjou vaga-lumes
se acendeu e apagou
de verde em verde
fui contando

Com minhas mãos plasmo o solo
difuso de grilos
modulo-me
com
igual submisso
coração

Bem-me-quer mal-me-quer
esmaltei-me
de margaridas
enraizei-me
na terra apodrecida
cresci
como um cardo
sobre o caule torto
colhi-me
no tufo
do espinhal

Hoje
como o Isonzo
de asfalto azul
me fixo

¹Giuseppe Ungaretti
* Alexandria, Egito – 1888

Filho de pais italianos. O pai, que trabalhava na construção do canal de Suez, morreu quando ele tinha 2 anos. A mãe continuou a sustentar a família trabalhando numa padaria.

Ungaretti viveu no Egito até 1912, quando se transferiu para Paris, a fim de estudar na Sorbonne. Nesse período, ele tomou contato com escritores e artistas plásticos de vanguarda, entre os quais Guillaume Apollinaire, Pablo Picasso, Giorgio de Chirico, Georges Braque e Amedeo Modigliani.

Em 1914, Ungaretti vai para a Itália e no ano seguinte é convocado para lutar na Primeira Guerra Mundial. Seu primeiro livro de poemas, Il Porto Sepolto (O Porto Sepulto) foi escrito durante a guerra e trata de suas experiências nas trincheiras. Os textos ao lado são desse período.

No pós-guerra, em 1921, Ungaretti adere ao fascismo. Mussolini chega a assinar a apresentação de um de seus livros de poesia. Em 1936, vem para o Brasil e dá aulas de literatura na recém-criada Universidade de São Paulo, onde permanece até 1942. De volta à Itália, continua suas atividades de professor na Universidade de Roma. Ungaretti morreu em Milão em 1970.

Ao lado de Eugenio Montale (1896-1981) e Salvatore Quasimodo (1901-1968), Giuseppe Ungaretti forma a mais alta trindade da poesia italiana no século XX.

Os três, aliás, são considerados participantes do mesmo movimento literário italiano, o hermetismo. Uma curiosidade sobre o trio é que os dois primeiros foram distinguidos com o prêmio Nobel: Quasimodo em 1959 e Montale em 1975. Acredita-se que as simpatias fascistas de Ungaretti pesaram para que ele não fosse laureado com o Nobel.

Não há notícia de que Ungaretti tenha feito uma autocrítica formal de sua posição política. Esse é um aspecto que intriga a crítica literária e biográfica, em vista da contradição entre o ideário fascista e a poesia ungarettiana, marcada por um lirismo que se mostra flagrantemente contra a guerra.

Autor de uma poesia enxuta, Ungaretti levou ao extremo a idéia de despojar os versos de toda previsibilidade. Ao lado, é fácil constatar isso em metáforas como “esmaltei-me / de margaridas” ou “Hoje estou bêbado / de universo”. Não é possível deixar de citar esse belíssimo e conciso “Manhã”, poema com apenas quatro palavras: “Ilumino-me / de imenso”. A concisão não esconde – ao contrário, potencializa – a emoção contida nesses microversos.

Todos os poemas incluídos nesta pequena mostra da poesia de Ungaretti foram extraídos do livro A Alegria, cuidadosa edição bilíngüe com tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti. Pernambucano, diplomata de carreira, Cavalcanti também publicou recentemente coletâneas bilíngües com poemas de Quasimodo e Montale.

Fonte
Carlos Machado – Poesia.Net

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