“A abstração é uma forma de se inventar a ausência”. Cassiano Ricardo
Fuga em azul menor Cassiano Ricardo¹ O meu rosto de terra ficará aqui mesmo no mar ou no horizonte. Ficará defronte à casa onde morei. Mas o meu rosto azul, O meu rosto de viagem, esse, irá pra onde irei. Todo o mundo físico que gorjeia lá fora não me procure agora. Embarquei numa nuvem por um vão de janela dos meus cinco sentidos. E que adianta a alegria dizer que estou presente com o meu rosto de terra se não estou em casa? Inútil insistência. Cortei em mim a cauda das formas e das cores. (A abstração é uma forma de se inventar a ausência) e estou longe de mim nesta viagem abstrata sem horizonte e fim. Um dia voltarei qual pássaro marítimo, numa tarde bem mansa à hora do sol posto. Então, loura criança, Ouvirás o meu ritmo e me perguntarás: quem és tu, pobre ser? Mas, eu vim de tão longe e tão azul de rosto que não me podes ver. A graça de quem mora no país da ausência certo consiste nisto: ficar azul de rosto pra não poder ser visto. ¹Cassiano Ricardo Leite * São José dos Campos, SP. – 26 de Julho de 1895 + Rio de Janeiro, RJ. – 14 de Janeiro de 1974 Jornalista, poeta e ensaísta brasileiro. [ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”] Representante do modernismo de tendências nacionalistas. Pertenceu às academias paulista e brasileira de letras e fez parte dos grupos Verde-Amarelo, Anta, e foi o fundador do grupo da Bandeira.
Canção para poder viver Cassiano Ricardo ¹ Dou-lhe tudo do que como, e ela me exige o último gomo. Dou-lhe a roupa com que me visto e ela me interroga: só isto? Se ela se fere num espinho, O meu sangue é que é o seu vinho. Se ela tem sede eu é que choro, no deserto, para lhe dar água: E ela mata a sua sede, já no copo de minha mágoa. Dou-lhe o meu canto louco; faço um pouco mais do que ser louco. E ela me exige bis, “ao palco”! ¹ Cassiano Ricardo Leite * São José dos Campos, SP. – 26 de Julho de 1895 + Rio de Janeiro, RJ. – 14 de Janeiro de 1974 [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]
Pecado original Cassiano Ricardo ¹ O dia nos espia… novamente. Mas, ó incrível morena de olhar verde, fecha os teus olhos pra fingir que é noite. E teremos a noite, duas, três vezes, quantas vezes fecharmos nossos olhos na quentura de um beijo. Porque a noite é uma pequena invenção de nós dois… Há um momento de treva em cada beijo e uma risada matinal depois, do dia, debruçado na janela, que nos espia, e quer saber de tudo o que se passa agora entre nós dois. Fecha os olhos de novo, e eu te darei a noite que ainda mora atrás do dia… ¹ Cassiano Ricardo Leite * São José dos Campos, SP. – 26 de Julho de 1895 d.C + Rio de Janeiro, RJ. – 14 de Janeiro de 1974 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]