Fuga em azul menor
Cassiano Ricardo¹
O meu rosto de terra
ficará aqui mesmo
no mar ou no horizonte.
Ficará defronte
à casa onde morei.
Mas o meu rosto azul,
O meu rosto de viagem,
esse, irá pra onde irei.
Todo o mundo físico
que gorjeia lá fora
não me procure agora.
Embarquei numa nuvem
por um vão de janela
dos meus cinco sentidos.
E que adianta a alegria
dizer que estou presente
com o meu rosto de terra
se não estou em casa?
Inútil insistência.
Cortei em mim a cauda
das formas e das cores.
(A abstração é uma forma
de se inventar a ausência)
e estou longe de mim
nesta viagem abstrata
sem horizonte e fim.
Um dia voltarei
qual pássaro marítimo,
numa tarde bem mansa
à hora do sol posto.
Então, loura criança,
Ouvirás o meu ritmo
e me perguntarás:
quem és tu, pobre ser?
Mas, eu vim de tão longe
e tão azul de rosto
que não me podes ver.
A graça de quem mora
no país da ausência
certo consiste nisto:
ficar azul de rosto
pra não poder ser visto.
¹Cassiano Ricardo Leite
* São José dos Campos, SP. – 26 de Julho de 1895
+ Rio de Janeiro, RJ. – 14 de Janeiro de 1974
Jornalista, poeta e ensaísta brasileiro.
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Representante do modernismo de tendências nacionalistas.
Pertenceu às academias paulista e brasileira de letras e fez parte dos grupos Verde-Amarelo, Anta, e foi o fundador do grupo da Bandeira.
Formou-se em direito no Rio de Janeiro, em 1917. Rumando para São Paulo, trabalhou como jornalista em diversas publicações, e chegou a fundar alguns jornais. Aproximou-se de Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, à época da Semana de Arte Moderna de 1922. Em 1924 fundou A Novíssima, revista modernista. Em 1928 publica sua grande obra, Martim Cererê, experiência modernista que se coloca lado a lado com Macunaíma (de Mário de Andrade) e Cobra Norato (de Raul Bopp).
Afastando-se das idéias de Plínio Salgado, que por essa época já começavam a descaracterizar-se com nacionais e pareciam-se mais com imitações imperfeitas de dogmas nazistas, Cassiano Ricardo funda com Menotti del Picchia o grupo da Bandeira, em 1937. Neste ano ainda foi eleito para a cadeira número 31 da Academia Brasileira de Letras, sendo o segundo modernista aceito na instituição (o primeiro havia sido Guilherme de Almeida, que foi encarregado de recebê-lo).
Em 1950 foi eleito presidente do Clube da Poesia de São Paulo, e entre 1953 e 1954 foi chefe do Escritório Comercial do Brasil em Paris, vindo a ocupar outros cargos públicos nos anos seguintes.
Sua obra passa por diversos momentos; inicialmente apresenta-se presa ao Parnasianismo e ao Simbolismo. Com a fase modernista, explora temas nacionalistas e depois restringe-se mais, louvando a epopéia bandeirante. Por fim detém-se em temas mais intimistas, cotidianos
Obras
Dentro da noite (1915)
A flauta de Pã (1917)
Jardim das Hespérides (1920)
A mentirosa de olhos verdes (1924)
Vamos caçar papagaios (1926)
Borrões de verde e amarelo (1927)
Martim Cererê (1928)
Deixa estar, jacaré (1931)
Canções da minha ternura (1930)
Marcha para Oeste (1940)
O sangue das horas (1943)
Um dia depois do outro (1947)
Poemas murais (1950)
A face perdida (1950)
O arranha-céu de vidro (1956)
João Torto e a fábula (1956)
Poesias completas (1957)
Montanha russa (1960)
A difícil manhã (1960)
Jeremias sem-chorar (1964)
Os sobreviventes (1971)