Citação de propina para Governo FHC reaviva debate sobre alcance da Lava Jato

Ex-diretor da Petrobras fala em 100 milhões desviados para gestão tucana, e ex-presidente rebate. Procuradores defendem operação, mas apontam percalços legais para punir crimes dos hoje opositores.

Lula,FHC,Corrupção,Lava Jato,Blog do MesquitaJuntos para sempre. E desde sempre. Dois “capos” caro$ para o país.
José Mesquita

Erga omnes, em tradução livre, significa “valerá para todos”. Foi o nome em latim escolhido para a 14ª das, até agora, 22 fases da Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras. Desde o início do escândalo, em março de 2014, delegados da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público repetem que um dos objetivos da força-tarefa do caso é mostrar que ninguém está acima da lei.

A máxima parece estar sendo cumprida – com a prisão inédita de banqueiros, empreiteiros, executivos e até mesmo de um senador –, mas um debate se instala: se delatores do esquema relatam pagamentos de propina durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e não apenas na gestão do PT e aliados, será uma questão de tempo até os procuradores chegarem a nomes da oposição? O PT duvida e aponta a suposta seletividade das investigações.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

O sub-procurador-geral da República, Nicolao Dino, rechaça qualquer acusação de seletividade, mas diz que pode, sim, haver problemas que comprometam a “viabilidade jurídico-normativa” dos processos contra os tucanos. Eventuais malfeitos cometidos pelos hoje opositores e seus apoiadores na época poderiam esbarrar na prescrição criminal _quando expira o prazo pelo qual um crime pode ser punido.

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Em documento obtido pelo jornal Valor Econômico, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, antes de se tornar oficialmente um delator da Lava Jato, afirma à Procuradoria-Geral da República que a compra da petrolífera argentina Pérez Companc pela Petrobras, em 2002, envolveu pagamento de propina no valor de 100 milhões de dólares ao Governo FHC. O ex-presidente tucano rebateu em nota chamando a acusação de “vaga” – Cerveró não indica quem teria recebido o dinheiro desviado. O próprio ex-mandatário, no entanto, comenta em seu diário sobre o cotidiano do poder recém-lançado sobre supostas negociatas na Petrobras, sem falar de outras citações de opositores ao longo das investigações (veja aqui).

Seja como for, procuradores envolvidos e especialistas apontam os percalços técnicos para aprofundar as investigações nesta direção. “Os fatos estão sendo apurados como devem ser, independentemente de eventual partido”, afirma Nicolao Dino, ressaltando, no entanto, que o país tem mecanismos jurídicos ultrapassados que acabam favorecendo a impunidade. “É o caso da prescrição retroativa, por exemplo, que é como a jabuticaba, só temos no Brasil”, critica o procurador. Na prescrição retroativa, o tempo para que um criminoso se veja livre de cumprir pena é calculado a partir da pena determinada pelo juiz, que frequentemente é bem menor do que a pena máxima prevista para o crime, usada para calcular a prescrição abstrata. “Se abstratamente já tiver ocorrido a prescrição, não pode haver julgamento”.

Levando em conta que o tucano assumiu o Planalto em 1995 e nele ficou até 1º de janeiro de 2003, alguns dos eventuais ilícitos cometidos durante o período podem ser levados à Justiça, mas sem nenhuma condenação efetiva. Os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, por exemplo, prescrevem em 16 anos a partir da data em que ocorreram – isso levando em conta que o juiz aplique a pena máxima, o que raramente ocorre. Mas o tempo para a prescrição cai pela metade quando o réu completa 70 anos. Além disso, lavagem de dinheiro só passou a ser considerado um tipo penal – e logo passivo de punição – a partir de 1998. Some-se a isso o fato de que durante o Governo do tucano, a pena máxima para corrupção era menor (12 anos), o que também adiantaria o prazo para a prescrição.

Além da questão do problema da prescrição dos crimes, o procurador da força-tarefa da Lava Jato Roberson Henrique Pozzobon vê outra problema para apurar ilícitos de Governos anteriores. “O tempo é um fator que traz dificuldade nas apurações. Ao investigar delitos cometidos no ano passado, temos uma determinada possibilidade de êxito. Se os crimes ocorreram 15 anos atrás, essa possibilidade cai”, afirma. De acordo com ele, quanto mais antigo o delito, “mais difícil fica reunir comprovações de fatos”. “Documentos são extraviados ou destruídos e testemunhas não tem mais na memória tantos detalhes”, afirma.

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Para Bozzobon, até o momento a força-tarefa não se deparou ainda com ilícitos antigos que não poderiam ser apurados por estarem prescritos. “Ainda não enfrentamos esse problema”, afirma. “Alguns delatores falam que haviam recebido propina antes [durante o Governo de FHC], mas eles relataram tantos outros fatos mais graves posteriores, mais evidentes, que ainda não conseguimos vencer esse pontos para avançar sobre outros fatos mais antigos”, afirma.

Especialistas acreditam que o MPF e a Polícia Federal optaram por focar seus esforços em períodos nos quais ainda poderia conseguir condenar os envolvidos. “Sem dúvida esse é um dos motivos da força-tarefa não focar nesse período [do Governo de FHC]”, explica o professor de direito da USP Gustavo Badaró. Segundo o advogado, “eles até poderiam processar algum responsável por eventuais ilícitos cometidos na época, mas na hora de sentença a pena estaria prescrita”. Na visão do professor, “do ponto de vista político, isso parece gerar seletividade [ao mirar apenas o PT e partidos aliados]: politicamente é importante saber se houve corrupção no Governo FHC. Mas do ponto de vista penal, a chance disso resultar na condenação com pena que possa ser executada, é quase zero”.

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Ciente do problema da prescrição das penas como empecilho para punir crimes de colarinho branco – nos quais os réus tem dinheiro para pagar bons advogados que entram com recursos em todas as instâncias, o que atrasa a sentença definitiva -, um dos pontos do projeto de lei 10 Medidas Contra a Corrupção, proposto pelo MPF e que deverá ser entregue aos parlamentares em meados deste ano, abrange justamente esta questão. Entre as alterações no Código Penal propostas estão a ampliação dos prazos de prescrição e a extinção da prescrição retroativa – na qual quando já há uma sentença sem recurso da acusação, o prazo da prescrição diminui. Segundo o texto, trata-se de “um instituto que só existe no Brasil e é um dos mais prejudiciais ao nosso sistema, por estimular táticas protelatórias e desperdiçar recursos públicos”.

O jurista Walter Maieróvitch entende que é “desestimulante” investigar algo “que não dará em nada”, mas afirma que isso “é nefasto socialmente”. Ele aponta que é preciso que haja um mecanismo que permita às pessoas públicas renunciarem à prescrição. “No Brasil não adianta o réu não querer a prescrição, o juiz precisa decretá-la de ofício. Imagina um político honesto que quer decisão de mérito, mas já houve a prescrição”, afirma. De acordo com Maieróvitch, também falta no país uma autoridade nacional voltada para o combate à corrupção, que não seja apontada pelo chefe do Executivo, como acontece com o cargo de procurador-geral da República. “Isso, além de dar abrangência à investigação, impede que aconteça como no Governo de FHC, em que o procurador-geral tinha o apelido de engavetador-geral”, diz.

Eles até poderiam processar algum responsável por eventuais ilícitos cometidos na época, mas na hora de sentença a pena estaria prescrita
Em entrevista coletiva para anunciar a denúncia contra o pecuarista José Carlos Bumlai, acusado de usar o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para obter vantagens, o procurador Deltan Dallagnol foi questionado se tinha receio de que a operação ficasse com a pecha de investigar apenas petistas. “Esse tipo de apuração é como buscar um veio de ouro em uma mina”, respondeu, afirmando que todos os possíveis indícios e provas contra qualquer suspeito serão examinados. “As investigações do MPF precisam se basear em provas e evidências”. disse. A mesma justificativa foi dada por ele para explicar os motivos do Ministério Público Federal não ter apresentado denúncia contra o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva. “Se surgirem indicativos concretos com relação a qualquer pessoa, não só ao ex-presidente, elas serão ouvidas”, afirmou.

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