Luis Dolhnikoff – Versos na tarde – 18/12/2016

Não deu
Luis Dolhnikoff ¹

Não deu
a revolução
não deu em nada
a poesia
não deu em nada
a televisão
não deu em nada
o rock´n roll
não deu em nada
cair na estrada
não deu em nada
matar o papa
não deu em nada
encher a cara
não deu em nada
encarar a ressaca
não deu em nada
atravessar os mares
não deu em nada
descobrir a américa
não deu em nada
ir até a lua
não deu em nada
tentar a acupuntura
não deu em nada
o fim da pintura
não deu em nada
começar de novo
não deu em nada
comprar outro carro
não deu em nada
assinar a tv a cabo
não deu em nada
saber onde o mundo acaba
não deu em nada
a luta armada
não deu em nada
a cultura de massa
não deu em nada
o cinema francês
não deu em nada
o novo romance
não deu em nada
a esperança perdida
não deu em nada
a luta de classe
não deu em nada
o sol da tarde
não deu em nada
o primeiro amor
não deu em nada
a última safra
não deu em nada
afiar a faca
não deu em nada
não morrer cedo
não deu em nada
acordar tarde
não deu em nada
tratar as cáries
não deu em nada
tentar a sorte
não deu em nada
mais um dia ameno
não deu em nada
ter mais um filho
não deu em nada
trabalhar menos
não deu em nada
ter mais dinheiro
não deu em nada
a internet
não deu em nada
o novo sabor de sorvete
não deu em nada
estar conectado
não deu em nada
viver isolado
não deu em nada
percorrer a cidade
não deu em nada
cuidar da casa
não deu em nada
passear pela praia
não deu em nada
tirar o sapato
não deu em nada
esquecer o passado
não deu em nada
saber do holocausto
não deu em nada
o fim do espetáculo
não deu em nada
o novo formato
não deu em nada
o cinema 3d
não deu em nada
o lance de dados
não deu em nada
a mudança de hábitos
não deu em nada
a reforma política
não deu em nada
o fim do socialismo
não deu em nada
o tropicalismo
não deu em nada
morar em copacabana
não deu em nada
a revolução cubana
não deu em nada
a bossa-nova
não deu em nada
a velha guarda
não deu em nada
a cerveja em lata
não deu em nada
o welfare state
não deu em nada
a sopa em pacote
não deu em nada
chegar ao polo norte
não deu em nada
a arte pop
não deu em nada
chorar pelos mortos
não deu em nada
abrir mais estradas
não deu em nada
a nova dieta
não deu em nada
vacinar contra a gripe
não em nada
o verão em recife
não deu em nada
assistir mais um filme
não deu em nada
fundar uma ong
não deu em nada
criar a onu
não deu em nada
fazer a américa
não deu em nada
desfazer o império
não deu em nada
o fim da história
não deu em nada
o fim da metafísica
não deu em nada
a queda da bastilha
não deu em nada
o casamento da filha
não deu em nada
o novo esporte
não deu em nada
o medo da morte
não deu em nada
ter dado tudo certo
não deu em nada
a terra prometida
não deu em nada
a palavra divina
não deu em nada
saldar a dívida
não deu em nada
o fim da infância
não deu em nada
a alegria a alegria
não deu em nada
a esperança e a glória
não deu em nada
cuidar das feridas
não deu em nada
o jantar em família
não deu em nada
sair de casa
não deu em nada
a noite passada
não deu em nada
iluminar a cidade
não deu em nada
voltar mais tarde
não deu em nada
esperar pelo messias
não deu em nada
a nova profecia
não deu em nada
a morte do verso
não deu em nada
o nascimento do filho
não deu em nada
chorar sozinho
não deu em nada
adotar o budismo
não deu em nada
fazer exercícios
não deu em nada
a morte de deus
não deu em nada
o fim da razão
não deu em nada
a nova medicação
não deu em nada
mais uma eleição
não deu em nada
a boa educação
não deu em nada
o fim da madrugada
não deu em nada
a aldeia global
não deu em nada
comer mais salada
não deu em nada
a paz mundial
não deu em nada
a lágrima amarga
não deu em nada
o beijo da mulher amada
não deu em nada
o orgasmo quando acaba
não deu em nada
a queda do muro
não deu em nada
o tiro no escuro
não deu em nada
lançar um livro
não deu em nada
tentar o suicídio
não deu em nada
haver sobrevivido

¹ Luis Dolhnikoff
* São Paulo, SP.- 1961
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Luis Dolhnikoff  iniciou sua carreira literária com o livro de poemas Impreciso emigrar (SP, Massao Ohno, 1979).
Depois de um intervalo no qual cursou medicina e letras na USP, retornou com Pãnico (SP, Expressão, 1986, com apresentação de Paulo Leminski).
Em 1987, participa da fundação da editora paulistana Olavobrás, pela qual publicaria Impressões digitais(1990), e Microcosmo (1992), ambos de poemas, além da coletânea de contos Os homens de ferro (1991).
Publicou poemas em Atlas Almanak 88 (SP, Kraft, organização Arnaldo Antunes), na página de arte e culturaMusa paradisiaca (Curitiba, A Gazeta do Povo, 1997, edição de Josely Vianna Baptista e Francisco Faria), na revistaMedusa (Curitiba, 2000), na revista Tsé=tsé 7/8 – número especial com 30 poetas brasileiros contemporâneos (Buenos Aires, 2000), na antologia de poesia brasileira contemporânea Moradas provisorias (in Hipnerotomaquia, Ciudad de Mexico, Aldus, 2001, organização Josely Vianna Baptista) e na revista Cult (SP, set. 2002, no. 61).
Colaborou com resenhas e artigos literários em O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, A Gazeta do Povo(Curitiba), A Notícia (Joinville), revista Sibila (SP) e jornal Clarín (Buenos Aires).
Entre 1992 e 1995 coorganizou, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday de SP, em que deu a público suas traduções de poemas de James Joyce.
Em 2001 recebeu Menção Honrosa no “Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira”, da revista Cult, com a trilogia poética Consubstanciações I (sendo os jurados os poetas Nelson Asher, Waly Salomão e Cláudio Willer).
Em 1995 muda-se para Florianópolis, residindo no sul da Ilha de Santa Catarina, onde se dedica ao ofício literário.

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