Não faz nem uma década que as bolsas em todo o mundo desabaram com o anúncio da quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, e já há quem sinta as vibrações de um novo terremoto financeiro de proporções globais.
Não faz nem uma década que as bolsas em todo o mundo desabaram com o anúncio da quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, e já há quem sinta as vibrações de um novo terremoto financeiro de proporções globais.
Diante da freada da economia chinesa, da brusca queda do preço do petróleo e da expansão do fenômeno dos juros negativos em países ricos, alguns economistas têm defendido que uma nova crise como a de 2008 estaria se avizinhando.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
O megainvestidor George Soros, por exemplo, levantou essa possibilidade durante um evento no Sri Lanka, no mês passado. “Quando olho para os mercados financeiros há um sério desafio que me faz lembrar da crise de 2008”, disse.
Há, certamente, quem considere as comparações exageradas – ou mesmo perigosas, como afirmou o Secretário do Tesouro americano, Jacob Lew.
“Adoto um otimismo cauteloso ao olhar essas muitas áreas (da economia global) em que há riscos”, disse Lew em entrevista a BBC News. “Acho importante não permitir que esses riscos se tornem profecias autoanunciadas.”
No entanto, mesmo autoridades e economistas mais céticos sobre um novo crash global admitem que 2016 começou com um perigoso “coquetel” de ameaças econômicas – como definiu recentemente o ministro das Finanças britânico, George Osborne.
Mas, afinal, quais são os sinais que estão gerando tanta incerteza no que diz respeito à economia internacional? E como essas turbulências poderiam afetar o Brasil em um momento em que o país tenta superar dificuldades internas?
Para o professor de economia da PUC Antônio Carlos Alves dos Santos, a economia internacional enfrenta uma espécie de “tempestade perfeita”.
As dificuldades começaram com o desaquecimento da China e seu impacto sobre os preços das commodities.
No início do ano, uma grande instabilidade da bolsa de Xangai reforçou as suspeitas de que a economia chinesa poderia ter uma desaceleração drástica – o que no jargão econômico é conhecido como “hard landing”.
Soros, ao fazer o paralelo com 2008, mencionou justamente as incertezas sobre o gigante asiático.
“A China tem um grande problema de adaptação”, disse, explicando que o país está com dificuldades para encontrar um novo modelo de crescimento.
Petróleo e juros
A queda do preço do barril de petróleo para abaixo dos US$ 30 também foi um fator que ampliou o clima de incertezas em 2016.
O produto já acumula uma desvalorização de 70% desde 2014. Primeiro, em função de uma demanda fraca – para a qual também contribuiu o desaquecimento chinês. Segundo, porque o período de bonança do setor impulsionou uma série de investimentos em novas áreas de exploração e fontes alternativas de combustível fóssil – o que acabou levando a uma superprodução.
“Agora, a incógnita é como as empresas do setor e seus credores serão afetados por esse novo patamar de preços”, diz Santos.
“Temos rumores, por exemplo, de que produtoras de gás de xisto nos EUA estão passando por sérias dificuldades financeiras”, completa Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding, em Londres.
“E também há dúvidas sobre o impacto desse novo cenário nos bancos que emprestam para empresas e países produtores.”
A terceira fonte de incertezas no cenário global são as taxas de juros negativas adotadas por alguns países para seus títulos e depósitos das instituições financeiras nos Bancos Centrais.
Colmerauer explica que essas taxas negativas comprimem as margens de lucro dos bancos – então há quem acredite que alguns deles podem ter problemas.
“A verdade é que nunca vimos tantos países adotarem essa política de juros negativos, trata-se de um fenômeno novo. Então há muita incerteza sobre quais podem ser suas consequências”, diz.
Segundo o banco J.P. Morgan, há hoje cerca de US$ 6 trilhões em títulos públicos com juros negativos, o dobro do que há dois meses.
Na semana passada, até o FED, o Banco Central americano, anunciou que deixaria em aberto a possibilidade de adotar os juros negativos em função das adversidades da economia global, gerando grande alvoroço nos mercados que esperam um aumento da taxa este ano.
Já praticam juros negativos em seus títulos ou como taxa de referência o Banco Central Europeu, a Suécia, a Dinamarca e a Suíça, além do Japão, que recentemente emitiu pela primeira vez um título de longo prazo com rentabilidade negativa.
Se um país adota os juros negativos, na prática os investidores têm de pagar para emprestar seu dinheiro – em vez de receber uma remuneração. Os bônus de dez anos do governo do Japão, por exemplo, foram negociados por -0,035%, o que significa que quem emprestar para o país hoje, daqui a uma década poderá reaver um pouco menos do valor investido.
O fenômeno é impulsionado por uma corrida por economias de baixo risco. A lógica é que há tanta instabilidade no mercado que os investidores não se importam em perder um pouco de dinheiro pela certeza de que seus ativos estarão seguros.
Do lado das autoridades financeiras, o objetivo é estimular investimentos na economia real e, em alguns casos, combater a deflação – ou seja, a queda sistemática dos preços.
O problema é que muitos interpretam essa política como um sinal de que as autoridades financeiras do país em questão não acreditam que sua economia vá melhorar tão cedo – e continuam preferindo perder pouco sem risco a arriscar perder muito investindo em uma economia pouco dinâmica.
O fato do FED ter mencionado a taxa de juros negativa como uma opção, por exemplo, acabou sendo interpretado pelos mercados como um sinal de que o banco ainda não considera que a retomada da economia americana é segura.
Queda no crescimento
Recentemente, o Banco Mundial contribuiu para essas visões mais pessimistas ao revisar sua previsão de crescimento para a economia global este ano de 3,2% para 2,9%.
Para Santos, porém, o cenário complicado não quer dizer que haverá um crash. “Há uma compreensão dos líderes globais de que isso deve ser evitado e várias medidas podem ser tomadas nessa direção”, diz ele.
“Só para mencionar um exemplo: a Arábia Saudita pode ser convencida a cortar sua produção de petróleo e voltar a atuar com uma estabilizadora desse mercado.”
No que diz respeito ao impacto de um eventual aumento das turbulências externas no Brasil, parece haver certo consenso de que se já não estava fácil para o país voltar a crescer em função de fatores internos – como a crise política -, a tarefa ficaria ainda mais difícil com um vendaval lá fora.
O atual cenário, de desaceleração das economias do sul do globo, é bem diferente do da crise de 2008, quando países emergentes atraíram a atenção de investidores que não conseguiam mais ganhar dinheiro em países desenvolvidos.
Segundo Colmerauer, hoje uma nova crise global poderia gerar uma fuga de capitais do Brasil (embora, para ele, também não haja sinais claros de que caminhamos para um colapso).
O resultado seria uma desvalorização ainda maior do real que, ao afetar o preço de produtos importados ou exportáveis (que no geral seguem os preços do mercado externo), pressionariam a inflação.
As exportações poderiam ganhar competitividade com um real mais fraco. Por outro lado, com uma economia global menos aquecida, a demanda por produtos exportados também seria menor.
“Com essa onda de juros negativos, podemos dizer hoje que o crédito está barato para quem tem um bom nome na praça”, diz Colmerauer. “Fossem outros tempos o Brasil poderia se aproveitar disso e tomar recursos emprestados para investir em infraestrutura, por exemplo. Mas com as nossas dificuldades internas, problemas econômicos e a perda de grau de investimento estamos em um outro grupo de países: o dos que tem cada vez mais dificuldade para atrair recursos mesmo aumentando muito suas taxas de juros.”
Para Santos, um dos grandes problemas para o Brasil é que a falta de acordo entre os grupos políticos pode dificultar uma reação a qualquer situação mais complicada que possa surgir no cenário internacional.
“Em situações de crise global, muitas vezes é preciso dar respostas rápidas”, diz ele. “Mas o governo e a oposição estão demonstrando ter uma imensa dificuldade de chegar a consensos, em construir uma pauta mínima em nome de um bem comum”, opina.
Ruth Costas/BBC