Declínio industrial não é surpreendente, mas sua profundidade e velocidade criam tendência que acentua piora
Nelson D. Schwartz – The New York Times – O Estado SP
Desde que foi fundada pelo seu bisavô em 1880, a empresa de Carl Martin Welcker, localizada em Köln, Alemanha, espelhou a situação vivida pelas indústrias não apenas na Europa, mas no mundo todo. Isso ainda é verdade hoje. Ecoando um padrão familiar às indústrias da Europa, Ásia e Estados Unidos, Welcker diz que a sua empresa, Schuette, fabricante das máquinas responsáveis pela produção de 80% das velas de ignição usadas em todo o mundo, vive uma “tragédia”. Os pedidos caíram 50% em relação ao mesmo período do ano passado e Welcker está cortando custos e considerando demissões.
O fato de o setor industrial estar em declínio não é surpreendente, mas a profundidade e a velocidade da queda são impressionantes e criam uma tendência que acentua a si mesma, semelhante às falências em cadeia que resultaram na Grande Depressão.
Na Europa, por exemplo, onde a indústria corresponde a quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB), a produção caiu 12% em relação ao mesmo período do ano anterior. No Brasil, a queda foi de 15%; em Taiwan, chegou a impressionantes 43%. Até na China, que virou a grande fábrica do mundo, o crescimento produtivo desacelerou, as exportações caíram 25% e milhões de trabalhadores industriais foram demitidos.
Nos Estados Unidos, até pouco tempo atrás um país relativamente próspero para o setor industrial, apesar da erosão constante dos empregos de trabalho braçal, a produção industrial caiu 11% em fevereiro em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com estatísticas publicadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) na segunda-feira.
“A atividade industrial despencou, estamos vivendo o pior declínio observado desde a 2.ª Guerra Mundial”, disse Dirk Schumacher, principal economista do Goldman Sachs para a Europa em Frankfurt.
O padrão detectado na indústria e no comércio lembra ameaçadoramente a maneira com que a crise financeira iniciada em 1929 cresceu até chegar à Grande Depressão: o aperto no mercado de crédito e o medo do consumidor reduziram a demanda por bens manufaturados em todos os países, um após o outro, criando uma espiral descendente que reduziu o comércio global.
“A queda na atividade industrial sugere que, apesar de a situação ter sido ruim no quarto trimestre, atualmente as coisas estão no mínimo tão ruins quanto antes”, disse Robert J. Barbera, economista-chefe da ITG, empresa de Nova York especializada em pesquisa e comércio. “Trata-se de uma clássica situação em que o momento adverso alimenta a sua própria piora. Não é uma condição que possa se corrigir rapidamente por si mesma.” Isso significa que mais trabalhadores podem esperar pela perda de seus empregos no mundo nos próximos meses conforme as indústrias continuarem a reduzir a produção, especialmente enquanto o comércio global se contrai.
O comércio está diminuindo num ritmo ainda maior do que a produção. As exportações da Alemanha estão 20% menores do que há um ano, as japonesas caíram 46% e, nos EUA, caíram a uma taxa anual de 23,6% no quarto trimestre de 2008.
Welcker diz nunca ter visto nada igual. Para efeito de comparação, ele precisa fazer referência à Grande Depressão e à 2ª Guerra Mundial, quando a fábrica da Schuette foi destruída.
Depois de se concentrar na Alemanha e na Europa nas décadas posteriores à guerra, a Schuette prosperou conforme a globalização abriu novos mercados na Europa Oriental e na Ásia. Nos últimos 5 anos, as vendas, estimadas em 58 milhões, dispararam para 100 milhões (US$ 131 milhões).
A reversão súbita na atividade industrial mundial sugere que os americanos não devem esperar tão cedo pelo alívio econômico vindo do exterior, apesar de o clima em Wall Street estar um pouco mais otimista ultimamente e do pedido feito pelo presidente Barack Obama para que os governos estrangeiros aprovem mais pacotes de estímulo e gastos públicos.
Apesar de a atividade industrial corresponder a cerca de 14% do PIB americano, na economia mundial ela corresponde a 18%, e a 33% do PIB chinês, segundo o Banco Mundial.
Isso significa que China, Brasil, Índia e outros países emergentes que escaparam das piores consequências da crise de crédito vão sofrer cada vez mais, derrubando a demanda em economias mais avançadas mesmo quando os pacotes de estímulo começarem a dar resultado. Esse efeito de depressão funciona em ambos os sentidos.
Apesar da noção equivocada de que os EUA não produzem mais nada hoje em dia, a queda na demanda por artigos produzidos no país – como turbinas a jato, locomotivas, equipamento médico, produtos farmacêuticos e artigos de alta tecnologia – vai prejudicar as perspectivas de crescimento dos EUA.
“A atividade industrial corresponde a dois terços das exportações americanas e contribuiu mais do que qualquer outro setor da economia para o crescimento do PIB nos últimos 20 anos”, disse David Huether, economista-chefe da Associação Nacional de Industriais em Washington. “Nossa parcela da atividade industrial mundial permaneceu estável entre 20% e 23% na última década.” Em outras partes do mundo, até mesmo indústrias saudáveis como a Toyota também reduzem a produção, o que contribui para o enorme declínio nas exportações japonesas.
Apesar de os problemas das indústrias automobilística e pesada terem recebido a maior parte da atenção, o sofrimento atinge também os fabricantes de produtos como artesanato, tecidos e joias.
O setor industrial da Índia, que corresponde a cerca de 16% do PIB do país, viu seu primeiro declínio na produção trimestral em mais de uma década.
E apesar dos cortes nos impostos e de um pacote de estímulo de US$ 64 milhões anunciado em fevereiro, a indústria têxtil indiana pressiona o governo para obter mais ajuda.
Na Schuette, que conta com 550 trabalhadores e é símbolo do fundamental setor intermediário dos empreendimentos familiares alemães, os tempos difíceis fazem parte da história da empresa.
Welcker se lembra dos casos de família que se recorda dos caminhões cheios de dinheiro usado para pagar os salários durante a superinflação da época da República de Weimar e também a completa destruição da fábrica depois que os soldados americanos atravessaram o Reno em 1945 perto de onde estão as instalações da Schuette hoje.
“Não restou pedra sobre pedra.” Hoje, ele comemora o fato de a situação não ser tão ruim quanto naquela época. “Mas a velocidade com que as encomendas foram reduzidas”, disse ele, “é a maior que já vi.”