Onde eu exatamente me encontro?
… poesias, a poesia é
Pode haver um dia em que a poesia mude de endereço
No ano passado… Mário Quintana Já repararam como é bom dizer “o ano passado”? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem…Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse “tudo” se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte: “Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados”. Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos… Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição – morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Poema dos enamorados Djalma Portela Como sem destino Escrito na palma da mão Caminhando sem rumo Numa vida sem prumo. Dono absoluto, da pior sensação, Momento cruel domina meu coração. Rogo à Deus, Luz,imediata inspiração, Pois;sem referência, não sou ninguém Parece-me que o sol se põe e a lua não vem. Pensativo eu fico, Sem saber se vou além. Encontro-me num eterno pensar, Dividido… Nem tanto a terra Nem tanto ao mar. Marco um encontro comigo, Afinal! Sou meu amigo. Durmo,acordo e repito; Você é meu grito,meu ar. Sinto pulsar nas veias, O sangue que incendeia, Forte desejo em cadeia, Da paixão que vagueia No infinito mundo da ilusão, Que margeia toda emoção
Última Deusa Alberto de Oliveira Foram-se os deuses, foram-se, eu verdade; Mas das deusas alguma existe, alguma Que tem teu ar, a tua majestade, Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma. Ao ver-te com esse andar de divindade, Como cercada de invisível bruma, A gente à crença antiga se acostuma E do Olimpo se lembra com saudade. De lá trouxeste o olhar sereno e garço, O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto, Rútilo rola o teu cabelo esparto… Pisas alheia terra… Essa tristeza Que possuis é de estátua que ora extinto Sente o culto da forma e da beleza. Pintura de Jamil Naqsh
Bem-aventurados os pintores escorrendo luz