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Dylan Thomas – Poesia – 29/04/24

Boa noite A luz irrompe onde nenhum sol brilha Dylan Thomas ¹ A luz irrompe onde nenhum sol brilha; onde não se agita qualquer mar, as águas do coração impelem as suas marés; e, destruídos fantasmas com o fulgor dos vermes nos cabelos, os objetos da luz atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos. Nas coxas, uma candeia aquece as sementes da juventude e queima as da velhice; onde não vibra qualquer semente, arredonda-se com o seu esplendor e junto das estrelas o fruto do homem; onde a cera já não existe, apenas vemos o pavio de uma candeia. A manhã irrompe atrás dos olhos; e da cabeça aos pés desliza tempestuoso o sangue como se fosse um mar; sem ter defesa ou proteção, as nascentes do céu ultrapassam os seus limites ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas. A noite, como uma lua de asfalto, cerca na sua órbita os limites dos mundos; o dia brilha nos ossos; onde não existe o frio, vem a tempestade desoladora abrir as vestes do inverno; a teia da primavera desprende-se nas pálpebras. A luz irrompe em lugares estranhos, nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a chuva; quando a lógica morre, o segredo da terra cresce em cada olhar e o sangue precipita-se no sol; sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer. ( tradução: Fernando Guimarães) ¹ Dylan Marlais Thomas * Swansea, País de Gales – 27 de Outubro de 1914 d.C + Swansea, País de Gales – 30 Maio 1953 d.C

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T.S.Eliot – Poesia – tarde – 26/04/24

Boa noite. Gerontion’s – Parte I T.S.Eliot Thou hast nor youth nor age, But, as it were, an after dinner’s sleep, Dreaming on both. (William Shakespeare, Measure for Measure, “Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.”) Eis-me aqui, um velho em tempo de seca, Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva. Jamais estive entre as ígneas colunas Nem combati sob as centelhas de chuva Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos, Ferroado de moscardos, combati. Minha casa é uma casa derruída, E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono, Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres. O bode tosse à noite nas altas pradarias; Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta. A mulher cuida da cozinha, faz chá, Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas. E eu, um velho, Uma cabeça oca entre os vazios do espaço. Tomaram-se os signos por prodígios: “Queremos um signo!” A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra, Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano Veio Cristo, o tigre. Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das faias-da-judéia, A serem comidas, bebidas, partilhadas Entre sussurros; pelo Senhor Silvero Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges, No quarto ao lado caminhou a noite inteira; Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos; Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais No quarto escuro, por Fraülein von Kulp, A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou. Navetas ociosas Tecem o vento. Não tenho fantasmas, Um velho numa casa onde sibila a ventania Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas Tradução Ivan Junqueira 1 Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880 Gerontion é um poema feito por T. S. Eliot que foi primeiramente publicado em 1920. O especialista de obras de Eliot, Grover Smith, disse sobre o poema: “Se alguma noção continuou disto nos poemas de 1917, Eliot estava sentimentalmente contrastando um passado resplendor com um presente triste, Gerontion veio para dissipar isto.” Outros poetas e artistas anglófonos utilizam trechos do poema para citar em suas obras. São formas de comunicação que Eliot estabelece com seu público para que este entenda que há algo maior em jogo. E o que é que está em jogo? Nada menos que todo o problema da tradição, considerada já em inícios do século XX como um cadáver que precisava ser eliminado da cultura ocidental e substituído por uma nova maneira de olhar o mundo – o modernismo revolucionário que viria a transformar a estrutura da realidade em um pesadelo. De suas janelas ventosas Gerontion olha para uma colina estéril: mais uma vez o olho sobe para descer em um abismo, revertendo o movimento de Dante e os santos cristãos que seguiram a “Descida de Santo Agostinho para que possa subir”. A mente de Gerontion vaga para trás, no entanto, não para cima – já em 480 aC ea batalha de Thermopylae (que se traduz como “portões quentes”), em seguida, avançar através de uma série de guerras que Gerontion sente teria compensado ele se ele tivesse estado lá lutar. Ele pensa na história como um sistema de corredores engenhosamente planejados para confundir e finalmente corromper a raça humana. História é uma “ela” – como sua velha governanta, cutucando um dreno entupido; Também como Fräulein von Kulp (para culpa?) Que se voltou sedutoramente no corredor; Ou a mística Madame de Tornquist (um torniquete, ou parafuso para parar o sangue?). Como essas mulheres, a história não leva a nada senão a corrupção. Ela “dá muito tarde ou muito cedo”, como uma mulher frustrante, e ela deixa seu amante não só de má vontade, mas assustado. Os esforços heróicos para satisfazer as exigências obscuras da história levaram a nada além de crueldade e ódio. E nesta história “veio Cristo o tigre”. Gerontion pensa da vinda de Christ em duas maneiras, primeiramente como um infante inútil e então como um tigre caçado. Esta parte do poema costuma ser mal interpretada, porque ninguém observa que Eliot deixou intencionalmente a frase emprestada de Lancelot Andrewes com “a Palavra” sem capitalização. Assim, em “Gerontion” lemos apenas de “A palavra dentro de uma palavra, incapaz de falar uma palavra.” Eliot sabia o que ele era quando ele restaurou a capital em “A Song for Simeon” e “Ash-Wednesday” (1930): “A palavra dentro da palavra [bíblica], incapaz de falar uma palavra”. Como Gerontion reflete, a resposta ao clamor dos filisteus por um “sinal” foi decepcionante Uma criança sem palavras, que passou da escuridão do inverno e das faixas para uma mola “depravada”, quando se transformou em um tigre ravening – um animal sacrificial que na vida contemporânea é caçado e comido por transientes bloodless como os pensionistas Silvero, Hakagawa, Fräulein von Kulp, e Madame de Tornquist. “O tigre nasce no ano novo” faz “molas” uma syllepsis, ou trocadilho, significando tanto “surge como uma primavera rejuvenescedora” e “pounces como um animal assassino”. Em João 6: 52-58, Jesus diz que aqueles que levam seu corpo e sangue para se tornarem um com ele em comunhão viverão eternamente, enquanto aqueles que o rejeitam morrerão. Gerontion conclui que esta doutrina moribunda veio devorar aqueles que não devoram “o tigre”, como fazem os pensionistas de Gerontion. Para eles, a refeição ritual não é “comunhão”, mas um canibal “divisão”. “Depois de tal conhecimento”, de fato, “que perdão?” Eloise Knapp Hay – Da maneira negativa de TS Eliot . Harvard University Press, 1982

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Amparo Jimenez – Poesia – 22/04/24

Boa noite Ilusión Marina Amparo Jimenez¹ Tu lengua, pececillo inquieto en mi rostro. Tu boca, ostra que juega con mis labios. Tu piel, arena ardiente sobre mi cuerpo todo. Tu voz, canto de sirena que me llama y espera. Mi piel y mi alma responden pero tú, sirena mía, te esfumas con el sol al bajar la marea. ¹Amparo Jimenez Jornalista e poeta. * ? + Valledupar, Colombia – 11 de agosto de 1998. Assassinada quando investigava questões latifundiárias para a televisão para a qual trabalhava. 

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Jorge Luis Borges – Poesia – 21/04/24

Boa noite. Aqui. Hoje Jorge Luis Borges ¹ Já somos o esquecimento que seremos. A poeira elementar que nos ignora e que foi o ruivo Adão e que é agora todos os homens e que não veremos. Já somos na tumba as duas datas do princípio e do término, o esquife, a obscena corrupção e a mortalha, os ritos da morte e as elegias. Não sou o insensato que se aferra ao mágico sonido de teu nome: penso com esperança naquele homem que não saberá que fui sobre a Terra. Embaixo do indiferente azul do céu esta meditação é um consolo. (Tradução: Charles Kiefer) ¹ Jorge Luis Borges * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 d.C + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986 d.C

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Amadeu Thiago de Mello – Poesia – 20/04/24

Boa noite A terceira asa Thiago de Mello¹ Trago uma esperança nova. Tão nova como a primeira luz que marca o amanhecer da vida de cada homem. Trago a sabedoria das cores que dançam no ar, mas que se reúnem, cada qual no seu lugar, quando é preciso fazer um arco-íris. Trago a lição interminável que dois amantes ensinam quando se abraçam cantando para a invenção do milagre. Trago o milagre da vida que lateja neste instante no coração de uma criança que acaba de nascer. Chego no rastro de um pássaro que atravessa a luz atlântica com sua terceira asa feita de canto e poesia, que no tempo inventa o rumo estrelado da utopia. ¹ Amadeu Thiago de Mello * Barreirinha, AM – 30 Maio 1926

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Brecht – Poesia – 19/04/24

Boa noite Também o céu Brecht¹ Também o céu às vezes desmorona E as estrelas caem sobre a terra Esmagando-a com todos nós. Isto pode ser amanhã. ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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Miguel Torga – Poesia – 18/04/24

Boa noite. Recomeça Miguel Torga¹ Se puderes Sem angústia E sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade.   E, nunca saciado, Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar e vendo O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças…   ¹Adolfo Correia da Rocha *Sabrosa, Portugal – de agosto de 1907 +Coimbra, Portugal – 17 de janeiro de 1995

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.S. Eliot – Poesia – 16/04/224

Boa noite Quarta-Feira de Cinzas II T.S. Eliot¹ II Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro Ao frescor do dia repousavam, saciados De meus braços meu coração meu fígado e do que havia Na esfera oca do meu crânio. E disse Deus: Viverão tais ossos? Tais ossos Viverão? E o que pulsara outrora Nos ossos (secos agora) disse num cicio: ~raças à bondade desta Dama E à sua beleza, e porque ela A meditar venera a Virgem, É que em fulgor resplandecemos. E eu que estou aqui dissimulado Meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor Aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos. Isto é o que preserva Minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas Que os leopardos rejeitaram. A Dama retirou-se De branco vestida, orando, de branco vestida. Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento. A vida os excluiu. Como esquecido fui E preferi que o fosse, também quero esquecer Assim contrito, absorto em devoção. E disse Deus: Profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente O vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono Com o estribilho dos grilos, sussurrando: Senhora dos silêncios Serena e aflita Lacerada e indivisa Rosa da memória Rosa do oblívio Exânime e instigante Atormentada tranqüila A única Rosa em que Consiste agora o jardim Onde todo amor termina Extinto o tormento Do amor insatisfeito Da aflição maior ainda Do amor já satisfeito Fim da infinita jornada sem termo Conclusão de tudo O que não finda Fala sem palavra E palavra sem fala Louvemos a Mãe Pelo Jardim Onde todo amor termina. Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios, Alegramo-nos de estar aqui dispersos, Pois uns aos outros bem nenhum fazíamos, Sob uma árvore ao frescor do ar, com a bênção das areias, Esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidos Na quietude do deserto. Eis a terra Que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão Não importam. Eis a terra. Nossa herança ¹Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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Garcia Lorca – Poesia – 16/04/24

Boa noite. Se as minhas mãos pudessem desfolhar Garcia Lorca¹ Eu pronuncio teu nome nas noites escuras, quando vêm os astros beber na lua e dormem nas ramagens das frondes ocultas. E eu me sinto oco de paixão e de música. Louco relógio que canta mortas horas antigas. Eu pronuncio teu nome, nesta noite escura, e teu nome me soa mais distante que nunca. Mais distante que todas as estrelas e mais dolente que a mansa chuva. Amar-te-ei como então alguma vez? Que culpa tem meu coração? Se a névoa se esfuma, que outra paixão me espera? Será tranqüila e pura? Se meus dedos pudessem desfolhar a lua! ¹Federico García Lorca * Fuente Vaqueros, Espanha – 05 de Junho de 1898 d.C + Granada, Espanha – 19 de Agosto de 1936 d.C

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Paul Eluard – Poesia – 07/04/24

Boa noite. A Noite Paul Elouard¹ Acaricia o horizonte da noite, busca o coração de azeviche que a aurora recobre de carne. Ele te porá nos olhos pensamentos inocentes, chamas, asas e verduras que o sol ainda não inventou. Não é a noite que te falta, mas o seu poder. ¹Eugène-Émile-Paul Grindel * Saint-Denis, França – 1895 + Paris, França – 1952 O poeta adotou o “Éluard”, depois, que era o sobrenome de sua avó materna. Com 16 anos, acometido de tuberculose, foi internado no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde teve como colega o nosso Manuel Bandeira. Foi o primeiro encontro de Éluard com um grande artista brasileiro. Leia mais e o Poema Libertè, traduzido

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