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Brecht – Poesia – 05/10/23

Boa noite. Esse desemprego Brecht¹ Meus senhores é mesmo um problema Esse desemprego! Com satisfação acolhemos Toda oportunidade De discutir a questão. Quando queiram os senhores! A todo momento! Pois o desemprego é para o povo Um enfraquecimento. Para nós é inexplicável Tanto desemprego. Algo realmente lamentável Que só traz desassossego. Mas não se deve na verdade Dizer que é inexplicável Pois pode ser fatal Dificilmente nos pode trazer A confiança das massas Para nós imprescindível. É preciso que nos deixem valer Pois seria mais que temível Permitir ao caos vencer Num tempo tão pouco esclarecido! Algo assim não se pode conceber Com esse desemprego! Ou qual a sua opinião? Só nos pode convir Esta opinião: o problema Assim como veio, deve sumir. Mas a questão é: nosso desemprego Não será solucionado Enquanto os senhores não Ficarem desempregados! ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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Maria do Rosário – Poesia – 03/10/2023

Boa noite A Invenção das Clarabóias Maria do Rosário Pedreira¹ No princípio, aprenderam a ter medo e protegerem-se. Construíram casas de pedra e lama, pequenos refúgios onde não tardaram a sentir-se cada vez mais sós. Sonharam que, um dia, um feixe de luz haveria de afagá-los. E, fascinados pelo céu, desenharam óculos pelos telhados. Tiveram, desde logo, a companhia das estrelas. Hoje os deuses ainda passam os olhos pelas casas todas as noites, antes de adormecerem. in A Casa e o Cheiro dos Livros, 2007 ¹Maria do Rosário Pedreira *1959, Lisboa, Portugal

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Shakespeare – Poesia – 01/10/23

Boa noite Soneto LXX William Shakespeare¹ Se te censuram, não é teu defeito, Porque a injúria os mais belos pretende; Da graça o ornamento é vão, suspeito, Corvo a sujar o céu que mais esplende. Enquanto fores bom, a injúria prova Que tens valor, que o tempo te venera, Pois o Verme na flor gozo renova, E em ti irrompe a mais pura primavera. Da infância os maus tempos pular soubeste, Vencendo o assalto ou do assalto distante; Mas não penses achar vantagem neste Fado, que a inveja alarga, é incessante. Se a ti nada demanda de suspeita, És reino a que o coração se sujeita. ¹ William Shakespeare * Stratford-Avon, Inglaterra – 23 de Abril de 1564 + Londres, Inglaterra – 23 de Abril de 1616

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Manuel Bandeira – Poesia – 30/09/23

Boa noite Poemeto erótico Manuel Bandeira¹ Teu corpo claro e perfeito, – Teu corpo de maravilha, Quero possuí-lo no leito Estreito da redondilha   Teu corpo é tudo que cheira… Rosa… flor de laranjeira…   Teu corpo, branco e macio, É como um véu de noivado…   Teu corpo é pomo doirado…   Rosal queimado de estio, Desfalecido em perfume..   ¹Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho *Recife, Pe. – 19 de abril de 1886 +Rio de Janeiro, Rj. – 13 de outubro de 1968

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Emily Dickinson – Poesia – 29/09/23

Boa noite Poema Emily Dickinson ¹ Sépala, pétala, espinho. Na vulgar manhã de Verão – Brilho de orvalho – uma abelha ou duas – Brisa saltando nas árvores – – E sou uma rosa! Ter medo? De quem terei? Não da Morte – quem é ela? O Porteiro de meu Pai Igualmente me atropela. Da Vida? Seria cômico Temer coisa que me inclui Em uma ou mais existências – Conforme Deus estatui. De ressuscitar? O Oriente Tem medo do Madrugar com sua fronte sutil? Mais me valera abdicar! A uma luz evanescente Vemos mais agudamente Que à da candeia que fica. Algo há na fuga silente Que aclara a vista da gente E aos raios afia. Experiência para mim É cada qual que eu encontro. Será que contém um fruto? A Imagem de uma Noz Aparece numa Árvore, Igualmente plausível; Mas Miolo é requisito Para esquilos e p’ra Mim. O Fado mata-o, mas ele não caiu – Dos dois – o Fado tombou. E nas mais terríveis varas empalado – A tudo neutralizou. Morde-O e sapa-lhe o mais firme Avanço Mas, quando o Pior passou, E Ele, impassível, o fitou nos olhos, Por Homem o aceitou. ¹ Emily Dickinson * Boston, Usa – 10 de Dezembro de 1830 + Boston, Usa – 15 de Maio de 1886

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José Saramago – Poesia – 28/09/23

Boa noite No silêncio dos olhos José Saramago ¹ Em que língua se diz, em que nação, em que outra humanidade se aprendeu a palavra que ordene a confusão que neste remoinho se teceu? Que murmúrio de ventos, que dourados cantos de ave pousada em altos ramos dirão, em som, as coisas que, calados, no silêncio dos olhos confessamos? ¹ José de Sousa Saramago * Azinhaga, Portugal – 16 de Novembro de 1822 + Ilhas Canárias, Espanha – 19 de junho de 2010

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Gerardo Mello Mourão – Poesia – 26/09/23

Boa noite Sibila (Último oráculo) Gerardo Mello Mourão ¹ Perdido nas veredas das palavras tapa os ouvidos – canto sibilino não escuta: olha apenas estes olhos apaga teus sentidos – só nos olhos acharás o caminho; sem meus olhos, somente os meus – redondos neste rosto – morrerás entre ínvios labirintos. Sibila sou – Sibila, a Sâmia, a Délfica* poetas e pontífices me seguem olha meus olhos – não te perderás olha meus olhos e estarás perdido perdido neles morrerá de amor e os que morrem de amor não morrem nunca olha meus olhos – me verás inteira em teus olhos de morto estarei viva e minha vida espantará da tua a morte para sempre – e para sempre em tua vida há de viver a minha. ¹ Gerardo Melo Mourão * Ipueiras, CE – 8 de Janeiro de 1917 + Rio de Janeiro, RJ – 9 de Março de 2007 Gerardo é um dos mais conhecidos e respeitados autores brasileiros no exterior, havendo sido indicado ao Prêmio Nobel em 1979 e sido admirado por poetas da envergadura de um Octavio Paz, um Pablo Neruda, um Efrain Tomás Bó, um Michel Deguy e mesmo de um Ezra Pound, para quem o “poeta do País dos Mourões” teria escrito, no seu “poema espantoso”, tudo o que ele, o “Pã de Idaho”, teria tentado, debalde, escrever: a “epopéia da América”. A vasta e variada obra de Gerardo Mello Mourão integra uma das mais elevadas contribuições para a literatura contemporâ-nea e consegue alcançar dimensões universais, como é de se esperar de toda alta escritura. Escreveu, com brilhantismo e erudição, em verso e em prosa (romances, contos, ensaios e biografias). Entre seus livros, destacam-se o romance O Valete de Espadas (1960), o livro de ensaios A Invenção do Saber (1983), a epopéia Invenção do Mar (1997) e a trilogia poética Os Peãs, composta pelos livros O País dos Mourões (1964), Peripécias de Gerardo (1972) e Rastro de Apolo (1977). O Valete de Espadas, traduzido para vários idiomas, é um ro-mance que está na pauta do surrealismo, mas em quase nada se assemelha ao realismo mágico latino. Sua profundidade, seus abismos indecifráveis, aproximam Gerardo de autores centro-europeus, como Herman Hesse, de O Lobo da Estepe. O personagem principal, Gonçalo Falcão de Val-de-Cães, é um ser perplexo diante da irresidência do ser no mundo. Um dia, ao sair do hotel em que estava hospedado, percebe que está em uma cidade completamente desconhecida; no dia seguinte, acorda em um navio cujo rumo também desconhece. A epígrafe bíblica, logo no início do livro, adequa-se perfeitamente ao estado de coisas e às tensões da personagem: “Não conheço sequer o caminho”. A Invenção do Saber, reunião de ensaios, é um convite ao pensamento. É também um libelo contra a idolatria tecnológica da atualidade e o seu culto da especialização – “o especialista é o individuo que sabe cada vez mais sobre cada vez menos”. E apresenta como contraposição uma cultura humanística, que, no momento, encontra-se desprestigiada, mesmo por aqueles a quem caberia defendê-la. Inclui, além de 30 artigos originariamente publicados na imprensa, palestras apresentadas em uni¬versidades brasileiras e estrangeiras, que abordam temas como a palavra, o poder e o saber. A epopéia Invenção do Mar, Prêmio Jabuti de 1998, é considerada pelo crítico Wilson Martins como Os Lusíadas brasileiro, que o chama mesmo de “Os Brasíliadas”, em artigo publicado no jornal Gazeta de Curitiba

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David Budbill – Poesia – 24/09/23

Boa noite Os três objetivos David Budbill¹ O primeiro objetivo é ver a coisa em si, nela e por ela,vê-la simples e claramente pelo que ela é. Nenhum simbolismo, por favor. O segundo objetivo é ver cada coisa em particular como una, uma só, entre todas as outras dez mil coisas. Deste ponto de vista, algum vinho ajuda imenso. O terceiro objetivo é vincular o primeiro e o segundo objetivos, ver o universal e o particular em simultâneo. Quanto a este, chama-me quando o alcançares. ¹ David Wolf Budbill * Cleveland, Ohio – 1940

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