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Christopher Marlowe – Poesia – 09/11/23

Boa noite Quem que sempre amou não amou à primeira vista? Christopher Marlowe¹ Em nosso poder não está amar ou odiar, Pois o fado invalida o nosso desejar. Quando dois se despem, um longo curso começa, Almejamos que um amar deva, o outro vença. E sentimos especial feição por um Dos dois lingotes d’ouro, como a cada um: Por razão que ninguém sabe, suficiente O que a nossos olhos censurado se encontre. Quando se deliberam, o amor de pesos dista: Quem que sempre amou não amou à primeira vista? Tradução de Adriano Nunes ¹Christopher Marlowe *Cantuária, Inglaterra – ? +Londres, Inglaterra – 30 de Maio de 1593

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Claes Andersson – Poesia – 08/11/22

Boa noite. Não se preocupam com os meios Claes Andersson ¹ Tem cuidado com aquele que diz representar a voz de muitos. Talvez seja verdade. Tem cuidado com aquele que diz que fala apenas em seu nome. Talvez seja verdade. Tem cuidado com aquele que se limita a consentir com a cabeça. Amanhã o consentimento pode afetar-te a ti. Tem cuidado com aqueles que só querem viver a sua vida em paz. Não se preocupam com os meios. ¹ Claes Andersson * Helsínquia, Finlândia – 30 de maio de 1937

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Georg Trakl – Poesia – 07/11/23

Boa noite Grodek Georg Trakl¹ Ao entardecer as armas da morte Ressoam nas florestas outonais, as planícies douradas E os lagos azuis, por cima, o sol rola, sombrio; A noite abraça os guerreiros moribundos, O lamento selvagem de suas bocas quebradas. Mas o sossego concentra nuvens vermelhas Entre os salgueiros, onde mora um deus feroz, O sangue derramado, a frescura lunar; Todos os caminhos acabam em podridão. Sob as ramagens douradas da noite e das estrelas A sombra da irmã cambaleia através Do silencioso arvoredo para saudar os espíritos dos heróis, As cabeças ensanguentadas; E, silenciosas, as escuras flautas do outono ressoam no juncal. Ó orgulhosa tristeza! E vós altares de bronze, A chama quente do espírito alimenta hoje uma grande Dor – os netos não nascidos. Georg Trakl * Salzburgo, Áustria, 3 de Fevereiro de 1887 + Cracóvia, Polônia – 3 de novembro de 1914

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Pedro Kilkerry – Poesia – 06/11/23

Boa noite É o silêncio Pedro Kerry¹ É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa. Olha-me a estante em cada livro que olha. E a luz nalgum volume sobre a mesa… Mas o sangue da luz em cada folha. Não sei se é mesmo a minha mão que molha A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa. Penso um presente, num passado. E enfolha A natureza tua natureza. Mas é um bulir das cousas… Comovido Pego da pena, iludo-me que traço A ilusão de um sentido e outro sentido. Tão longe vai! Tão longe se aveluda esse teu passo, Asa que o ouvido anima… E a câmara muda. E a sala muda, muda… Àfonamente rufa. A asa da rima Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda Novo, um fantasma ao som que se aproxima. Cresce-me a estante como quem sacuda Um pesadelo de papéis acima… E abro a janela. Ainda a lua esfia últimas notas trêmulas… O dia Tarde florescerá pela montanha. E ó minha amada, o sentimento é cego… Vês? Colaboram na saudade a aranha, Patas de um gato e as asas de um morcego. ¹Pedro Militão Kilkerry * St. Antônio de Jesus, BA – 1885 d.C + Salvador, BA – 1917 d.C Filho de irlandês e baiana, Pedro Militão Kilkerry formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia. Pobre e boêmio, morreu tuberculoso, em Salvador, sem ter qualquer livro publicado. Esquecida em meio à multidão de poetas simbolistas recolhidos por Andrade Muricy, no seu gigantesco Panaroma do Movimento Simbolista Brasileiro, a obra de Kilkerry foi recuperada e publicada pelo poeta Augusto de Campos no volume ReVisão de Kilkerry (1970). Graças ao trabalho de garimpagem poética de Campos, a poesia sintética e repleta de imagens fortes e desconcertantes de Kilkerry vem sendo percebida como uma das grandes forças do simbolismo brasileiro. Nota do editor Observe-se a semelhança dos versos deste poema com os versos de música Asa Partida, de autoria de Fagner/Abel Silva. A letra da música na íntegra…

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Nuno Júdice – Poesia – 04/11/23

Boa noite Pequeno-almoço na cama Nuno Júdice¹ Tiro a alma do seu estojo de nuvem, ponho-a no tabuleiro celeste, e levo-a à cama, onde me esperas, para um pequeno-almoço divino.   Com os teus dedos de ninfa, destapas o lençol de relva, e deitas-me ao teu lado, na terra quente do quarto.   Dividimos a alma, um pedaço para cada um, e bebemos o leite de nuvem, ouvindo um bater de asas invisíveis.   Depois, arrumamos o tabuleiro voltamos a pôr a relva no sítio, e esperamos que a alma nos encha, ouvindo cair as aves.   ¹Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória *Mexilhoeira Grande, Portugal – 29 de abril de 1949

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Nirton Venâncio – Poesia – 03/11/23

Boa noite De clara ação Nirton Venâncio¹ Declaro para os devidos fins que sou poeta. Não declamo versos: reclamo em versos. E se me falta a lua sobre os olhos e os homens traçam planos para o crepúsculo, o movimento de minhas mãos é muito mais do que um aceno: é o trabalho na estampa do dia para resgatar o luar e a eternidade do alvorecer. ¹Nirton Venâncio * Crateús, CE – 1955

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Elizabeth Bishop – Poesia – 02/11/23

Boa noite O banho de xampu Elizabeth Bishop ¹ Os liquens – silenciosas explosões nas pedras – crescem e engordam, concêntricas, cinzentas concussões. Têm um encontro marcado com os halos ao redor da lua, embora até o momento nada tenha mudado. E como o céu há de nos dar guardia enquanto isso não se der, você há de convir, amiga, que se precipitou; e eis no que dá. Porque o Tempo é, mais que tudo, contemporizador. No teu cabelo negro brilham estrelas cadentes, arredias. Para onde irão elas tão cedo, resolutas? – Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia amassada e brilhante como a lua. Tradução de Paulo Henriques Britto ¹ Elizabeth Bishop * Massachusetts, Usa – 8 de Fevereiro de 1911 d.C + Massachusetts, Usa – 6 de Outubro de 1979 d.C

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Duša Simić – Poesia – 31/10/23

Boa noite. As Vidas dos Alquimistas Dušan Simić ¹ O maior trabalho sempre foi o de apagar-se, Ressurgir como algo inteiramente distinto; O travesseiro de uma jovem apaixonada, Uma bola de sujeira fingindo ser uma aranha. Pretos tédios de noites chuvosas do campo A folhear os escritos de adeptos ilustres Oferecendo conselhos sobre como continuar a transmutação De um figimento do tempo na eternidade. O verdadeiro mestre, um dos do conselho, Requer cem anos para aperfeiçoar sua arte. Nesse ínterim, o segredinhos arcanos da frigideira, O cheiro de azeite de oliva e alho soprando De cômodo a cômodo vazio, a gata preta Se esfregando na sua perna descoberta Enquanto você hesita em ir até a luz distante E o tilintar de copos na cozinha. ¹Dušan Simić, ou Charles Simic *Iugoslávia, – 1938 d.C

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Manoel de Barros – Poesia – 30/10/23

Boa noite O menino que carregava água na peneira Manoel de Barros ¹ Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água O mesmo que criar peixes no bolso. O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos. ¹ Manoel Wenceslau Leite de Barros * Cuiabá, MT. – 19 de Dezembro de 1916 d.C + Campo Grande, Mato Grosso do Sul – 13 de novembro de 2014 d.C

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Brecht – Poesia – 28/10/23

Boa noite Quem se defende Brecht ¹ Quem se defende porque lhe tiram o ar Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas O mesmo parágrafo silencia Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão. E, no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente. Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre Não lhe é permitido se defender. ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1956

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