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Anna Akhmatova – Poesia – 23/11/23

Boa noite Os mistérios do ofício Anna Akhmatova ¹ Não me interessam as hostes das odes Nem o encanto das fantasias elegíacas. Quanto a mim, nos versos tudo deve ser a despropósito, Não ao modo das outras pessoas. Se soubésseis de que porcarias Crescem os versos sem terem vergonha, Qual pampilho amarelo nas cercas, Qual a bardana ou celga-brava. Grito irritado, cheiro de pez fresco, Misterioso bolor na parede… E já soa o verso, fogoso, terno, Para vossa alegria e minha. ¹ Anna Akhmatova * Leningrado, Rússia – 23 de Junho de 1889 d.C + Leningrado, Rússia – 1966 d.C

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Ledo Ivo – Poesia – 22/11/23

Boa noite Soneto Puro Lêdo Ivo¹ Fique o amor onde está; seu movimento nas equações marítimas se inspira para que, feito o mar, não se retire das verdes áreas de seu vão lamento. Seja o amor como a vaga ao vago intento de ser colhida em mãos; nela se mire e, fiel ao seu fulcro, não admire as enganosas rotações do vento. Como o centro de tudo, não se afaste da razão de si mesmo, e se contente em luzir para o lume que o ensolara. Seja o amor como o tempo — não se gaste e, se gasto, renasça, noite clara que acolhe a treva, e é clara novamente ¹Lêdo Ivo * Maceió, AL – 18 de Fevereiro de 1924 + Sevilha, Espanha – 23 de dezembro de 2012

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Pablo Neruda – Poesia – 20/11/23

Boa noite Soneto * Pablo Neruda¹ Saberás que não te amo e que te amo posto que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem uma metade de frio. Eu te amo para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda. Te amo e não te amo como se tivesse em minhas mãos as chaves da fortuna e um incerto destino desafortunado. Meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo. *in cem sonetos de amor e uma canção desesperada ¹Neftalí Ricardo Reyes * Parral, Chile – 12 de Julho de 1904 d.C + Santiago, Chile – 23 de Setembro de 1973 d.C

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Pushkin – Poesia – 18/11/23

Boa noite Os olhos dela Pushkin¹ É terror do herói palaciano E bela – aqui posso afirmar -, E é lícito -e, em verso, de plano – Cada seu olho circassiano A estrela do sul comparar. Ela os emprega, se tem azo; Arde nos dois vivo clarão. Mas disto, confessa, faz caso De minha Olènina o olhar? Não. E há neles pensativo duende, E muita infantil expansão, E muito que ao langor atende, E volúpia e imaginação. Se a sorrir qual Lel, ela os desce, Triunfam as graças do pudor; Se os alça, eis anjo que se esquece A contemplar (Sanzio…) o Criador ¹ Aleksandr Sergeevich Pushkin Poeta e novelista Russo * Moscou, Rússia – 1799 d.C + Moscou, Rússia – 1873 d.C

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Robert Creeley – Poesia – 16/23/23

Boa noite A Conspiração Robert Creeley¹ Envie-me seus poemas, enviarei os meus. As coisas tendem a despertar até entre uma mensagem, a esmo Deixe-nos subitamente proclamar a primavera. E rir dos outros. Todos os outros. Também mandarei um retrato meu Se você me enviar o seu ¹Robert Creeley * Massachusetts, Usa – 21 de Maio 1926 d.C + Carolina do Norte, Usa – 30 de Março de 2005 d.C A poética da respiração concisa. Um dos mais importantes poetas norte-americanos, Robert Creeley privilegia em sua poesia a percepção refinada das coisas e dos ritmos da fala, que reinventam o cotidiano.

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Hannah Arendt – Poesia – 15/11/23

Boa noite Cansaço Hannah Arendt¹ Tarde caindo — Um suave lamento soa nos pios dos pássaros que convoquei. Muros cinzentos desmoronam. Minhas próprias mãos encontram-se novamente. O que amei não posso manter. O que me cerca não posso deixar. Tudo declina enquanto cresce a escuridão. Não me domina — deve ser o curso da vida. ¹Johanna Arendt * Hanôver, Alemanha, 14 de outubro de 1906 d.C + Nova Iorque, Estados Unidos, 4 de dezembro de 1975 d.C

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Paul Valéry – Poesia – 14/11/23

Boa noite O SILFO Paul Valéry¹ Entrevisto e esquivo, eu sou esse aroma finado mas vivo que no vento assoma! Entrevisto e incerto, acaso ou talento? Mal se chega perto, concluiu-se o intento! Entrelido e oculto? Que erros, ao arguto, foram prometidos! Entrevisto e alheio lapso nu de um seio entre dois vestidos! ¹Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry * Paris, França – 30 de Outubro de 1871 d.C. + Paris, França – 20 de Julho de 1945 d.C. Filósofo, escritor e poeta francês, da escola simbolista. Seus escritos incluem interesses em matemática, filosofia e música. Realizou os estudos secundários em Montpellier na França, e iniciou sua carreira em Direito em 1889. Publicou seus primeiros versos, fortemente influenciados pela estética da literatura simbolista dominante na época. Em 1894 se instalou em Paris, onde trabalhou como redator no Ministério de Guerra. Depois da Primeira Guerra Mundial se dedicou inteiramente a literatura e foi aceito pela Academia Francesa em 1925. Sua obra poética foi influenciada por Stéphane Mallarmé que conseqüentemente influenciou outro francês Jean-Paul Sartre.

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Fernando Pessoa – Poesia – 13/11/23

Boa noite Estou cansado da inteligência Álvaro de Campos/Fernando Pessoa¹ Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções. Uma grande reacção aparece. Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo Na casa antiga da quinta velha. Pára, meu coração! Sossega, minha esperança fictícia! Quem me dera nunca ter sido senão o menino que fui… Meu sono bom porque tinha simplesmente sono e não ideias que esquecer! Meu horizonte de quintal e praia! Meu fim antes do princípio! Estou cansado da inteligência. Se ao menos com ela se apercebesse qualquer coisa! Mas só percebo um cansaço no fundo, como baixam na taça Aquelas coisas que o vinho tem e amodorram o vinho. ¹ Fernando Antonio Nogueira Pessoa * Lisboa, Portugal – 13 de Junho de 1888 + Lisboa, Portugal – 30 de Novembro de 1935

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Juan Gelman – Poesia – 12/11/23

Boa noite Poema Juan Gelman¹ hoje chove muito, muito, dir-se-ia que estão a lavar o mundo. o meu vizinho do lado vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor uma carta à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher entra em casa pela janela e não pela porta por uma porta entra-se em muitos sítios no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher / nem na alma quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim como hoje / que chove muito e me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e quando / e como mas que pode a alma explicar por isso o meu vizinho tem tempestades na boca palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu / que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado ¹ Juan Gelman * Buenos Aires, Argentina – 5 de março de 1930 + Buenos Aires, Argentina – 14 de janeiro de 2014

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Vinicius de Moraes – Poesia – 10/11/23

Boa noite Ternura Vinicius de Moraes ¹ Eu te peço perdão por te amar de repente Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos Das horas que passei à sombra dos teus gestos Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos Das noites que vivi acalentado Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente E posso te dizer que o grande afeto que te deixo Não trai o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas Nem as misteriosas palavras dos véus da alma… É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias E só te pede que te repouses quieta, muito quieta E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar estático da aurora. ¹ Marcus Vinicius de Mello Moraes * Rio de Janeiro, RJ. – 19 de Outubro de 1913 + Rio de Janeiro, RJ. – 09 de Julho de 1980

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