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Ada Negri – Versos na tarde

Multidão Ada Negri¹ Uma folha tomba do plátano, um frêmito sacode o cimo do cipreste, És tu que me chamas. Olhos invisíveis sulcam a sombra, penetram-me como à parede os pregos, És tu que me fitas. Mãos invisíveis nos ombros me tocam, para as águas dormentes do lago me atraem, És tu que me queres. De sob as vértebras com pálidos toques ligeiros a loucura sai para o cérebro, És tu que me penetras. Não mais os pés pousam na terra, não mais pesa o corpo nos ares, transporta-o a vertigem obscura És tu que me atravessas, tu. ¹Ada Negri * Lodi, Milão, Itália – 3 de Fevereiro de 1870 + Milão, Itália – 11 de Janeiro de 1945

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De faxineira à advogada: um exemplo

‘Fico pensando em leis enquanto limpo privadas’: a advogada que virou faxineira em São Paulo Rosana da Silva exibe um pedido de emprego todos os dias na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo | Foto: Leandro Machado/BBC Brasil Todos os dias, a advogada Rosana da Silva, de 54 anos, senta-se em um banquinho de plástico em um cruzamento da zona sul de São Paulo e levanta uma placa de papelão com um anúncio: “Faxina. Sete horas. R$ 60.” Há quem pare e olhe, curioso. Há quem tire fotos e publique nas redes sociais ou anote o número dela para um serviço futuro. Mas a trajetória de Rosana é mais complexa do que o pedido público de emprego: ela era secretária, trabalhou para pagar a faculdade de Direito e formou-se advogada, mas entrou em uma derrocada que a levou às ruas e à faxina. “Quando conto minha história às pessoas que me contratam, a frase que mais ouço é ‘não acredito’”, diz ela, sentada na esquina. “Ou acham que sou doida, e não existe nada pior do que ser considerada doida”, acrescenta. Fracasso profissional Ela se formou em Direito em 1995 na Unifieo, uma universidade particular em Osasco, na Grande São Paulo. Pagou o curso com seu salário de secretária, com a “dureza de gente pobre”, nas palavras dela. Em seguida, conseguiu seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com a inscrição 139416, número que ela cita de cor dez anos depois de ter abandonado a carreira. Os primeiros passos como advogada foram em um pequeno escritório que montou com amigos da faculdade. Depois, conseguiu entrar em uma banca de colegas renomados da área de Direito bancário, no centro da cidade. Rosana conta que foi esse trabalho que fez girar a espiral que a levou ao fracasso profissional. “Nesse escritório, eu sofri assédio moral por parte dos dois donos. Me humilhavam: imagina você ser chamada de burra o tempo todo, de incompetente, de drogada. Foram três anos”, afirma. Ela diz que nunca usou entorpecentes. Rosana da Silva está há dez anos sem pagar a anuidade da OAB, o que a impede de retomar a carreira | Foto: Reprodução/OAB-SP Rosana prefere que os nomes dos dois advogados não sejam citados nesta reportagem. Diz que processou os antigos patrões e que fez representações contra eles na comissão de ética da OAB-SP, mas nunca conseguiu vencer os processos. Ela costuma carregar a papelada de algumas ações em sua mochila – tem medo de que eles desapareçam. Procurada pela reportagem, a OAB-SP afirmou que não comenta casos que correm em sigilo. Depois da publicação da reportagem, a instituição procurou a BBC Brasil informando que irá incluir Rosana em um programa de assistência financeira e médica a advogados que passam por dificuldades. ‘Todas as portas fechadas’ Rosana nasceu em Itanhaém, no litoral paulista, mas foi criada por parentes, longe dos pais. Sempre viveu praticamente sozinha e só retomou contato com um dos irmãos depois que ele viu uma foto sua na internet, há pouco mais de um ano. Ela nunca mais conseguiu um trabalho como advogada depois que saiu de seu último escritório. Hoje, acredita que foi perseguida pela OAB, onde seus patrões tinham influência, diz. Nada que Rosana fazia dava certo – tentou dar aulas, mas também foi demitida. “Em São Paulo, o mundo do Direito é muito pequeno. Você fica conhecida como a pessoa que processou os patrões, suas chances diminuem”, conta. Ela resolveu se mudar para Florianópolis, pois não encontrou emprego nem apoio em sua família adotiva. “Pensei: será que não estou tornando um problema pequeno em algo muito grande?”, conta a advogada, que chegou a passar em psicólogos para entender porque sua carreira não deslanchava. “Achei que, se eu saísse de São Paulo, talvez conseguisse me reerguer.” Mas ela não conseguiu. O dinheiro acabou, o aluguel acumulou e Rosana foi viver nas ruas, onde ficou por sete anos. Começou as faxinas para conseguir comer. “Não sobrou mais nada para mim porque a sociedade fechou todas as portas”, diz. ‘Morro de fome, mas pago o aluguel’ Rosana precisa fazer dez faxinas de R$ 60 para conseguir pagar o aluguel do quarto onde mora, na zona sul de São Paulo | Foto: Leandro Machado/BBC Brasil Viver nas ruas não é algo de que Rosana se orgulha – ela costuma dizer perdeu sua cidadania quando deixou de ter um endereço fixo. “Como conseguir um emprego se você diz que tem 54 anos e não mora em lugar nenhum? As empresas têm uma cartilha de desculpas para não te contratar.” Foi por isso que ela criou a placa com o anúncio. Com ela, elimina-se qualquer questionamento sobre seu histórico – Rosana torna-se apenas mais uma pessoa em busca de trabalho. Ela cobra R$ 60 por sete horas de limpeza – um preço baixo no centro expandido de São Paulo. O piso mensal dos trabalhadores domésticos na cidade é de R$ 1.140 por três dias de trabalho semanais, segundo o sindicato da categoria. Segundo os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao trimestre que compreende os meses de setembro, outubro e novembro de 2017, o índice de desemprego no Brasil está em 12% – o que equivale a 12,6 milhões de pessoas. Rosana precisa fazer ao menos dez faxinas por mês para conseguir pagar o aluguel de um quartinho com cama, fogão e geladeira. Tem meses que não consegue – seu irmão costuma ajudá-la. “Eu morro de fome, mas pago o aluguel. Não volto para a rua de jeito nenhum”, diz. Esse medo se justifica: ela conta já ter enfrentado episódios de assédio e tentativas de estupro – uma vez, por exemplo, um homem invadiu a barraca onde dormia com uma arma, conta. “Na rua, o homem te enxerga como propriedade”, afirma. “Ele diz: ‘como assim você está nessa situação e não quer nada comigo?’ Cara, porque ninguém entende quando uma mulher decide viver sozinha?” Outra dificuldade é escapar de uma rotina de violências e

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Inglaterra e o Ministério da Solidão

Por que os britânicos tiveram que criar um Ministério da Solidão DMITRY BERKUT VIA GETTY IMAGES Theresa May quer solucionar a “triste realidade moderna”. Os ingleses criaram um ministério para combater a solidão.  O Reino Unido acaba de criar um ministério para lidar com o que a primeira-ministra Theresa May categorizou como “a triste realidade moderna”. O Estado agora terá um ministério para combater a solidão.  No ano passado, uma comissão britânica descobriu que quase nove milhões de pessoas no país, muitas vezes, ou sempre, se sentem sozinhas – uma condição que pode ter sérias repercussões para a população.  Os médicos alertam que o isolamento social é uma epidemia crescente que pode ter consequências físicas, mentais e emocionais. A solidão também foi associada com o maior risco de doença cardíaca, diabetes e câncer, de acordo com pesquisadores.  Além de anunciar o nome de Tracey Crouch para o ministério, May também defendeu que o governo, em parceria com a população e as empresas, crie uma estratégia para impedir que as pessoas se sintam solitárias. O plano deve ser divulgado até o fim deste ano.  Crouch afirmou estar honrada com a nomeação. Para ela, será um desafio lidar com o “problema geracional”. “Tenho certeza de que, com o apoio de voluntários, ativistas, empresas e meus colegas deputados de todos os lados da Câmara, podemos fazer progressos significativos no combate à solidão”, disse. Afinal, como o governo pode ajudar a combater a solidão? O HuffPost UK listou algumas iniciativas que podem ajudar a população a lidar com esse problema 1. Acessibilidade De acordo com a organização Sense, pessoas com alguma deficiência lutam para fazer amizades e construir relações. Isso porque muitos lugares ainda não têm acessibilidade ou sequer são pensados para que pessoas com deficiência possam frequentar. Mais da metade (53%) dos ingleses com alguma deficiência experimentam a solidão. Esse índice sobe para três quartos (77%) quando se trata de jovens. “Muitas das barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam para fazer amigos e conhecer pessoas são coisas práticas, como a necessidade de transporte e edifícios acessíveis, apoio financeiro e assistência social adequada”, disse o vice-presidente da Sense, Richard Kramer, ao HuffPost UK. “Nós queremos que o governo forneça financiamento adequado para assistência social e que as autoridades locais ofereçam serviços melhores e mais acessíveis. Isso inclui serviços específicos que abordam a solidão, bem como oportunidades sociais mais amplas que permitam que as pessoas saiam e se encontrem em sua comunidade.” 2. Transporte De acordo com a Campanha contra a Solidão, o governo deverá pensar em políticas públicas mais eficientes. Por exemplo, se uma rota de um ônibus deixa de existir, um idoso que mora naquela região ficará impossibilitado de se desolocar para acessar à cidade. Além disso, a campanha pede que o governo incentive os negócios locais indispensáveis, sobreturo, para a socialização dos mais velhos. “Os idosos precisam saber que podem frequentar aquele café da esquina, por exemplo, e que ele não vai deixar de existir”, defende a porta-voz da campanha, Alice Stride, ao HuffPost UK. 3. Tecnologia A organização No Isolation quer reduzir o isolamento social involuntário através da tecnologia. As crianças que sofrem de doenças crônicas e se esforçam para se comunicar estão entre as que a empresa ajuda. “O governo já está fazendo um ótimo trabalho ao relacionar problemas de saúde mental e saúde física com a solidão. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer em termos de comunicação dos dados. Todos nós precisamos trabalhar colaborativamente nesse enorme problema. Convidamos o governo a trabalhar com startups que são apaixonados e criativos no combate à solidão”, afirmou a fundadora da No Isolation, Karen Dolva. 4. Comunidade Um relatório em 2017 descobriu que mais de 90% das mães se sentem solitárias após o parto. A maioria (80%) das mães quer mais amigos, no entanto, 30% nunca começaram uma conversa com outra mãe que pudesse desencadear uma nova amizade. Mais de 10% de mães, ainda, disseram sofrer com a depressão pós-parto. Channel Mum é uma comunidade on-line e grupo de apoio para novas mães. “As mães são um dos grupos mais solitários, já que a sociedade perdeu o sentimento de comunidade”, defende o fundador, Siobhan Freegard. “Para enfrentar a solidão, precisamos enfrentar o custo proibitivo da habitação, garantir que as mães possam ter um trabalho flexível para se encaixar em suas famílias, usar as mídias sociais de forma positiva e proporcionar um melhor suporte para problemas de saúde mental causados ​​pela solidão e também enfrentar o tabu que torna tão difícil para muitas mães admitir que são solitárias.” Ana Betariz Rose/HuffPost

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Brasil – Desmatamento

Das araucárias à Amazônia: os insaciáveis desmatadores sulistas Toras de madeira de lei – Floresta Atlântica – SC. Foto: Zig Koch. Diz-se que a tradição, os legados e a cultura devem ser preservados. Que as novas gerações devem aprender com nossa história. Bem. Da mesma forma que nem todo o progresso é positivo, as tradições nem sempre o são. Vejam por exemplo, a Cosa Nostra, ou máfia italiana, cujo surgimento remonta ao século XIX. Mesmo depois de 200 anos, a Itália segue lutando contra essa “tradicional” organização criminosa. No Brasil, terra de vínculos históricos com a impunidade e a corrupção, não podia ser diferente. Aqui, onde reina a cultura agroextrativista, o corte da madeira nativa, embora não seja totalmente clandestino ou criminoso, atua na sua maior parte irregularmente. Enquanto a atividade madeireira ilegal movimenta 100 bilhões de dólares (!) por ano no mundo, investigações no setor comprovaram que 80% da exploração de madeira na Amazônia é ilegal. É triste, mas temos longa tradição na matéria. Um dos maiores crimes socioambientais do planeta – infelizmente ainda não reconhecido como tal – teve seu palco na então imensa Floresta com Araucárias que podia ser observada, principalmente, nos estados do sul do Brasil. Uma área equivalente a “cinco Suíças” foi devastada apenas no século passado. Tamanha a ganância e violência da destruição acabou por produzir, inclusive, uma guerra. A chamada “Guerra do Contestado”, (travada no Paraná e Santa Catarina) ceifou a vida de pelo menos 20 mil pessoas. Hoje, resta menos de 1% desta floresta em bom estado de conservação, ainda ameaçada por crimes de toda espécie e pela terrível erosão genética. Agora, em pleno século XXI, a única mudança parece ter sido no local de atuação dos desmatadores sulistas. Em outubro passado, a Polícia Federal deflagrou uma operação denominada “Anhangá Arara”, visando estancar o roubo de madeira na Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará. A ilegalidade era chefiada por um conjunto de “empresas familiares“ do Sul que exportavam essa madeira para diversos países europeus, EUA e Ásia. Ou seja: um esquema sofisticado e internacional, tal qual o de outra empresa familiar famosa chamada Odebrecht. O processo criminoso que ocorreu no Pará foi estruturado por “capos” da máfia da madeira do Paraná e Santa Catarina. E por mais absurdo que possa parecer, a saída da madeira roubada no Pará ocorreu também nos portos de Paranaguá e de Itajaí, no sul do país, há três mil quilômetros de distância. “Os crimes ambientais e a corrupção andam juntos há séculos. Combatê-los é tarefa complexa. Para mudar esse panorama no curto prazo, precisamos de uma verdadeira operação Lava-Jato na área ambiental”. As investigações acusam a empresa Silva e Suski de receber a madeira extraída e esquentar o produto com documentação ilegal, com o uso da empresa intermediária Nelson da Silva Indústria. Ela seguia, ainda, por outra etapa, já devidamente “legalizada”, para a empresa Tropicalmad, responsável pela exportação. O líder do esquema, segundo a Polícia Federal, é o paranaense Nelson da Silva, de União da Vitória. Os investigadores, que merecem nossos aplausos e reconhecimento, constataram fraudes no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais do Estado do Pará (Sisflora-PA), expediram 27 mandados de prisão, medidas de condução coercitiva e sequestro de bens. A estimativa do dano causado pelos crimes cometidos ultrapassa a cifra dos R$ 897 milhões.A prática desses ilícitos estava baseada na fraude dos créditos florestais, através de falsos processos abertos no Sisflora (Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais), aliado a Planos de Manejo de fachada. Um elaborado sistema de transferência da madeira entre as empresas do grupo culminava com a sua exportação “legalizada”. Organizações criminosas atuam há anos na fraude e licenciamento de planos de manejo para quem rouba ou corta ilegalmente a madeira. Infelizmente, não se trata de um problema apenas da Amazônia, mas sim, de todo o território nacional. Ou seja: ou o Ministério Público Federal e Polícia Federal entram pra valer no jogo, ou estará tudo perdido. Além disso, são notórios o sucateamento e as pressões políticas sobre os órgãos ambientais. Some-se a isso a manipulação da legislação objetivando enfraquecer ainda mais a capacidade de controle das instituições.  A “municipalização” das ações de licenciamento e fiscalização são evidências incontestáveis desse desmonte orquestrado. Os crimes ambientais e a corrupção andam juntos há séculos. Combatê-los é tarefa complexa. Para mudar esse panorama no curto prazo, precisamos de uma verdadeira operação Lava-Jato na área ambiental. No médio e longo prazos, precisamos de um novo modelo educacional e órgãos ambientais livres de pressões políticas. Esse conjunto de ações pode nos poupar de repetirmos com a Amazônia aquilo que se fez no sul do Brasil. Como vimos, há inúmeras provas de que a impunidade secular e a tradição extrativista sulista – que arrasou 99% da floresta com Araucárias e Campos Naturais –  se disseminou pelo país. Assustadoramente, os fantasmas da Guerra do Contestado parecem perambular pelo arco do desmatamento da Amazônia. Como num pesadelo, eles nos dão uma pista sobre o futuro da região e sussurram: “mirem-se nos pinheirais”. Por Giem Guimarães

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