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Miguel Torga – Poesia – 19/07/24

Boa noite Poema Miguel Torga ¹ A jovem deusa passa Com véus discretos sobre a virgindade; Olha e não olha, como a mocidade; E um jovem deus pressente aquela graça.   Depois, a vide do desejo enlaça Numa só volta a dupla divindade; E os jovens deuses abrem-se à verdade, Sedentos de beber na mesma taça.   É um vinho amargo que lhes cresta a boca; Um condão vago que os desperta e toca De humana e dolorosa consciência.   E abraçam-se de novo, já sem asas. Homens apenas. Vivos como brasas, A queimar o que resta da inocência.   ¹ Adolfo Correia da Rocha * Saborosa, Portugal – 12 de agosto de 1907 + Coimbra, Portugal – 17 de janeiro de 1995

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Mia Couto – Poesia – 13/07/24

Boa noite Beijo Não quero o primeiro beijo: Basta-me O instante antes do beijo.   Quero-me Corpo ante abismo, Terra no rasgão do sismo.   O lábio ardendo Entre tremor e temor, O escurecer da luz No desaguar dos corpos: O amor Não tem depois.   Quero o vulcão Que na terra não toca: O beijo antes de ser boca.   ¹Antônio Emílio Leite Couto *Beira, Moçambique – 5 de Julho de 1955

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Sylvia Plath – Poesia – 01/07/24

Boa noite Canção de Amor da Jovem Louca Sylvia Plath¹ Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer (Acho que te criei no interior da minha mente) Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis, Entra a galope a arbitrária escuridão: Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro. Enfeitiçaste-me, em sonhos, para a cama, Cantaste-me para a loucura; beijaste-me para a insanidade. (Acho que te criei no interior de minha mente) Tomba Deus das alturas; abranda-se o fogo do inferno: Retiram-se os serafins e os homens de Satã: Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro. Imaginei que voltarias como prometeste Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome. (Acho que te criei no interior de minha mente) Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro: (Acho que te criei no interior de minha mente.) Tradução de Maria Luíza Nogueira ¹Sylvia Plath * Boston,Massachusetts – 27 de outubro de 1932 +Londres, Reino Unido – 11 de fevereiro de 1963

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Maria Teresa Horta – Poesia – 30/06/24

Boa noite. Enleio Maria Teresa Horta ¹ Não sei se volteio Se rodopio Se quebro Se tombo nesta queda em que passeio Não sei se a vertigem em que me afundo é este precipício em que me enleio Não sei se cair assim me quebra… Me esmago ou sobrevivo em busca deste anseio. ¹ Maria Teresa Mascarenhas Horta * Lisboa, Portugal – 20 de Maio de 1937

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Carlos Drummond de Andrade – Poesia – 23/06/24

Boa noite. O Chão é Cama para o Amor Urgente Carlos Drummond de Andrade, in ‘O Amor Natural’ O chão é cama para o amor urgente, amor que não espera ir para a cama. Sobre tapete ou duro piso, a gente compõe de corpo e corpo a úmida trama. E para repousar do amor, vamos à cama.

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T.S. Eliot – Poesia – 11/06/24

Boa noite. Retrato de uma dama-III T.S. Eliot¹ Cai a noite de Outubro; regressando como outrora, Excepto por uma leve sensação de estar inquieto, Galgo os degraus e giro a maçaneta da porta E sinto como se houvesse subido de quatro as escadas. “Com que então viajas? E quando voltas? Ora, que pergunta mais tola! Dificilmente o saberias. Hás de achar muito o que aprender lá fora.” Caiu-me lento o sorriso entre objetos antigos. “Poderás talvez escrever-me?” Por um segundo subiu-me o sangue à cabeça Como se assim eu calculasse este momento. “Tenho-me surpreendido com frequência ultimamente (Mas nossos princípios ignoram sempre nossos fins!) Por jamais nos havermos tornado amigos.” Senti-me como quem sorrisse, e ao voltar percebi, De repente, sua vítrea expressão. Perdi todo o controle; e em trevas na verdade mergulhamos. “Eu disse o mesmo para todos, todos os nossos amigos, Estavam todos certos de que nossos sentimentos Poderiam conjugar-se tão intimamente! Eu mesma dificilmente o entendo. Deixemos que isto fique agora à sua sorte. Escreverás, de quando em vez. E talvez nem demores tanto a fazê-lo. Estarei sentada aqui, servindo chá aos amigos.” E devo então trocar de forma a cada instante Para dar-lhe afinal uma expressão… dançar, dançar Como faria um urso bailarino, Tagarelar como um papagaio, rilhar os dentes como um bugio. Respiremos um pouco, no torpor de uma tragada. Bem! E se ela morresse numa tarde qualquer, Numa tarde enevoada e cinzenta, num encardido e róseo crepúsculo; Se ela morresse e me deixasse aqui sentado, a caneta entre os dedos. A névoa a cair sobre os telhados; Por um momento me perco em dúvidas, Já que não sei o que sentir ou se o entendo, Se sou um sábio ou simplesmente um tolo, cedo ou tarde… Não colheria ela algum lucro, afinal? Essa melodia culmina com uma “agonia de outono” E já que aqui falamos de agonia — Algum direito a sorrir eu teria? ¹Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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Cláudio Manuel da Costa – Poesia – 05/06/24

Boa noite Daliana Cláudio Manuel da Costa ¹ Formosa é Daliana; o seu cabelo, A testa, a sobrancelha é peregrina; Mas nada tem, que ver coa bela Eulina, Que é todo o meu amor, o meu desvê-lo: Parece escura a nove em paralelo Da sua branca face; onde a bonina As cores misturou na cor mais fina, Que faz sobressair seu rosto belo. Tanto os seus lindos olhos enamoram, Que arrebatados, como em doce encanto, Os que a chegam a ver, todos a adoram. Se alguém disser, que a engrandeço tanto Veia, para desculpa dos que choram Veja a Eulina; e então suspenda o pranto. ¹ Cláudio Manuel da Costa * Mariana, MG. – 05 de Junho de 1729 d.C + Ouro Preto, MG. – 04 de Julho de 1789 d.C

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Dylan Thomas – Poesia – 03/06/24

Boa noite Este lado da verdade Para Llewly Dylan Thomas ¹ Este lado da verdade, Meu filho, tu não podes ver, Rei de teus olhos azuis No país que cega a tua juventude, Que está todo por fazer, Sob os céus indiferentes Da culpa e da inocência Antes que tentes um único gesto Com a cabeça e o coração, Tudo estará reunido e disperso Nas trevas tortuosas Como o pó dos mortos. O bom e o mau, duas maneiras De caminhar em tua morte Entre as triturantes ondas do mar, Rei de teu coração nos dias cegos, Se dissipam com a respiração, Vão chorando através de ti e de mim tradução: Ivan Junqueira ¹ Dylan Marlais Thomas * Swansea, País de Gales – 27 de Outubro de 1914 d.C + Swansea, País de Gales – 30 Maio 1953 d.C

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Mario Benedetti – Poesia – 28/05/24

Boa noite. Ontem Mario Benedetti ¹ Ontem passou o passado lentamente com sua vacilação definitiva sabendo-te infeliz à deriva com tuas dúvidas estampadas na testa. Ontem passou o passado pela ponte e levou tua liberdade prisioneira trocando seu silêncio em carne viva por teus leves alarmes de inocente. Ontem passou o passado com sua história e sua desfiada incerteza Foi fazendo da dor um costume semeando de fracassos tua memória ¹ Mario Benedetti * Paso de los Toros, Uruguai – 14 de setembro de 1920 d.C + Montevidéu, Uruguai – 17 de maio de 2009 d.C

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