Na primeira encíclica papal dedicada ao meio ambiente, Francisco defende fim da “cultura do consumo descartável” e chama aquecimento global de um dos principais desafios da humanidade.
Papa critica a “cultura do consumo descartável”
Benhur Arcayan / Malacañang Photo Bureau
O papa Francisco apresentou nesta quinta-feira 18 a primeira encíclica dedicada ao meio ambiente, na qual exige dos líderes globais uma ação rápida para salvar o planeta da destruição e defende uma mudança no que chamou de “cultura do consumo descartável” dos países desenvolvidos.
Na encíclica Laudato si – Sobre o cuidado da casa comum, Francisco defende “ações decisivas, aqui e agora,” para interromper a degradação ambiental e o aquecimento global e apoia explicitamente os cientistas que afirmam que o planeta está se aquecendo principalmente por causa da ação humana.
Ele afirma que se baseia “nos resultados da melhor investigação científica disponível” e chama o aquecimento global de “um dos principais desafios que a humanidade enfrenta em nossos dias”, destacando que os países pobres são os mais afetados.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
“A humanidade é chamada a reconhecer a necessidade de mudanças de estilo de vida, produção e consumo, a fim de combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou agravam”, afirma.
Francisco defende que os países ricos devem sacrificar parte do seu crescimento e assim liberar recursos necessários aos países mais pobres. “Chegou a hora de aceitar crescer menos em algumas partes do mundo, disponibilizando recursos para outras partes poderem crescer de forma saudável”, escreveu o papa.
Ele apela às potências mundiais para salvarem o planeta, considerando que o consumismo ameaça destruir a Terra – transformada num “depósito de porcarias” – e denunciando o egoísmo econômico e social das nações mais ricas. “Hoje, tudo o que é frágil, como o ambiente, está indefeso em relação aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta.”
No texto, Francisco critica um sistema econômico que aposta na mecanização para reduzir custos de produção e faz com que “o ser humano se vire contra si próprio”, defendendo que o valor do trabalho tem que ser respeitado numa “ecologia integral”.
O papa estabelece uma relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta. “A convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do paradigma que deriva da tecnologia, a busca de outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a grave responsabilidade da política, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida são os eixos desta encíclica, inspirada na sensibilidade ecológica de Francisco de Assis”, lê-se no 16.º parágrafo do documento papal.
O papa também aborda diretamente alguns dos principais tópicos ambientais. Ele defende que o consumo de combustíveis fósseis seja banido o mais depressa possível em favor das energias renováveis. Essa mudança, porém, não será possível sem que os países mais ricos aceitem ajudar os mais pobres, escreve.
Francisco alerta para o perigo de dar o controle da água às multinacionais, manifestando-se contra a privatização do que chama de direito humano básico. “Enquanto se deteriora constantemente a qualidade da água disponível, em alguns lugares avança a tendência para privatizar este recurso escasso, convertido numa mercadoria que se regula pelas leis do mercado”, critica.
O líder da Igreja Católica refere-se ainda aos “pulmões do planeta”, repletos de biodiversidade, como a Amazônia, a bacia hidrográfica do Congo e outros grandes rios ou os glaciares, todos eles lugares importantes para “todo o planeta e para o futuro da humanidade”.
Francisco propõe ainda que se comece uma “discussão científica e social responsável e ampla” sobre o desenvolvimento e a utilização dos organismos geneticamente modificados para alimentação ou medicina.
“Embora não haja provas definitivas sobre eventuais malefícios dos cereais transgênicos para os seres humanos e estes tenham provocado um crescimento econômico que ajudou a resolver problemas, há dificuldades importantes” sobre o uso destes organismos que não podem ser esquecidas, alerta.
Segundo ele, o uso de transgênicos levou a que haja “concentração de terras produtivas nas mãos de poucos e o progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, tendo perdido as suas terras, tiveram que se retirar” da agricultura.
O papa também critica o uso excessivo das redes sociais. “A verdadeira sabedoria, produto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se consegue com uma mera acumulação de dados que acabam em saturação e embaçamento, numa espécie de poluição mental”, escreve.
O pronunciamento papal mais controverso em meio século já despertou a ira de setores conservadores, incluindo vários candidatos presidenciais republicanos dos Estados Unidos, que criticaram Francisco por se aprofundar em questões científicas e políticas. O apelo papal, porém, ganhou amplos elogios de cientistas, das Nações Unidas e de ativistas ambientais.
por Deutsche Welle