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Gerardo Mello Mourão – Poesia – 26/09/23

Boa noite Sibila (Último oráculo) Gerardo Mello Mourão ¹ Perdido nas veredas das palavras tapa os ouvidos – canto sibilino não escuta: olha apenas estes olhos apaga teus sentidos – só nos olhos acharás o caminho; sem meus olhos, somente os meus – redondos neste rosto – morrerás entre ínvios labirintos. Sibila sou – Sibila, a Sâmia, a Délfica* poetas e pontífices me seguem olha meus olhos – não te perderás olha meus olhos e estarás perdido perdido neles morrerá de amor e os que morrem de amor não morrem nunca olha meus olhos – me verás inteira em teus olhos de morto estarei viva e minha vida espantará da tua a morte para sempre – e para sempre em tua vida há de viver a minha. ¹ Gerardo Melo Mourão * Ipueiras, CE – 8 de Janeiro de 1917 + Rio de Janeiro, RJ – 9 de Março de 2007 Gerardo é um dos mais conhecidos e respeitados autores brasileiros no exterior, havendo sido indicado ao Prêmio Nobel em 1979 e sido admirado por poetas da envergadura de um Octavio Paz, um Pablo Neruda, um Efrain Tomás Bó, um Michel Deguy e mesmo de um Ezra Pound, para quem o “poeta do País dos Mourões” teria escrito, no seu “poema espantoso”, tudo o que ele, o “Pã de Idaho”, teria tentado, debalde, escrever: a “epopéia da América”. A vasta e variada obra de Gerardo Mello Mourão integra uma das mais elevadas contribuições para a literatura contemporâ-nea e consegue alcançar dimensões universais, como é de se esperar de toda alta escritura. Escreveu, com brilhantismo e erudição, em verso e em prosa (romances, contos, ensaios e biografias). Entre seus livros, destacam-se o romance O Valete de Espadas (1960), o livro de ensaios A Invenção do Saber (1983), a epopéia Invenção do Mar (1997) e a trilogia poética Os Peãs, composta pelos livros O País dos Mourões (1964), Peripécias de Gerardo (1972) e Rastro de Apolo (1977). O Valete de Espadas, traduzido para vários idiomas, é um ro-mance que está na pauta do surrealismo, mas em quase nada se assemelha ao realismo mágico latino. Sua profundidade, seus abismos indecifráveis, aproximam Gerardo de autores centro-europeus, como Herman Hesse, de O Lobo da Estepe. O personagem principal, Gonçalo Falcão de Val-de-Cães, é um ser perplexo diante da irresidência do ser no mundo. Um dia, ao sair do hotel em que estava hospedado, percebe que está em uma cidade completamente desconhecida; no dia seguinte, acorda em um navio cujo rumo também desconhece. A epígrafe bíblica, logo no início do livro, adequa-se perfeitamente ao estado de coisas e às tensões da personagem: “Não conheço sequer o caminho”. A Invenção do Saber, reunião de ensaios, é um convite ao pensamento. É também um libelo contra a idolatria tecnológica da atualidade e o seu culto da especialização – “o especialista é o individuo que sabe cada vez mais sobre cada vez menos”. E apresenta como contraposição uma cultura humanística, que, no momento, encontra-se desprestigiada, mesmo por aqueles a quem caberia defendê-la. Inclui, além de 30 artigos originariamente publicados na imprensa, palestras apresentadas em uni¬versidades brasileiras e estrangeiras, que abordam temas como a palavra, o poder e o saber. A epopéia Invenção do Mar, Prêmio Jabuti de 1998, é considerada pelo crítico Wilson Martins como Os Lusíadas brasileiro, que o chama mesmo de “Os Brasíliadas”, em artigo publicado no jornal Gazeta de Curitiba

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Líria Porto – Poesia – 22/09/23

Boa noite. Per secula seculorum Líria Porto ¹ tornei-me o invólucro da tua boca sou eu o teu beijo permanente ao beijares outra boca beija-a sôfrego beija-a sedento estarás a beijar-me como louco em todos os sabores e indecências ¹ Líria Porto Professora, mineira, vive em Belo Horizonte. Inédita, tem poemas publicados no Cronópios e na Germina — Revista de Literatura e Arte. Fonte Escritoras Suicidas

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Manuel Graña Etcheverry – Poesia – 20/09/23

Boa noite. Hoje já passou Manuel Graña¹ Já o dia passa. Já os livros não podem. Já a música não alcança. A evasão é inútil, solitário. Já tens o espelho a tua frente: mira-te, sozinho, fumando o cigarro, mira no quarto tua presença só. Não estão suas mãos nem seus olhos vêm, nem sua voz se aproxima, nem seu beijo, nem chega seu amor para buscar-te. Consumiste sonhos na espera: edifícios de tenues quadros que as horas gastaram pouco a pouco. E ruínas sonoras de estupendos colóquios de amor que imaginaste têm buscado sua tumba nas paredes. Não te bastou a lembrança: desejava-a vivendo e perto e em teus braços. Mas o dia se vai sem que ela venha. Hoje a paz não veio e tens medo. Não quer retratar-se em cristais nem a água do passado te refresca. Mas o dia se vai… cala-o, esqueça. Beija no ar seu rosto ausente. Hoje a paz não veio. Hoje já passou. ¹Manuel Graña Etcheverry * Córdoba, Argentina – 1915 + Dean Funes, Argentina – 27 de maio de 2015

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Wislawa Szymborska – Poesia – 19/09/23

Boa noite. Alguns gostam de poesia Wisława Szymborska ¹ Alguns — quer dizer nem todos. Nem a maioria de todos, mas a minoria. Excluindo escolas, onde se deve e os próprios poetas, serão talvez dois em mil. Gostam — mas também se gosta de canja de massa, gosta-se da lisonja e da cor azul, gosta-se de um velho cachecol, gosta-se de levar a sua avante, gosta-se de fazer festas a um cão. De poesia — mas o que é a poesia? Algumas respostas vagas já foram dadas, mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro como a um corrimão providencial. ¹ Wisława Szymborska * Kórnik, Polônia – 2 de Julho de 1923  + Cracóvia, Polônia – 1 de fevereiro de 2012 Escritora polonesa. Destacou-se como poetisa com uma obra que tem como tema as vicissitudes da Polônia moderna. Emprega uma linguagem simples e coloquial, herança do realismo social que dominou a Europa oriental, mas sua modernidade se revela no tom irônico e na complexidade formal de muitas de suas poesias. Recebeu o Nobel de Literatura de 1996.

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Bárbara Lia – Poesia – 18/09/23

Boa noite Flor escandalosa Bárbara Lia ¹ Meu pai sonhava o deserto E viveu ao lado do amor Rimbaud sonhava as areias Também reinventar o amor Rimbaud viveu no deserto Meu pai morreu de amor Meu pai surfava o mar de estrelas Com um teodolito da cor da destemperança – verde oliva que tende ao amarelo – Quando eu dormia ele soprava Sementes de poesia Por cima das minhas cobertas Rimbaud passava noites inteiras Regando com um regador de nuvens Minha alma de fogo e a semente Nasceu esta flor escandalosa Misto de estrela e rosa Da cor dos olhos do amor E do deserto sonhado Por meu pai e Rimbaud Meu pai viveu em poesia Nunca escreveu um verso Rimbaud desistiu bem cedo Meu pai sabia; sabia Rimbaud O vento que atravessa a cortina Traz a voz de ambos, mixada: Ilumine o verbo! Incendeie a alma! Faça de corações desertos Cactos em flor Sangue em ebulição ¹ Bárbara Lia * Assai, PR.

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Lucian Blaga – Poesia – 17/09/23

Boa noite A saudade Lucian Blaga ¹ Sedento bebo teu perfume e seguro teu rosto com ambas as mãos, como quem segura na alma um milagre. Queima-nos a proximidade, olhos nos olhos, como estamos. E contudo me sussurras: “Tenho tanta saudade de ti!” Falas tão misteriosa e desejosa, como se eu estivesse exilado em outro mundo. Mulher. que mares levas no peito, e quem és? Canta ainda uma vez mais tua saudade, para que te ouça e os instantes me pareçam botões prenhes de que florescessem de fato… eternidades. In Os Poemas da Luz, 1919 ¹ Lucian Blaga * Romênia – 9 de maio de 1895 + Romênia – 6 de maio de 1961

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Garcia Lorca – Poesia – 21/08/23

Boa noite. Se as minhas mãos pudessem desfolhar Garcia Lorca¹ Eu pronuncio teu nome nas noites escuras, quando vêm os astros beber na lua e dormem nas ramagens das frondes ocultas. E eu me sinto oco de paixão e de música. Louco relógio que canta mortas horas antigas. Eu pronuncio teu nome, nesta noite escura, e teu nome me soa mais distante que nunca. Mais distante que todas as estrelas e mais dolente que a mansa chuva. Amar-te-ei como então alguma vez? Que culpa tem meu coração? Se a névoa se esfuma, que outra paixão me espera? Será tranqüila e pura? Se meus dedos pudessem desfolhar a lua!! ¹Federico García Lorca * Fuente Vaqueros, Espanha – 05 de Junho de 1898 d.C + Granada, Espanha – 19 de Agosto de 1936 d.C Poeta e dramaturgo espanhol. Fuzilado e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola >> biografia de Garcia Lorca

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Alice Vieira – Poesia – 18/08/23

Boa noite. Devagar no Centro do Fogo Alice Vieira ¹ é tão fácil amar lugares que não existem recordar praças e pontes e travessas onde nunca morremos por ninguém quartos na penumbra de estores corridos sobre a sonolência dos gatos em agosto onde nunca chegamos atrasados o tampo de mármore de mesas de café onde as nossas mãos não se esconderam por alguém ter entrado antes de nós é tão fácil lembrar nomes e rostos e destinos e colocá-los em nossos ombros e festejar com eles as luminosas horas em que a vida nos rodeava a cintura como um amante possessivo e nós repetíamos o nome das cidades onde nada tinha acontecido é tão fácil assim dizer adeus sabendo que Deus nem sequer assiste à despedida ¹Alice de Jesus Vieira Vassalo Pereira da Fonseca *Lisboa, Portugal – 20 de março 1943

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Adélia Prado – Versos na tarde – 16/08/23

Boa noite. Amor Violeta Adélia Prado ¹ O amor me fere é debaixo do braço, de um vão entre as costelas. Atinge meu coração é por esta via inclinada. Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão de roxo e soco. Macero ele, faço dele cataplasma e ponho sobre a ferida ¹ Adélia Luzia Prado Freitas * Divinópolis, MG. – 13 de Dezembro de 1935

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Natália Correia – Versos na tarde – 23/08/23

Boa noite. Creio Natália Correia¹ Creio nos anjos que andam pelo mundo, Creio na deusa com olhos de diamantes, Creio em amores lunares com piano ao fundo, Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes; Creio num engenho que falta mais fecundo De harmonizar as partes dissonantes, Creio que tudo é eterno num segundo, Creio num céu futuro que houve dantes, Creio nos deuses de um astral mais puro, Na flor humilde que se encosta ao muro, Creio na carne que enfeitiça o além, Creio no incrível, nas coisas assombrosas, Na ocupação do mundo pelas rosas, Creio que o amor tem asas de ouro. amém. ¹Natália de Oliveira Correia *Fajã de Baixo, Portugal – 13 de setembro de 1923 +Lisboa, Portugal – 16 de março de 1993

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