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Eduardo Alves da Costa – Poesia – 22/12/23

Boa noite. No Caminho com Maiakóvski Eduardo Alves da Costa ¹ Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóvski. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem. Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na Segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir. Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais. Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas ao tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados. E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita – MENTIRA! ¹ Eduardo Alves da Costa * Niterói, RJ, Brasil – 1936 Concluiu o curso de Direito na Universidade Mackenzie em 1952, em São Paulo SP. Por volta de 1960 organizou as Noites de Poesia, no Teatro Arena, em São Paulo. Participou no movimento dos Novíssimos, da Massao Ohno, em 1962. Entre 1962 e 1989 publicou a novela Fátima e o Velho, o romance Chongas e o livro de contos A Sala do Jogo. Recebeu, em 1978, o prêmio Anchieta de Teatro para a peça As Campainhas. Em 1994 foi lançado seu livro juvenil Memórias de um Assoviador. Entre 1996 e 1998 foi cronista do jornal paulistano Diário Popular. Seu único livro de poesia, No caminho, com Maiakóvski, foi publicado em 1985.

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JG. de Araújo Jorge – Poesia – 21/12/23

Boa noite. Gosto quando me falas de ti… JG. de Araújo Jorge ¹ Gosto quando me falas de ti… e vou te percorrendo e vou descortinando a tua vida na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos [tranqüilos Gosto quando me falas de ti… e então percebo que antes mesmo de chegar, me adivinhavas, que ninguém te tocou, senão o vento que não deixa vestígios, e se vai desfeito em carícias vãs… Gosto quando me falas de ti… quando aos poucos a luz vasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontro e te reencontro em teus lábios, apenas pintados, maduros, mas nunca mordidos antes da minha audácia. Gosto quando me falas de ti… e muito mais adiantas em teus olhos descampados, sem emboscadas, e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençol distendido, e descortino o teu destino, como um caminho certo, cuja [primeira curva foi o nosso encontro. Gosto quando me falas de ti… porque percebo que te [desnudas como uma criança, sem maldade, e que eu cheguei justamente para acordar tua vida que se desenrola inútil como um novelo que nos cai no chão… “Quatro Damas” – 1965 ¹ José Guilherme de Araújo Jorge * Tarauacá, AC. – 20 de Maio de 1914 + Rio de Janeiro, RJ. – 27 de Janeiro de 1987

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Dante Milani – Poesia – 17/12/23

Boa noite Corpo Dante Milano¹ Adorei teu corpo, Tombei de joelhos. Encostei a fronte, O rosto, em teu ventre. Senti o gosto acre De santidade Do corpo nu. Absorvi a existência, Vi todas as coisas numa coisa só, Compreendi tudo desde o princípio do Mundo. ¹Dante Milano * Barra de S. João, RJ – 16 de Janeiro de 1899 + Petrópolis, Rio de Janeiro – 15 de Abril 1991 Primoroso tradutor de Dante e Baudelaire. Escultor. Estreou tarde em livro, com Poesias (1948). Dele disse Manuel Bandeira ser “um dos nossos poetas mais fortes e mais perfeitos”. Dante Milano nasceu no Rio de Janeiro filho do maestro Nicolino Milano e de Corina Milano. O seu irmão Atílio Milano foi também poeta. Trabalhou como conferente de textos na Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) a partir de 1913. Foi também funcionário do Juizado de Menores, no Ministério da Justiça. Publicou seu primeiro poema, “Lágrima Negra”, em 1920, na revista carioca Selecta. Na época trabalhava como empregado na contabilidade da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Nos anos de 1930 foi colaborador do suplemento “Autores e Livros”, de “A Manhã” e do “Boletim de Ariel”. Em 1935 organizou a “Antologia dos Poetas Modernos”, primeira antologia de poetas dessa fase. Casa-se com Alda em 1947. Seu primeiro livro, “Poesias”, foi publicado em 1948, e recebeu o Prêmio Felipe d’Oliveira de melhor livro de poesia do ano. Nos anos seguintes trabalhou como tradutor, lançando, em 1953, “Três Cantos do Inferno”, de Dante Alighieri. Em 1979 foi publicado seu livro “Poesia e Prosa”. Publicou em 1988 “Poemas Traduzidos de Baudelaire e Mallarmé”. No mesmo ano recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Dante Milano é um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo. Para o crítico David Arrigucci Jr., Milano, “como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos – lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido”.

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Walter Benjamin – Poesia – 12/12/23

Boa noite. Como é que a Solidão Hei-de Ir Medindo? Walter Benjamin ¹ Como é que a solidão hei-de ir medindo? desse-me os golpes de uso inda esta dor um a um sua nudez a sobrepor que o ritmo sem nome a foi vestindo mas sofro agora o tempo nu saindo numa levada sem nenhum teor gasto caudal do meu rio interior nem chora o peito por mais gritos vindo Quando é que é novo ano na amargura quando volto a chegar-me à desventura que me faz falta em ocos dias vis. ah quando é que arde escura em cores febris à testa do ano como a vi na altura do agosto em chamas funda cicatriz? Walter Benjamin, in “Sonetos” Tradução de Vasco Graça Moura ¹ Walter Benedix Schönflies Benjamin + Berlim, Alemanha – 15 de julho de 1892 + Portbou, Espanha – 27 de setembro de 1940

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Bernhard Wosien – Poesia – 11/12/23

Boa noite. Dança Bernhard Wosien¹ Eu danço uma canção do silêncio seguindo uma música cósmica e coloco meu pé ao longo das beiras do céu eu sinto como seu sorriso me faz feliz. ¹Bernhard Wosien * Munique, Alemanha – 19 de setembro de 1908 + Munique, Alemanha – 29 de abril de 198

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Yeats – Poesia – 10/12/23

Boa noite A canção do delirante Aengus Yeats¹ Eu fui para uma floresta de nogueiras, Porque minha mente estava inquieta, Eu colhi e limpei algumas nozes, E apanhei uma cereja, curvando o seu fino ramo; E, quando as claras mariposas estavam voando, Parecendo pequenas estrelas, flutuando erráticas, Eu lancei framboesas, como gotas, em um riacho E capturei uma pequena truta prateada. Quando eu a coloquei no chão E fui soprar para reativar as chamas, Alguma coisa moveu-se e eu pude ouvir, E, alguém me chamou pelo meu nome: Apareceu-me uma jovem, brilhando suavemente Com flores de maçãs nos cabelos Ela me chamou pelo meu nome e correu E desapareceu no ar, como um brilho mais forte. Talvez eu esteja cansado de vagar em meus caminhos Por tantas terras cheias de cavernas e colinas, Eu vou encontrar o lugar para onde ela se foi, E beijar seus lábios e segurar suas mãos; Caminharemos entre coloridas folhagens, E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo As prateadas maçãs da lua, As douradas maçãs do sol. ¹William Butler Yeats * Dublin Irlanda – 13 de Junho de 1865 d.C + Boston, Usa – 28 de Janeiro de 1939 d.C Prêmio Nobel de Literatura em 1932

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Octavio Paz – Poesia – 09/12/23

Boa noite. Destino de poeta Octavio Paz¹ Palavras? Sim. De ar e perdidas no ar. Deixa que eu me perca entre palavras, deixa que eu seja o ar entre esses lábios, um sopro erramundo sem contornos, breve aroma que no ar se desvanece. Também a luz em si mesma se perde. (Trad. Haroldo de Campos) ¹Octavio Paz * Cidade do México, México – 31 de Março de 1914 d.C + Cidade do México, México – 20 de Abril de 1998 d.C

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Murilo Mendes – Poesia – 07/12/23

Boa noite O fósforo Murilo Mendes ¹ Acendendo um fósforo acendeu Prometeu, o futuro, a liquidação dos falsos deuses, o trabalho do homem. O fósforo: tão radioso quanto secreto. Furioso, deli- cado. Encolhe-se no seu casulo marrom; mas quando chamado e provocado, polêmico estoura, esclarecendo tudo. O século é polêmico. O gás não funciona hoje. Temos greve dos gasistas. A Itália tornou-se a Grevelândia. Mas preferimos essa semi-anarquia à “ordem” fascista. O fósforo, hoje em férias, espera paciente no seu casulo o dia de amanhã desprovido de greves. O dia racional, o dia do entendimento universal, o dia do mundo sem classes, o dia de Prometeu totalizado. O fósforo é o portador mais antigo da tradição viva. Eu sou pela tradição viva, capaz de acompanhar a correnteza da modernidade. Que riquezas poderosas extraio dela! Subscrevo a grande palavra de Jaures: “De l’autel des ancêtres on doit garder non les cendres mais le feu.” ¹ Murilo Monteiro Mendes * Juiz de Fora, MG – 13 de maio de 1901 + Lisboa, Portugal – 13 de agosto de 1975 Poeta brasileiro, expoente do modernismo brasileiro.

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Ruy Belo – Poesia – 05/12/23

Boa noite. Poema Ruy Belo¹ Este céu passará e então teu riso descerá dos montes pelos rios até desaguar no meu coração   ¹Rui de Moura Belo * São João da Ribeira, Portugal – 27 de Fevereiro de 1933 + Queluz, Portugal – 8 de agosto de 1978

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Almandrade – Poesia – 03/12/23

Boa noite Ponto de fuga Almandrade ¹ Que indagação faz o umbigo feminino quando aparece entre uma peça e outra da veste? Intimidade sensualidade. Nem mesmo a musicalidade dos pêlos é maior que o apelo da cicatriz do nascimento. ¹ Antônio Luiz M. Andrade * Salvador,BA. É arquiteto, poeta e artista plástico baiano. Como artista plástico já participou de quatro bienais internacionais em São Paulo, além de várias outras exposições no país e no exterior. Editou em 74 a revista “Semiótica” e, seus poemas procuram dar às palavras intensidade plástica, forma. Publicou os livros “O Sacrifício dos Sentidos”, “Obscuridade do Riso”, “Poemas”, “Suor Noturno,” “Arquitetura de Algodão”.

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