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Alexandre O’Neill – Poesia – 18/01/2024

Boa noite Gaivota Alexandre O’Neill ¹ Se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa no desenho que fizesse, nesse céu onde o olhar é uma asa que não voa, esmorece e cai no mar. Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração. Se um português marinheiro, dos sete mares andarilho, fosse quem sabe o primeiro a contar-me o que inventasse, se um olhar de novo brilho no meu olhar se enlaçasse. Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração. Se ao dizer adeus à vida as aves todas do céu, me dessem na despedida o teu olhar derradeiro, esse olhar que era só teu, amor que foste o primeiro. Que perfeito coração morreria no meu peito morreria, meu amor na tua mão, nessa mão onde perfeito bateu o meu coração. ¹ Alexandre Manuel Vahía de Castro O’Neill * Lisboa, Portugal – 19 de dezembro de 1924 + Lisboa, Portugal – 21 de agosto de 1986 Descendente de irlandeses, foi um importante poeta do movimento surrealista. Autodidata, O’Neill foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de colagens A Ampola Miraculosa, mas o grupo rapidamente se desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas obras dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de poesia, traduções e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua arte, o autor alargou a sua ação à publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar e mar, há ir e voltar». Foi várias vezes preso pela polícia política portuguesa nos tempo da ditadura de Salazar, a PIDE.

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Mallarmé – Poesia – 17/01/24

Boa noite Angústia Mallarmé Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela Que encerras os pecados de um povo, ou cavar Em teus cabelos torpes a triste procela No incurável fastio em meu beijo a vazar: Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios Pairando sob ignotas telas do remorso, E que possas gozar após negros enleios, Tu que acima do nada sabes mais que os mortos: Pois o Vício, a roer minha nata nobreza, Tal como a ti marcou-me de esterilidade, Mas enquanto teu seio de pedra é cidade. De um coração que crime algum fere com presas, Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário, Com medo de morrer pois durmo solitário. ¹Étienne Mallarmé * Paris, França – 18 de Março de 1842 d.C + Valvins, França – 09 de Setembro de 1898 d.C

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Abgar Renault – Versos na tarde – 18/02/2017

Boa noite. Encantamento Abgar Renault¹ Ante o deslumbramento do teu vulto sou ferido de atônita surpresa e vejo que uma auréola de beleza dissolve em lua a treva em que me oculto. Estás em cada reza do meu culto, sonhas na minha lânguida tristeza, e, disperso por toda a natureza, paira o deslumbramento do teu vulto. É tua vida a minha própria vida, e trago em mim tua alma adormecida… Mas, num mistério surdo que me assombra, Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace, como um sonho que nunca se sonhasse ou como a sombra vã de uma outra sombra… ¹Abgar de Castro Araújo Renault * Barbacena, MG. – 15 de abril de 1901 + Rio de Janeiro, RJ. – 31 de dezembro de 1995

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Helena Verdugo Afonso – Poesia – 12/01/24

Boa noite Insatisfeita Helena Verdugo Afonso Enfim, posso morrer! Já te beijei a linda boca perfumada e quente, num beijo longo, divinal, fremente, um beijo aonde toda me entreguei… Não me conheço agora. Já nem sei se fiz bem, se fiz mal. Minha alma ardente sofria por um bem que tinha ausente, e morro na ventura em que fiquei… É assim, o meu amor: eu, que vivera, na crença de esperança já perdida, tenho de ti o bem que apetecera! Por esse beijo, vivo tão dorida, que, para ser feliz, antes valera ficar a desejá-lo toda a vida! Helena Verdugo Afonso * Angola

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Else Lasker-Schüler – Poesia – 08/01/24

Boa noite Umas canção Else Lasker-Schüler ¹ Por detrás dos meus olhos há águas Tenho de as chorar todas. Tenho sempre um desejo de me elevar voando, E de partir com as aves migratórias. Respirar cores com os ventos Nos grandes ares. Oh, como estou triste… O rosto da lua bem o sabe. Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada E madrugada a aproximar-se. Quando as minhas asas se quebraram Contra o teu coração de pedra, Caíram os melros, como rosas de luto, Dos altos arbustos azuis. Todo o chilreio reprimido Quer jubilar de novo E eu tenho um desejo de me elevar voando, E de partir com as aves migratórias. ¹ Else Lasker-Schüler * Elberfeld, Wuppertal, Alemanha – 1869 + Jerusalem, 1945 Foi uma figura enigmática e única, no contexto das primeiras décadas do século XX e da poesia alemã do chamado Expressionismo, onde claramente não cabe. Estranheza, exotismo, fantasia sem limites e alguma ponta de loucura poderão ajudar a dar perfil a uma mulher que, oriunda de uma família de judeus assimilados e marcada por dois casamentos breves, cedo escolhe um caminho que a levará a inventar mundos próprios, alimentados pelas visões de um ‘Oriente de Deus’ — judeu, árabe, egípcio, oriental sem mais — que não tem paralelo em nenhum outro poeta da época. Ao inventar mundos e a assumir máscaras várias: Jussuf (José), príncipe de Tebas, Tino, princesa de Bagdad, Robinson, o índio Jaguar Azul… A autobiografia que fornece em 1919 ao organizador da mais célebre antologia de poesia do Expressionismo (Menscheitsdämmerung/ Aurora da Humanidade, de Kurt Pinthus) é sintomática da indistinção entre lenda e vida que marcará a existência e a obra de Else Lasker-Schüler: “Nasci em Tebas (Egito), embora tenha visto a luz do mundo em Elberfeld, na Renânia. Fui à escola até aos onze anos, tornei-me Robinson, vivi cinco anos no Oriente, e desde então vegeto.”

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Garcia Lorca – Poesia – 03/02/24

Boa noite. Sinto Garcia Lorca¹ Sinto que em minhas veias arde sangue, chama vermelha que vai cozendo minhas paixões no coração. Mulheres, por favor, derramai água: quando tudo se queima, só as fagulhas voam ao vento. ¹ Federico García Lorca * Fuente Vaqueros, Espanha – 05 de Junho de 1898 d.C + Granada, Espanha – 19 de Agosto de 1936 d.C Poeta e dramaturgo espanhol. Fuzilado e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola

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T.S.Eliot – Poesia – 02/01/24

Boa noite. O Tempo T.S.Eliot¹ O infinito ciclo da idéia e da ação, Infinita invenção, experiência infinita, Traz o conhecimento do vôo, mas não o do repouso; O conhecimento da fala, mas não o do silêncio; O conhecimento das palavras e a ignorância do Verbo. Todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância, Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte, Mas a iminência da morte não nos acerca de Deus. Onde a vida que perdemos quando vivos? Onde a sabedoria que perdemos no saber? Onde o conhecimento que perdemos na informação? Os ciclos do Céu em vinte séculos Afastaram-nos de Deus e do Pó nos acercaram. ¹Thomas Stearns Eliot * St Louis, Usa – 26,Setembro 1888 d.C + Londres, Inglaterra – 4,Janeiro 1965 d.C

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Fagundes Varela – Poesia – 30/12/23

Bom dia Deixa-me! Fagundes Varela ¹ Quando cansado da vigília insana Declino a fronte num dormir profundo, Por que teu nome vem ferir-me o ouvido, Lembrar-me o tempo que passei no mundo? Por que teu vulto se levanta airoso, Tremente em ânsias de volúpia infinda? E as formas nuas, e ofegante o seio, No meu retiro vens tentar-me ainda? Por que me falas de venturas longas, Por que me apontas um porvir de amores? E o lume pedes à fogueira extinta, Doces perfumes a polutas flores? Não basta ainda essa existência escura, Página treda que a teus pés compus? Nem essas fundas, perenais angústias, Dias sem crenças e serões sem luz? Não basta o quadro de meus verdes anos Manchado e roto, abandonado ao pó? Nem este exílio, do rumor no centro, Onde pranteio desprezado e só? Ah! não me lembres do passado as cenas, Nem essa jura desprendida a esmo! Guardaste a tua? a quantos outros, dize, A quantos outros não fizeste o mesmo? A quantos outros, inda os lábios quentes De ardentes beijos que eu te dera então, Não apertaste no vazio seio Entre promessas de eternal paixão? Oh! fui um doido que segui teus passos, Que dei-te em versos de beleza a palma; Mas tudo foi-se, e esse passado negro Por que sem pena me despertas n’alma? Deixa-me agora repousar tranqüilo, Deixa-me agora dormitar em paz, E com teus risos de infernal encanto Em meu retiro não me tentes mais! ¹ Luiz Nicolau Fagundes Varella * Rio Claro, RJ. – 1841 d.C + Niterói, RJ. – 1875 d.C

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Cristiane Neder – Poesia – 29/12/23

Boa noite Águas de Forestier Cristiane Neder ¹ O vinho que toca seus lábios desperta o pecado em um pobre pagão que sonha com o paraíso, onde todas as águas se transformam em vinho, dos rios, lagos, marés e cachoeiras, salgadas, doces, porém todas vermelhas. Lavando seus pés, molhando os seus seios, escorrendo sobre todo seu corpo o doce veneno, que nos embriaga a sede de outras paixões. Pequenos Bacos brincando de serem anões, e todo pecado será desculpado por todo motivo impulsionado por prazer. Toda musa será deusa, todo ateu será José, e o pecado é não beber da fonte das águas de Forestier. ¹ Cristiane Neder * São Paulo. SP. – 18 de agosto de 1969 d.C Cristiane Neder é paulistana, nasceu em 18 de agosto de 1969. Formou-se em Colegial Técnico em Propaganda e Publicidade em 1989 no CSJT, fez faculdade de Comunicação Social em Rádio e Televisão na Universidade São Judas Tadeu, formando-se em 1994. Faz atualmente Mestrado em Comunicação e Artes, na ECA, USP, em Cinema, Rádio e Televisão. Escritora e poeta, publicou em 1992 o seu primeiro livro, Revolution, por Massao Ohno Editor. Apresenta livros e autores dentro do programa Viva Show no canal de televisão CNT/GAZETA todas as semanas, pela manhã, programa transmitido para todo o Brasil via cabo ou por parabólica. Tem vários prêmios de literatura e escreve para diversos jornais literários. É professora de LPT, Leitura e Produção de Texto, na ETESP, situada dentro da FATEC. Foi candidata a Deputada Federal pelo PV nas eleições de 1998, tendo como metas principais a educação, a cultura e as artes em geral, com uma plataforma de campanha centrada na elaboração de legislação complementar de incentivo a essas áreas. Foi sua primeira eleição como candidata e não se elegeu.

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Vinícius de Moraes – Poesia – 27/12/23

Boa noite A que há de vir Vinícius de Moraes ¹ Aquela que dormirá comigo todas as luas É a desejada de minha alma. Ela me dará o amor do seu coração E me dará o amor da sua carne. Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo E virá a mim com os peitos e virá a mim com os lábios Ela é a querida da minha alma Que me fará longos carinhos nos olhos Que me beijará longos beijos nos ouvidos Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso. Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego Ela abandonará filho e esposo Abandonará o mundo e o prazer do mundo Abandonará Deus e a Igreja de Deus E virá a mim me olhando de olhos claros Se oferecendo à minha posse Rasgando o véu da nudez sem falso pudor Cheia de uma pureza luminosa. Ela é a amada sempre nova do meu coração Ela ficará me olhando calada Que ela só crerá em mim Far-me-á a razão suprema das coisas. Ela é a amada da minha alma triste É a que dará o peito casto Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração Ela é a minha poesia e a minha mocidade É a mulher que se guardou para o amado de sua alma Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele. Ela é o amor vivendo de si mesmo. É a que dormirá comigo todas as luas E a quem eu protegerei contra os males do mundo. Ela é a anunciada da minha poesia Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos E que será minha, só minha, como a força é do forte e a poesia é do poeta. ¹ Marcus Vinicius de Mello Moraes * Rio de Janeiro, RJ. – 19 de Outubro de 1913 d.C + Rio de Janeiro, RJ. – 09 de Julho de 1980 d.C

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