Boa noite
Umas canção
Else Lasker-Schüler ¹
Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho de as chorar todas.
Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.
Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.
Oh, como estou triste…
O rosto da lua bem o sabe.
Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.
Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,
Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.
Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo
E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.
¹ Else Lasker-Schüler
* Elberfeld, Wuppertal, Alemanha – 1869
+ Jerusalem, 1945
Foi uma figura enigmática e única, no contexto das primeiras décadas do século XX e da poesia alemã do chamado Expressionismo, onde claramente não cabe.
Estranheza, exotismo, fantasia sem limites e alguma ponta de loucura poderão ajudar a dar perfil a uma mulher que, oriunda de uma família de judeus assimilados e marcada por dois casamentos breves, cedo escolhe um caminho que a levará a inventar mundos próprios, alimentados pelas visões de um ‘Oriente de Deus’ — judeu, árabe, egípcio, oriental sem mais — que não tem paralelo em nenhum outro poeta da época.
Ao inventar mundos e a assumir máscaras várias: Jussuf (José), príncipe de Tebas, Tino, princesa de Bagdad, Robinson, o índio Jaguar Azul… A autobiografia que fornece em 1919 ao organizador da mais célebre antologia de poesia do Expressionismo (Menscheitsdämmerung/ Aurora da Humanidade, de Kurt Pinthus) é sintomática da indistinção entre lenda e vida que marcará a existência e a obra de Else Lasker-Schüler:
“Nasci em Tebas (Egito), embora tenha visto a luz do mundo em Elberfeld, na Renânia. Fui à escola até aos onze anos, tornei-me Robinson, vivi cinco anos no Oriente, e desde então vegeto.”