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Osman Lins – Reflexões na tarde – 30/04/2014

“A lenta rotação da água, em torno de sua vária natureza. Sua oscilação entre a paz dos copos e as inundações. Talvez seja mineral; ou um ser mitológico; ou uma planta, um liame, enredando continentes, ilhas. Pode ser um bicho, peixe imenso, que tragou escuridões e abismos, com todas as conchas, anêmonas, delfins, baleias e tesouros naufragados. Desejaria ter, talvez, a definição das pedras; e nunca se define. Invisível. Visível. Trespassável. Dura. Amiga. Existem os ciclones, as trombas marinhas. Golpes de barbatanas? E também as nuvens, frutos que, maduros, tombam em chuvas. O peixe as absorve e cresce. Então este peixe, verde e ramal, de prata e sal, dele próprio se nutre? Bebe a sua própria sede? Come sua fome? Nada em si mesmo? Não saberemos jamais sobre este ente fugidio, lustral, obscuro, claro e avassalador. Tenho-o nos meus olhos, dentro das pupilas. Não sei portanto se o vejo; se é ele que se vê.” Do conto Retábulo de Santa Joana Carolina, uma das narrativas do livro Nove Novena. Osman da Costa Lins * Vitória de Santo Antão, PE. – 5 de Julho de 1924 d.C + São Paulo, SP. – 8 de Julho de 1978 d.C >> biografia de Osman Lins [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Lya Luft – Reflexões na tarde – 28/04/2014

Reflexões – Lya Luft ¹ Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos. ¹ Lya Luft * Santa Cruz do Sul, RGS – 15 de Setembro de 1938 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Theófilo Silva – Reflexões na tarde – 18/01/2014

Os Passionais Theófilo Silva¹ “Paixão… Tornas possíveis as coisas que não são consideradas possíveis. Tu te comunicas com os sonhos… Ages de acordo com o irreal e fazes do nada teu associado”. Na peça Conto de Inverno, Leontes, rei da Sicília, o mesmo que pronuncia as palavras acima, está muito feliz porque seu amigo de infância Políxenes, rei da Boêmia, veio visitá-lo. Quem está feliz também é Hermione, esposa de Leontes, que através de Políxenes saberá como era seu marido na juventude. No entanto, repentinamente tudo muda. Na curta permanência de Políxenes, Leontes passa a violentos ataques de ciúmes, que vão crescendo até se tornarem exteriores. Leontes tem certeza que Hermione está traindo-o com Políxenes. Seu ciúme chega ao auge, quando pede a um funcionário sábio e leal, que envenene Políxenes, que acaba de voltar para a Sicília. Camilo descumpre a ordem e foge. Tudo piora, quando Hermione aparece grávida. Leontes não tem mais dúvidas, Hermione é uma adúltera, manda prendê-la e submetê-la a julgamento. Mesmo sendo aconselhado por seus assessores para agir com prudência, Leontes com sua passividade excessiva sai contaminando tudo ao seu redor. Passado o tempo, eis que nasce uma linda garota, que tem os olhos, a boca, o nariz e o sorriso de Leontes. Não há dúvida, a menina é mesmo filha de Leontes. Mas Leontes não acredita. Cego à verdade, amaldiçoa a garota, dando ordens para levarem-na para o mais distante possível dele. O caso toma proporções tão desmedidas, que foi necessário o envio de emissários para consultar o oráculo de Apolo, a única instância capaz de convencer o rei ensandecido. Durante o julgamento de Hermione, chega à resposta do oráculo, que declara Hermione inocente e Políxenes um tirano. Mas o estrago já estava feito. O passionalismo de Leontes o cegara completamente. Seu julgamento do caráter da esposa, e mais ainda, de duvidar da honra do rei de um país amigo, o levaram a um estado de confusão e desespero. Sem contar os prejuízos das relações da Boêmia com a Sicília. O Dr. Johnson diz em Rasselas, “toda a força da imaginação sobre a razão é um grau de insanidade”. Quando Shakespeare afirma que, “a paixão age de acordo com o irreal e se associa ao nada”, ele nos avisa dos perigos a que estamos expostos quando julgamos preconceituosamente situações desconhecidas. Quando exercemos um papel de liderança, qualquer que seja ele, político, de opinião, ou outros, não podemos agir precipitadamente, pois caímos no ridículo ou mesmo na tragédia. Se “a paixão se comunica com os sonhos”, queremos transformá-los em realidade. E quase sempre, isso não é possível. Mais ainda, às vezes as pessoas estão submetidas a ambientes e situações estranhas, sendo possível à perda de contato com a realidade, ainda que temporário. Assim como Leontes. E quando sonhadores julgam sonhadores, ainda que a distância, o perigo é ainda maior. E nós, para Shakespeare “somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”. Devemos ser cuidadosos. ¹Theófilo Silva é presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Cecília Meireles – Reflexões na tarde – 24/12/2013

Compras de Natal Cecília Meireles¹ A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu. As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência. Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém. Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos do que isso. Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem todas as lojas e seus preços – e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que – especialmente neste verão – teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer para coisa alguma. Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam suas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que são a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane (que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes! São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável – apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo. ¹Cecília Benevides de Carvalho Meireles * Rio de Janeiro, Brasil – 7 de Novembro de 1901 d.C + Rio de Janeiro, Brasil – 9 de Novembro de 1964 d.C. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Lya Luft – Reflexões na tarde – 23/12/2013

Às vezes é preciso recolher-se. Lya Luft¹ O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos.” ¹Lya Luft * Santa Cruz do Sul, RGS – 15 de Setembro de 1938 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Agostinho de Hipona – Reflexões na tarde – 15/11/2013

Bem e Corrupção Agostinho de Hipona¹ Vi claramente que todas as coisas que se corrompem são boas: não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem se poderiam corromper se não fossem boas. Com efeito, se fossem absolutamente boas, seriam incorruptíveis, e se não tivessem nenhum bem, nada haveria nelas que se corrompesse. De facto, a corrupção é nociva, e se não diminuísse o bem, não seria nociva. Portanto, ou a corrupção nada prejudica – o que não é aceitável – ou todas as coisas que se corrompem são privadas de algum bem. Isto não admite dúvida. Se, porém, fossem privadas de todo o bem, deixariam inteiramente de existir. Se existissem e já não pudessem ser alteradas, seriam melhores porque permaneciam incorruptíveis. Que maior monstruosidade do que afirmar que as coisas se tornariam melhores com perder todo o bem? Por isso, se são privadas de todo o bem, deixarão totalmente de existir. Logo, enquanto existem são boas. Assim sendo, todas as coisas que existem são boas e aquele mal que eu procurava não é uma substância, pois se fosse substância seria um bem. Na verdade, ou seria substância incorruptível, e então era certamente um grande bem, ou seria substância corruptível, e nesse caso, se não fosse boa, não se poderia corromper. Santo Agostinho, in ‘Confissões’ ¹Santo Agostinho de Hipona * Argélia – 354  d.C + ? – 430 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Rilke – Reflexões na tarde – 09/11/2013

O desconhecido uniu-se a nós, penetrou no âmago do nosso coração, pois se mesclou ao nosso sangue e ignoramos o que passou. Seria fácil fazerem-no crer que não passou nada. E, todavia, eis-nos transformados em uma casa pela presença de um hóspede. Esse instante aparentemente oco, esse instante de tensão em que o futuro nos penetra, está infinitamente mais próximo da existência do que aqueles outros instantes que se nos impõe do exterior, em pleno tumulto e como que por acaso. Quanto mais silenciosos, pacientes e recolhidos formos nas nossas melancolias, de forma mais eficaz penetrará em nós. O desconhecido é o nosso bem. Rainer Maria Rilke * Praga, República Checa – 04 de Dezembro de 1875 d.C + Valmont, Suíça – 29 de Dezembro de 1926 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Ana Hatherly – Reflexões na tarde – 07/11/2013

Criatividade Cega Ana Hatherly¹ Entre o caos e a harmonia. A cegueira pensada é uma aflição mental, uma das formas do isolamento porque a invisibilidade não é obstáculo: é apenas um fenômeno sutilíssimo da ausência. Na criação tudo é potencialmente uma entidade distinta da matéria, uma improbabilidade, porque, como diziam os antigos, diante da luz somos todos cegos. in ‘Tisanas’ ¹Ana Hatherly * Porto, Portugal 1929 d.C Poeta, ensaísta, investigadora, tradutora, professora universitária e artista plástica portuguesa. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Jorge Luis Borges – Reflexões na tarde – 06/10/2013

Uma oração Jorge Luis Borges¹ Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados. ¹Jorge Luis Borges * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 d.C + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986 d.C >> biografia de Jorge Luis Borges [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Sêneca – Reflexões na tarde – 29/08/2013

Sobre a brevidade da vida Sêneca¹ A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é, e o que há de ser. Destes o que vivemos é breve, o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos certo… O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece não existir, pois está sempre em movimento; frui e precipita-se; deixa de ser antes de vir a ser; é tão incapaz de deter-se, quanto o mundo ou as estrelas, cujo infatigável movimento não lês permite permanecer no mesmo lugar… Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer… ¹Lucius Aneu Sêneca – Filósofo * Córdoba, Espanha c. 4 a.C + Roma, Itália – 65 d.C >> Biografia de Sêneca [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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