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Bardhyl Londo – Poesia – 30/11/24

Boa noite Crônica de um caso amoroso Bardhyl Londo ¹ Na segunda conhecemo-nos. Dissemos os nossos nomes um ao outro. Na terça tornámo-nos amigos. Sorrimos. Na quarta fizemos amor. Perdemo-nos. Na quinta tivemos uma discussão. Ficámos tristes. Na sexta revimos os nossos últimos dias como se fossem um filme. No sábado procurámos maneiras de nos reencontrarmos. No domingo redescobrimos o nosso amor,como Colombo. E depois era segunda outra vez. * Permet, Albânia – 1948 d.C

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John Keats – Poesia – 28/11/24

Ode sobre uma urna grega John Keats¹ Tradução: Augusto de Campos I Inviolada noiva de quietude e paz, Filha do tempo lento e da muda harmonia, Silvestre historiadora que em silêncio dás Uma lição floral mais doce que a poesia: Que lenda flor-franjada envolve tua imagem De homens ou divindades, para sempre errantes. Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo? Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes? Que louca fuga? Que perseguição sem termo? Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem? II A música seduz. Mas ainda é mais cara Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom; Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara, O supremo saber da música sem som: Jovem cantor, não há como parar a dança, A flor não murcha, a árvore não se desnuda; Amante afoito, se o teu beijo não alcança A amada meta, não sou eu quem te lamente: Se não chegas ao fim, ela também não muda, É sempre jovem e a amarás eternamente. III Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor Das folhas e não teme a fuga da estação; Ah! feliz melodista, pródigo cantor Capaz de renovar para sempre a canção; Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante! Para sempre a querer fruir, em pleno hausto, Para sempre a estuar de vida palpitante, Acima da paixão humana e sua lida Que deixa o coração desconsolado e exausto, A fronte incendiada e língua ressequida. IV Quem são esses chegando para o sacrifício? Para que verde altar o sacerdote impele A rês a caminhar para o solene ofício, De grinalda vestida a cetinosa pele? Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente Ou no alto da colina foi despovoar Nesta manhã de sol a piedosa gente? Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe Em tuas ruas, e ninguém virá contar Por que razão estás abandonada e triste. V Ática forma! Altivo porte! em tua trama Homens de mármore e mulheres emolduras Como galhos de floresta e palmilhada grama: Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas Tal como a eternidade: Fria Pastoral! Quando a idade apagar toda a atual grandeza, Tu ficarás, em meio às dores dos demais, Amiga, a redizer o dístico imortal: “A beleza é a verdade, a verdade a beleza” – É tudo o que há para saber, e nada mais. ¹John Keats * Londres, Inglaterra – 31 de Outubro de 1795 + Londres, Inglaterra – 23 de Fevereiro de 1821

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Natasha Sardzoska – Poesia – 25/11/24

Boa noite. Escamas Natasha Sardzoska verifico e procuro o homem que uma vez já fui e procuro a concha presa na garganta nos papéis vazios as gotas de tinta os filamentos dos nervos sobre meus dedos nas areias movediças minhas pernas inchadas: da roupa íntima que nunca jamais vesti

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Manuel António Pina – Poesia – 23/11/24

Boa noite. Narciso Manuel Antônio Pina Quando me dizes “Vem”, já eu parti e já estou tão próximo de ti que sou eu quem me chama e quem te chama e é o meu amor que em ti me ama. Se me olhas sou eu que me contemplo longamente através do teu olhar e moro em ti e sou eu o lugar e demoro-me em ti e sou o tempo. Eu sou talvez aquilo que me falta (a alma se sou corpo, o corpo se sou alma) em ti, e afogo-me na tua vida como na minha imagem desmedida: Sol, Lua, água, ouro, horizontalidade, concordância, indiferente ordem da infância, união conjugal, morte, repouso. in ‘Cuidados Intensivos’

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Fernando Pessoa – Poesia – 22/11/24

Boa noite Cansaço Álvaro de Campos (Fernando Pessoa). O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas — Essas e o que falta nelas eternamente Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser… E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto… Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço…

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Cecília Meireles – Poesia – 20/11/24

Boa noite. Da solidão Cecília Meireles Estarei só. Não por separada, não por evadida. Pela natureza de ser só. No entanto, a multidão tem sua musica, seu ritmo, seu calor, e deve ser uma felicidade, às vezes, ser na multidão o que o peixe é no oceano. Ah! mas quem sabe das solidões que haverá nessas águas enormes! Estarei só. Recordarei essas cidades, esses tempos. Recordarei esses rostos. Pode ser que recorde alguma palavra. Nada perturbou o meu estar só. Por vezes, com o rosto nas mãos, pode ser que sentisse como os desertos amontoavam suas areias entre meu pensamento e o horizonte. Mas o deserto tem sua musica, seu ritmo, seu calor. Era uma solidão que outrora se levava nos dedos, como a chave do silencio. Uma solidão de infância sobre a qual se podia brincar, como sobre um tapete. Uma solidão que se podia ouvir, como quem olha para as arvores, onde há vento. Uma solidão que se podia ver, provar, sentir, pensar, sofrer, amar, uma solidão como um corpo, fechado sobre a noção que temos de nós: como a noção que temos de nós. E andava, e sorria, cumprimentava e fazia discursos, dava autógrafos, abria a janela, conhecia gavetas, chaves, endereços, comprava, lia, recordava, sonhava, às vezes pensava – Solidão – e logo seguia, tinha até dinheiro comigo, tinha palavras, também, que escolhia, dava, usava, recusava… Solidão – dizia: fechava a tarde de mil portas, andava por essas fortalezas da noite, essas escadas, essas plataformas, essas pedras… e deitava-me sobre o mar, sobre as florestas, deitava-me assim – aldeias? cidades? O sono é um límpido deserto – deitava-me nos ares, onde quer que estivesse deitada. Deitava-me nessas asas. Ia para outras solidões. Se me chamares, responderei, mas serei solidão. Serei solidão, se me esqueceres ou lembrares. Qualquer coisa que sintas por mim, eu te retribuirei: como o eco. Mas és tu que vens e voltas: a tua solidão e a minha solidão. 1958 Cecília Meireles In: Poesia Completa

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Cecília Meireles – Poesia – 19/11/24

Boa noite Da Solidão Cecília Meireles Estarei só. Não por separada, não por evadida. Pela natureza de ser só. No entanto, a multidão tem sua musica, seu ritmo, seu calor, e deve ser uma felicidade, às vezes, ser na multidão o que o peixe é no oceano. Ah! mas quem sabe das solidões que haverá nessas águas enormes! Estarei só. Recordarei essas cidades, esses tempos. Recordarei esses rostos. Pode ser que recorde alguma palavra. Nada perturbou o meu estar só. Por vezes, com o rosto nas mãos, pode ser que sentisse como os desertos amontoavam suas areias entre meu pensamento e o horizonte. Mas o deserto tem sua musica, seu ritmo, seu calor. Era uma solidão que outrora se levava nos dedos, como a chave do silencio. Uma solidão de infância sobre a qual se podia brincar, como sobre um tapete. Uma solidão que se podia ouvir, como quem olha para as arvores, onde há vento. Uma solidão que se podia ver, provar, sentir, pensar, sofrer, amar, uma solidão como um corpo, fechado sobre a noção que temos de nós: como a noção que temos de nós. E andava, e sorria, cumprimentava e fazia discursos, dava autógrafos, abria a janela, conhecia gavetas, chaves, endereços, comprava, lia, recordava, sonhava, às vezes pensava – Solidão – e logo seguia, tinha até dinheiro comigo, tinha palavras, também, que escolhia, dava, usava, recusava… Solidão – dizia: fechava a tarde de mil portas, andava por essas fortalezas da noite, essas escadas, essas plataformas, essas pedras… e deitava-me sobre o mar, sobre as florestas, deitava-me assim – aldeias? cidades? O sono é um límpido deserto – deitava-me nos ares, onde quer que estivesse deitada. Deitava-me nessas asas. Ia para outras solidões. Se me chamares, responderei, mas serei solidão. Serei solidão, se me esqueceres ou lembrares. Qualquer coisa que sintas por mim, eu te retribuirei: como o eco. Mas és tu que vens e voltas: a tua solidão e a minha solidão. 1958 Cecília Meireles In: Poesia Completa

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Marina Grandolpho – Poesia – 19/11/24

Boa noite. Bloco de notas Marina Grandolpho Hoje não vou escrever um poema de amor porque não quero mas sei, sei que no instante seguinte vou falar da cabeceira da nossa cama cúmplice de tantas conversas vou falar da mesinha lateral dona de seus livros tão empoeirados não, não vou não quero falar de amor então vou falar de algo externo ao nosso ninho ou pelo menos ao que costumávamos chamar de ninho vou falar das árvores lá fora das calçadas alvejadas pelos cacarejos dos pássaros vou falar das pedras que formam mosaicos no passeio vou falar também das pequenas coisas invisíveis a olho nu embora não possamos vê-las estão ali escondidas em cimento rejunte massa espreitando a vida nos entres conectando peças que nem sempre fazem sentido nem precisam fazer elas guardam nesses mínimos espaços os resquícios de passadas e segredos antigos que ninguém ousou dizer em voz alta e me parecem muito com o amor aquele de quem me recuso falar e que, ainda assim, está aqui

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Manoel Antonio Pina – Poesia – 18/11/25

Boa noite. Narciso ¹Manuel António Pina(Portugal) Quando me dizes “Vem”, já eu parti e já estou tão próximo de ti que sou eu quem me chama e quem te chama e é o meu amor que em ti me ama. Se me olhas sou eu que me contemplo longamente através do teu olhar e moro em ti e sou eu o lugar e demoro-me em ti e sou o tempo. Eu sou talvez aquilo que me falta (a alma se sou corpo, o corpo se sou alma) em ti, e afogo-me na tua vida como na minha imagem desmedida: Sol, Lua, água, ouro, horizontalidade, concordância, indiferente ordem da infância, união conjugal, morte, repouso. ¹in ‘Cuidados Intensivos’

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Goethe – Poesia – 16/11/24

Boa noite Pensamentos noturnos Goethe Tão belas na rútila luz soberana, Guia do navegante aflito, sem norte (E sem recompensa, divina ou humana), – Tenho dó de vocês, estrelas sem sorte, Sem jamais amar e sem saber do amor! Tangendo, incansáveis, as horas eternas Na ronda do tempo das vastas esferas, Vocês vão cumprindo percursos sem conta. Mas eu, se nos braços dela permaneço, Da noite que passa – e de vocês – me esqueço.

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