Milhares de pedófilos estão usando a chamada dark web, (internet obscura, em tradução livre), para compartilhar, vender ou acessar imagens de crianças sofrendo abuso sexual. Um britânico que disse ter fundado um desses sites disse à BBC que a página chegava a receber 500 visitantes por segundo. Segundo ele, o site não está mais em funcionamento. Em um relatório publicado neste ano, a agência de combate ao crime na Grã-Bretanha disse que criminosos estão cada vez mais se voltando para uma internet paralela, por onde passeiam de forma anônima, para realizar atividades ilegais. No Brasil, “boa parte dos usuários são curiosos, que querem apenas ver o que existe por lá e ter a sensação de adentrar em um território da internet que é cercado de tabus”, disse o advogado e especialista em tecnologia e mídia Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio). Segundo ele, uma fração menor de pessoas entra na dark web para praticar atividades ilícitas. E outra fração entra em busca de privacidade, de um canal de comunicação que não seja monitorado ou espionado. A BBC Brasil conversou com a especialista em ciência da computação Juliana Freire, que faz pesquisas na New York University, nos Estados Unidos. Freire está prestes a embarcar em um projeto que deve revolucionar a forma como fazemos buscas na internet, permitindo, inclusive, que identifiquemos conteúdos “escondidos” na dark web.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] E apesar de sua determinação em conhecer e explorar os conteúdos desse universo, a pesquisadora não parece preocupada com a existência dessa internet obscura, fora do alcance das ferramentas de busca comuns – e das autoridades. “Tráfico humano, pedofilia, essas coisas aconteciam. Pelo menos, se está lá e você consegue ver o conteúdo, você sabe que elas existem”. Definições A internet visível, ou surface web (internet de superfície), é uma porção minúscula de uma rede gigantesca, a deep web (internet profunda). Esta rede profunda engloba bancos de dados cujo conteúdo não está indexado e, portanto, não pode ser acessado por ferramentas de busca como o Google. Imagine, por exemplo, um site de venda de carros de segunda mão. As informações sobre os carros estão dentro do site, mas você só tem acesso a elas quando preenche um formulário dizendo que tipo de carro está procurando. Também podemos incluir nessa web profunda uma porção da rede onde a publicação de conteúdos, bem como o acesso a eles, acontecem de forma anônima. Essa é a dark web, ou internet obscura. A dark web inclui, por exemplo, redes como a Tor Network. Para acessá-la, é preciso baixar o Tor Browser. Esse browser torna o endereço do seu computador indetectável. Você viaja anônimo, tanto pela internet regular, quanto pela rede obscura. Da mesma maneira, se você cria um site na rede Tor, o conteúdo fica lá, mas sua identidade não. “Se crio um site, tenho de registrá-lo e criar um IP address, para identificação”, explica Freire. “Mas essas redes criam o IP address e ninguém sabe quem eu sou”. Essa internet anônima é usada para todo tipo de atividade ilícita, como tráfico humano e tráfico de drogas. Um desses sites, o supermercado de drogas Silk Road, operou na rede Tor durante mais de dois anos, até ser fechado pelo FBI. Mas a Tor também é usada por militantes, intelectuais e outros grupos que precisam permanecer anônimos para sua segurança pessoal. “No Irã, muitos usam o Tor para acessar a internet, na China acontece a mesma coisa”, diz Freire. Passeio Perigoso? A ideia de uma internet secreta, co-existindo com a rede visível, porém inacessível à maioria de nós, habitada por criminosos e libertários, parece coisa de ficção científica. Freire diz que já passeou por essas terras sem lei. Não são necessariamente perigosas, ela diz. Mas contêm armadilhas onde podem cair os viajantes menos experientes. “Já brinquei com isso. Fiz buscas sobre tráfico humano e não vi nada. Então, digitei a palavra cocaína e encontrei vários sites de venda. Mas meus colegas me disseram que muitos desses sites são armadilhas que o governo coloca lá para pegar você”. “Você não sabe se é o governo ou se é um traficante de verdade – mas também é assim no mundo aqui fora”. A rede profunda inclui, ainda, sites desativados que permanecem ali no cyber space, como prédios fantasma. Alguns especialistas tentaram, ao longo dos anos, quantificar, dar uma dimensão à internet profunda. Os resultados variam. Em 2001, o acadêmico americano Michael K. Bergman publicou um estudo sugerindo que a deep web seria entre 400 e 550 vezes maior do que a internet de superfície e que ferramentas de busca convencionais estariam alcançando apenas 0,03% do total de páginas disponíveis. Juliana Freire, no entanto, desconfia desses números. “Alguns tentaram medir isso mas não consigo acreditar nos estudos mais recentes que li, não estou convencida. É difícil de estimar o tamanho dessas coisas”. Desafio E à medida que a internet cresce e se transforma, cresce também o desejo de cientistas como Juliana Freire de explorá-la. Governos e autoridades, por outro lado, querem domá-la. Até 2011, Freire trabalhava para a University of Utah, em Salt Lake City. Lá, esteve envolvida no projeto Deep Peep, que se propunha a desenvolver ferramentas para indexar conteúdos armazenados em bancos de dados na internet profunda. “A ideia era indexar todos esses bancos de dados para que a gente pudesse ter acesso a eles usando um sistema de buscas comum, como o Google”, explica Freire. “Uma ferramenta como essa é útil se você está interessado em conteúdos que vêm de fontes diferentes”. Ou seja, ela evita que você tenha de entrar individualmente em cada um dos sites para procurar a informação. Fazendo um paralelo, Freire cita sites de comparação de preços, que coletam dados de várias empresas oferecendo um determinado serviço. “Encontrar os dados necessários para sites de comparação, e para engenhos de busca verticais, requer um processo laborioso. O nosso objetivo era criar uma forma mais rápida, eficiente e automática de descobrir os sites