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Carlos Drummond de Andrade – Poesia – 23/06/24

Boa noite. O Chão é Cama para o Amor Urgente Carlos Drummond de Andrade, in ‘O Amor Natural’ O chão é cama para o amor urgente, amor que não espera ir para a cama. Sobre tapete ou duro piso, a gente compõe de corpo e corpo a úmida trama. E para repousar do amor, vamos à cama.

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Baudelaire – Poesia – 22/06/24

Boa noite O Estrangeiro Baudelaire¹ — Quem mais amas, homem enigmático, responde: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão? — Não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão. — Teus amigos? — Você emprega uma palavra cujo sentido até hoje desconheço. — Tua pátria? — Ignoro a que latitude está situada. — A beleza? — Eu gostaria de amá-la, deusa e imortal. — O ouro? — Odeio-o tanto quanto você a Deus. — Que amas então, extraordinário estrangeiro? — Amo as nuvens… as nuvens que passam ao longe… as nuvens maravilhosas! ¹Charles Baudelaire, Pequenos poemas em prosa | O spleen de Paris. [tradução Paulo M. Oliveira (pseudônimo de Aristides Lobo)]. Coleção Biblioteca Clássica. Rio de Janeiro: Athena Editora, 1937.

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Marison Ranieri – Poesia – 16/06/24

Boa noite. Esquecimento Maison Raniere aprendi a me acostumar com o cheiro do carbono entre os carunchos, as flores murchas e o mofo nas juntas resisto sem atrapalhar o processo este corpo é alugado e eu pago com a teimosia de esperar que valham a pena as dores no joelho a falha na memória a água esverdeada e o amor a tudo que sobra

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T.S. Eliot – Poesia – 11/06/24

Boa noite. Retrato de uma dama-III T.S. Eliot¹ Cai a noite de Outubro; regressando como outrora, Excepto por uma leve sensação de estar inquieto, Galgo os degraus e giro a maçaneta da porta E sinto como se houvesse subido de quatro as escadas. “Com que então viajas? E quando voltas? Ora, que pergunta mais tola! Dificilmente o saberias. Hás de achar muito o que aprender lá fora.” Caiu-me lento o sorriso entre objetos antigos. “Poderás talvez escrever-me?” Por um segundo subiu-me o sangue à cabeça Como se assim eu calculasse este momento. “Tenho-me surpreendido com frequência ultimamente (Mas nossos princípios ignoram sempre nossos fins!) Por jamais nos havermos tornado amigos.” Senti-me como quem sorrisse, e ao voltar percebi, De repente, sua vítrea expressão. Perdi todo o controle; e em trevas na verdade mergulhamos. “Eu disse o mesmo para todos, todos os nossos amigos, Estavam todos certos de que nossos sentimentos Poderiam conjugar-se tão intimamente! Eu mesma dificilmente o entendo. Deixemos que isto fique agora à sua sorte. Escreverás, de quando em vez. E talvez nem demores tanto a fazê-lo. Estarei sentada aqui, servindo chá aos amigos.” E devo então trocar de forma a cada instante Para dar-lhe afinal uma expressão… dançar, dançar Como faria um urso bailarino, Tagarelar como um papagaio, rilhar os dentes como um bugio. Respiremos um pouco, no torpor de uma tragada. Bem! E se ela morresse numa tarde qualquer, Numa tarde enevoada e cinzenta, num encardido e róseo crepúsculo; Se ela morresse e me deixasse aqui sentado, a caneta entre os dedos. A névoa a cair sobre os telhados; Por um momento me perco em dúvidas, Já que não sei o que sentir ou se o entendo, Se sou um sábio ou simplesmente um tolo, cedo ou tarde… Não colheria ela algum lucro, afinal? Essa melodia culmina com uma “agonia de outono” E já que aqui falamos de agonia — Algum direito a sorrir eu teria? ¹Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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Louise Glüc – Poesia – 30/05/24

Boa noite Solitude Louise Glück¹ Está muito escuro, hoje; através da chuva, a montanha deixa de ser visível. O único som é o da chuva, arrastando a vida para debaixo da terra. E com a chuva vem o frio. Esta noite não haverá Lua, não haverá estrelas. O vento levantou-se durante a noite; fustigou o trigo toda a manhã parou ao meio-dia. Mas a tempestade continuou, encharcando os campos secos, inundando-os a seguir A terra desapareceu. Não há nada para ver, só a chuva a reluzir no escuro das vidraças. Este é o lugar de repouso, onde nada mexe – Agora voltamos ao que éramos – animais a viver na escuridão, desprovidos de linguagem ou de visão – Nada prova que estou viva. Há apenas a chuva, a chuva é infindável. ¹Louise Glück “Uma Vida de Aldeia”. [tradução Frederico Pedreira]. Edição bilíngue. Lisboa: Relógio D’Água, 2021

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Italo Calvino – Poesia – 13/05/24

Boa noite Após o sonho (extrato)¹ Ítalo Calvino Após o sonho, partiram em busca daquela cidade. Não a encontraram, mas encontraram uns aos outros. Decidiram construir uma cidade como a dos sonhos. In “as cidades invisíveis” ¹Nota do Editor. SOBRE O LIVRO “Se meu livro As cidades invisíveis continua sendo para mim aquele em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjeturas.” Assim se refere a este livro o próprio Italo Calvino – um dos escritores mais importantes e instigantes da segunda metade do século xx.

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Apollinaire – Poesia – 11/05/24

Boa noite Melancolia Apollinaire ¹ Os anjos no céu Um está vestido de oficial Um está vestido de cozinheiro E os outros cantam Belo oficial cor do céu A doce primavera longo tempo após o Natal Te dará a medalha de um belo sol De um belo sol O cozinheiro depena os gansos Ah! caia neve Caia e por que não tenho Minha bem-amada entre os braços? ¹ Wilhelm Albert Vladimir Apollinaris de Kostrowitzky * Roma, Itália – 26 de Agosto 1880 d.C + Paris, França – 9 de Novembro 1918 d.C

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Georg Trakl – Poesia – 10/05/24

Boa noite Calma e Silêncio Georg Trakl Pastores enterraram o sol na floresta nua. Um pescador puxou a lua Do lago gelado em áspera rede. No cristal azul Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas; Ou curva a cabeça em sono purpúreo. Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros Ao observador, santidade de flores azuis. O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados. De novo a fronte anoitece em pedra lunar; Um rapaz irradiante Surge a irmã em outono e negra decomposição. Tradução: Cláudia Cavalcante ¹Georg Trakl * Salzburgo, Áustria, 3 de Fevereiro de 1887 d.C Georg Trakl tornou-se, através dos poemas escritos sobretudo nos seus dois últimos anos, o maior dos expressionistas e um poeta de exceção que, estabelecendo o nexo entre a loucura de Höelderlin e o desespero de Paul Celan, tem sido cultuado quase secretamente por um sem número de leitores devotos.

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