Arquivo

J.G de Araújo Jorge – 01/08/24

Boa noite Bilhete J.G. de Araújo Jorge¹ O teu vulto ficou na lembrança guardado, vivo, por muitas horas!… e em meus olhos baços Fitei-te – como alguém que ansioso e torturado Tentasse inutilmente reavivar teus traços… Num relance te vi – depois, quase irritado Fugi, – e reparei que ao marcar os meus passos ia a dizer teu nome e a ver por todo lado o teu vulto… o teu rosto… e o clarão dos teus braços! Talvez eu faça mal em querer ser sincero, censurarás – quem sabe? Essa minha ousadia, e pensarás até que minto, e que exagero… Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo, que o que escrevo é infantil e absurdo, é fantasia, e afinal tens razão… nem sei por que te escrevo! Extraído do livro “Meu Céu Interior” 1ª edição, setembro,1934 ¹José Guilherme de Araújo Jorge * Taraucá, AC. – 20 de Maio de 1914 + Rio de Janeiro, RJ. – 27 de Janeiro 1987

Leia mais »

Maiakovski – Poesia – 22/07/24

Boa noite O amor Maiakovski Não acabarão nunca com o amor, nem as rusgas, nem a distância. Está provado, pensado, verificado. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente

Leia mais »

Miguel Torga – Poesia – 19/07/24

Boa noite Poema Miguel Torga ¹ A jovem deusa passa Com véus discretos sobre a virgindade; Olha e não olha, como a mocidade; E um jovem deus pressente aquela graça.   Depois, a vide do desejo enlaça Numa só volta a dupla divindade; E os jovens deuses abrem-se à verdade, Sedentos de beber na mesma taça.   É um vinho amargo que lhes cresta a boca; Um condão vago que os desperta e toca De humana e dolorosa consciência.   E abraçam-se de novo, já sem asas. Homens apenas. Vivos como brasas, A queimar o que resta da inocência.   ¹ Adolfo Correia da Rocha * Saborosa, Portugal – 12 de agosto de 1907 + Coimbra, Portugal – 17 de janeiro de 1995

Leia mais »

Mia Couto – Poesia – 13/07/24

Boa noite Beijo Não quero o primeiro beijo: Basta-me O instante antes do beijo.   Quero-me Corpo ante abismo, Terra no rasgão do sismo.   O lábio ardendo Entre tremor e temor, O escurecer da luz No desaguar dos corpos: O amor Não tem depois.   Quero o vulcão Que na terra não toca: O beijo antes de ser boca.   ¹Antônio Emílio Leite Couto *Beira, Moçambique – 5 de Julho de 1955

Leia mais »

Pedro Munhoz – Poesia – 10/07/24

Boa noite Morrer Pedro Munhoz Tenho morrido muitas vezes. Depois, respiro fundo, Lavo o rosto, sigo em frente. Não é fácil morrer, Difícil é renascer, Fingir-se de sol, Cegar a lua, Beber o mar. Detestável seria ter a covardia Dos que me mataram. Eu sigo renascendo, Eles seguem covardes.

Leia mais »

Adélia Prado

O que a memória ama, fica eterno. Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender. O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano. É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade. Diante do tempo envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto, nossos pais ainda vivem.   Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo. A capacidade de se emocionar vem daí: quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra aquela pessoa, aquele momento, àquela época… Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso, resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos, capazes de atitudes infantis e debilóides, como éramos há 20 ou 30 anos. Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras, apelidos… mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas.   A memória não permite que sejamos adultos perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempre “as crianças”, não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Prá eles a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da noite… ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou. Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial. Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve, daqui seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.

Leia mais »

T.S.Eliot – Poesia – 04/07/24

Boa noite Burt Norton(enxerto) T.S.Eliot O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado Se todo o tempo é eternamente presente Todo o tempo é irredimível O que podia ter sido é uma abstração Permanecendo possibilidade perpétua Apenas num mundo de especulação O que podia ter sido e o que não foi Tendem para um só fim, que é sempre presente Ecoam passos na memória Ao longo do corredor que não seguimos Em direcção à porta que nunca abrimos Para o roseiral. As minhas palavras ecoam Assim, no teu espírito… Mas para quê Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa? Não sei. Vai, vai, vai, disse a ave; O gênero humano não pode suportar muita realidade. O tempo passado e o tempo futuro O que podia ter sido e o que foi Tendem para um fim, que é sempre presente.

Leia mais »

Maria Teresa Horta – Poesia – 30/06/24

Boa noite. Enleio Maria Teresa Horta ¹ Não sei se volteio Se rodopio Se quebro Se tombo nesta queda em que passeio Não sei se a vertigem em que me afundo é este precipício em que me enleio Não sei se cair assim me quebra… Me esmago ou sobrevivo em busca deste anseio. ¹ Maria Teresa Mascarenhas Horta * Lisboa, Portugal – 20 de Maio de 1937

Leia mais »

Marison Ranieri – Poesia – 29/06/24

Boa noite Esquecimento Marison Ranieri aprendi a me acostumar com o cheiro do carbono entre os carunchos, as flores murchas e o mofo nas juntas resisto sem atrapalhar o processo este corpo é alugado e eu pago com a teimosia de esperar que valham a pena as dores no joelho a falha na memória a água esverdeada e o amor a tudo que sobra.

Leia mais »