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Li Mi-an – Poesia – 11/09/24

Boa noite Vida flutuante Li Mi-an¹ Até agora, a maior metade atravessei desta vida flutuante – eis a palavra mágica: pois nos veda provar alegrias além do que podemos ter! A metade da vida é o período melhor a que alguém chega, quando sabe andar devagar e, assim, anda em sossego. Vasto mundo terás meio entre o céu e a terra; mora a meio caminho entre a cidade e o campo, tem lavouras a meio entre rios e montanhas; sê meio intelectual, meio fidalgo e meio comerciante; vive em meio aos que são nobres, mas também em meio do povinho comum. Seja tua casa meio ornada, meio simples e, tendo móveis bons, pareça meio nua; tuas roupas, meio antigas e meio novas; as refeições, meio triviais, mas meio epicuristas. Tem criados não muito astutos, nem estúpidos; mulher não muito feia nem bela em excesso. Sinto em meu coração que, assim, sou meio Buda, quase meio bendito espírito taoísta. Metade do que sou ao Pai do céu devolvo e a outra metade deixo à minha descendência, meio pensando em tudo o que é mister prover para a posteridade e meio preocupado em como responder a Deus, depois que o corpo afinal repousar. Boa noite. É mais destro em beber quem só meio ébrio fica, e a flor ao entreabrir-se mais linda se revela; mais firme é o navegar do barco a meia vela; melhor trota o corcel de rédeas meio presas. Quem tem meios demais, soma-lhes a ansiedade quem de menos os tem, ganha sabor de posse. Como a vida se faz de doçura e amargor, quem só a metade prova é mais arguto e sábio. ¹Li Mi-an, poeta chinesa do século XVI

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Milan Kundera

“Para liquidar os povos, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se seus livros, sua cultura, sua história. E uma outra pessoa lhes escreve outros livros, lhes dá outra cultura e lhes inventa uma outra História.” – Milan Kundera. O Livro do Riso e do Esquecimento, 1978.

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Marina Grandolpho – Poesia – 26/08/24

Boa noite Bloco de notas Marina Grandolpho já não quebro apenas copos quebro também pratos tigelas travessas pires xícaras e no final de tudo espano as prateleiras desabitadas encobertas pela poeira que sempre fica hoje não vou escrever um poema de amor porque não quero mas sei, sei que no instante seguinte vou falar da cabeceira da nossa cama cúmplice de tantas conversas vou falar da mesinha lateral dona de seus livros tão empoeirados não, não vou não quero falar de amor então vou falar de algo externo ao nosso ninho ou pelo menos ao que costumávamos chamar de ninho vou falar das árvores lá fora das calçadas alvejadas pelos cacarejos dos pássaros vou falar das pedras que formam mosaicos no passeio vou falar também das pequenas coisas invisíveis a olho nu embora não possamos vê-las estão ali escondidas em cimento rejunte massa espreitando a vida nos entres conectando peças que nem sempre fazem sentido nem precisam fazer elas guardam nesses mínimos espaços os resquícios de passadas e segredos antigos que ninguém ousou dizer em voz alta e me parecem muito com o amor aquele de quem me recuso falar e que, ainda assim, está aqui

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Milan Kundera

“Para liquidar os povos, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se seus livros, sua cultura, sua história. E uma outra pessoa lhes escreve outros livros, lhes dá outra cultura e lhes inventa uma outra História.” – Milan Kundera. O Livro do Riso e do Esquecimento, 1978.

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Marieta Dobal – Poesia – 14/08/25

Boa noite. Cotidiano Marieta Dobal¹ Há esconderijos e fugas feitos em gostos e olhares: muitas pessoas na sua outras que falam ou grudam… Brotam papéis desta mesa e eu fugiria com fúria (penso nas coisas que tocam meu coração feito ouro…) Com os barulhos e vozes que me atordoam e ecoam fico encontrando os espaços para perder o decoro… eu na verdade queria tempo de sobra e saída… na insegurança das horas nós abraçados na esquina! ¹Marieta Cristina Dobal Campiglia * Montevideo, Uruguai Naturalizada brasileira. Atualmente mora em São Paulo. Profissional da área da saúde (com graduação em Enfermagem e pós graduação, Mestrado, pela Unifesp, São Paulo, em Saúde Mental, coordena curso de graduação em universidade particular em São Paulo, capital.

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Natasha Sardzoska – Poesia – 11/09/24

Boa noite Escamas Natasha Sardzoska verifico e procuro o homem que uma vez já fui e procuro a concha presa na garganta nos papéis vazios as gotas de tinta os filamentos dos nervos sobre meus dedos nas areias movediças minhas pernas inchadas: da roupa íntima que nunca jamais vesti Tradução de Prisca Agustini.

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João Cabral de Melo Neto – Poesia – 08/08/24

Boa noite. A Educação pela Pedra João Cabral de Melo Neto Uma educação pela pedra: por lições; Para aprender da pedra, frequentá-la; Captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas). A lição de moral, sua resistência fria Ao que flui e a fluir, a ser maleada; A de poética, sua carnadura concreta; A de economia, seu adensar-se compacta: Lições da pedra (de fora para dentro, Cartilha muda), para quem soletrá-la. Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática). No Sertão a pedra não sabe lecionar, E se lecionasse, não ensinaria nada; Lá não se aprende a pedra: lá a pedra, Uma pedra de nascença, entranha a alma. *João Cabral de Melo Neto * Recife,PE. – 9 de janeiro de 1920 d.C + Rio de Janeiro, RJ. – 9 de outubro de 1999 d.C

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Alice Ruiz – Poesia – 05/08/24

Boa noite. Dois em um Alice Ruiz Tem os que passam e tudo se passa Com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam tudo partido e tem, ainda bem, os que deixam a vaga impressão de ter ficado

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António Botto – Poesia – 03/08/24

Boa noite Quanto, Quanto me Queres? António Thomaz Botto Quanto, quanto me queres? – perguntaste Numa voz de lamento diluída; E quando nos meus olhos demoraste A luz dos teus senti a luz da vida. Nas tuas mãos as minhas apertaste; Lá fora da luz do Sol já combalida Era um sorriso aberto num contraste Com a sombra da posse proibida… Beijámo-nos, então, a latejar No infinito e pálido vaivém Dos corpos que se entregam sem pensar… Não perguntes, não sei – não sei dizer: Um grande amor só se avalia bem Depois de se perder. ¹António Botto * Abrantes, Portugal – 17 de Agosto de 1897 + Rio de Janeiro, Brasil –  16 de Mar de 1959

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Lord Byron – Poesia – 01/08/24

Boa noite A Inês Lorde Byron A Inês Não me sorrias à sombria fronte, Ai! sorrir eu não posso novamente: Que o céu afaste o que tu chorarias E em vão talvez chorasses, tão somente. E perguntas que dor trago secreta, A roer minha alegria e juventude? E em vão procuras conhecer-me a angústia Que nem tu tornarias menos rude? Não é o amor, não é nem mesmo o ódio, Nem de baixa ambição honras perdidas, Que me fazem opor-me ao meu estado E evadir-me das coisas mais queridas. De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo, É esse tédio que deriva, e quanto! Não, a Beleza não me dá prazer, Teus olhos para mim mal têm encanto. Esta tristeza imóvel e sem fim É a do judeu errante e fabuloso Que não verá além da sepultura E em vida não terá nenhum repouso. Que exilado – de si pode fugir? Mesmo nas zonas mais e mais distantes, Sempre me caça a praga da existência, O Pensamento, que é um demônio, antes. Mas os outros parecem transportar-se De prazer e, o que eu deixo, apreciar; Possam sempre sonhar com esses arroubos E como acordo nunca despertar! Por muitos climas o meu fado é ir-me, Ir-se com um recordar amaldiçoado; Meu consolo é saber que ocorra embora O que ocorrer, o pior já me foi dado. Qual foi esse pior? Não me perguntes, Não pesquises por que é que consterno! Sorri! não sofras risco em desvendar O coração de um homem: dentro é o Inferno.

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