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Ledo Ivo – Poesia – 22/11/23

Boa noite Soneto Puro Lêdo Ivo¹ Fique o amor onde está; seu movimento nas equações marítimas se inspira para que, feito o mar, não se retire das verdes áreas de seu vão lamento. Seja o amor como a vaga ao vago intento de ser colhida em mãos; nela se mire e, fiel ao seu fulcro, não admire as enganosas rotações do vento. Como o centro de tudo, não se afaste da razão de si mesmo, e se contente em luzir para o lume que o ensolara. Seja o amor como o tempo — não se gaste e, se gasto, renasça, noite clara que acolhe a treva, e é clara novamente ¹Lêdo Ivo * Maceió, AL – 18 de Fevereiro de 1924 + Sevilha, Espanha – 23 de dezembro de 2012

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Pablo Neruda – Poesia – 20/11/23

Boa noite Soneto * Pablo Neruda¹ Saberás que não te amo e que te amo posto que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem uma metade de frio. Eu te amo para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda. Te amo e não te amo como se tivesse em minhas mãos as chaves da fortuna e um incerto destino desafortunado. Meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo. *in cem sonetos de amor e uma canção desesperada ¹Neftalí Ricardo Reyes * Parral, Chile – 12 de Julho de 1904 d.C + Santiago, Chile – 23 de Setembro de 1973 d.C

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Yeats – Poesia – 19/11/23

Boa noite Velejando para Bizâncio William Buttler Yeats¹ Aquela não é terra para velhos. Gente jovem, de braços dados, pássaros nas ramas — gerações de mortais — cantando alegremente, salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas, peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente. Ao som da música sensual, o mundo esquece as obras do intelecto que nunca envelhece. Um homem velho é apenas uma ninharia, trapos numa bengala à espera do final, a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria sobre os farrapos do seu hábito mortal; nem há escola de canto, ali, que não estude monumentos de sua própria magnitude. Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância, em busca da cidade santa de Bizâncio. Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado, como se num mosaico de ouro a resplender, vinde do fogo santo, em giro espiralado, e vos tornai mestres-cantores do meu ser . Rompei meu coração, que a febre faz doente e, acorrentado a um mísero animal morrente, já não sabe o que é; arrancai-me da idade para o lavor sem fim da longa eternidade. Livre da natureza não hei de assumir conformação de coisa alguma natural, mas a que o ourives grego soube urdir de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas, para acordar do ócio o sono imperial; ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas, pousado em ramo de ouro, como um pássaro, o que passou e passará e sempre passa. Tradução de Augusto de Campos ¹ William Buttler Yeats * Dublin, Irlanda – 13 de Junho de 1865 + Menton, França – 28 de Janeiro de 1939

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Pushkin – Poesia – 18/11/23

Boa noite Os olhos dela Pushkin¹ É terror do herói palaciano E bela – aqui posso afirmar -, E é lícito -e, em verso, de plano – Cada seu olho circassiano A estrela do sul comparar. Ela os emprega, se tem azo; Arde nos dois vivo clarão. Mas disto, confessa, faz caso De minha Olènina o olhar? Não. E há neles pensativo duende, E muita infantil expansão, E muito que ao langor atende, E volúpia e imaginação. Se a sorrir qual Lel, ela os desce, Triunfam as graças do pudor; Se os alça, eis anjo que se esquece A contemplar (Sanzio…) o Criador ¹ Aleksandr Sergeevich Pushkin Poeta e novelista Russo * Moscou, Rússia – 1799 d.C + Moscou, Rússia – 1873 d.C

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Robert Creeley – Poesia – 16/23/23

Boa noite A Conspiração Robert Creeley¹ Envie-me seus poemas, enviarei os meus. As coisas tendem a despertar até entre uma mensagem, a esmo Deixe-nos subitamente proclamar a primavera. E rir dos outros. Todos os outros. Também mandarei um retrato meu Se você me enviar o seu ¹Robert Creeley * Massachusetts, Usa – 21 de Maio 1926 d.C + Carolina do Norte, Usa – 30 de Março de 2005 d.C A poética da respiração concisa. Um dos mais importantes poetas norte-americanos, Robert Creeley privilegia em sua poesia a percepção refinada das coisas e dos ritmos da fala, que reinventam o cotidiano.

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Hannah Arendt – Poesia – 15/11/23

Boa noite Cansaço Hannah Arendt¹ Tarde caindo — Um suave lamento soa nos pios dos pássaros que convoquei. Muros cinzentos desmoronam. Minhas próprias mãos encontram-se novamente. O que amei não posso manter. O que me cerca não posso deixar. Tudo declina enquanto cresce a escuridão. Não me domina — deve ser o curso da vida. ¹Johanna Arendt * Hanôver, Alemanha, 14 de outubro de 1906 d.C + Nova Iorque, Estados Unidos, 4 de dezembro de 1975 d.C

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Fernando Pessoa – Poesia – 13/11/23

Boa noite Estou cansado da inteligência Álvaro de Campos/Fernando Pessoa¹ Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções. Uma grande reacção aparece. Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo Na casa antiga da quinta velha. Pára, meu coração! Sossega, minha esperança fictícia! Quem me dera nunca ter sido senão o menino que fui… Meu sono bom porque tinha simplesmente sono e não ideias que esquecer! Meu horizonte de quintal e praia! Meu fim antes do princípio! Estou cansado da inteligência. Se ao menos com ela se apercebesse qualquer coisa! Mas só percebo um cansaço no fundo, como baixam na taça Aquelas coisas que o vinho tem e amodorram o vinho. ¹ Fernando Antonio Nogueira Pessoa * Lisboa, Portugal – 13 de Junho de 1888 + Lisboa, Portugal – 30 de Novembro de 1935

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Juan Gelman – Poesia – 12/11/23

Boa noite Poema Juan Gelman¹ hoje chove muito, muito, dir-se-ia que estão a lavar o mundo. o meu vizinho do lado vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor uma carta à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher entra em casa pela janela e não pela porta por uma porta entra-se em muitos sítios no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher / nem na alma quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim como hoje / que chove muito e me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e só a alma sabe onde as duas se encontram e quando / e como mas que pode a alma explicar por isso o meu vizinho tem tempestades na boca palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu / que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado ¹ Juan Gelman * Buenos Aires, Argentina – 5 de março de 1930 + Buenos Aires, Argentina – 14 de janeiro de 2014

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Jorge Luiz Borges – Poesia – 11/11/23

Boa noite O nosso Jorge Luiz Borges Amamos o que não conhecemos, o já perdido. O bairro que já foi arredores Os antigos que não nos decepcionaram mais porque são mito e esplendor. Os seis volumes de Schopenhauer que jamais terminamos de ler. A saudade, não a leitura, da segunda parte do Quixote. O oriente que, na verdade, não existe para o afegão, o persa ou o tártaro. Os mais velhos com quem não conseguiríamos conversar durante um quarto de hora. As mutantes formas da memória, que está feita do esquecido. Os idiomas que mal deciframos. Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais do que um hábito. Os amigos que não podem faltar porque já morreram. O ilimitado nome de Shakespeare. A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa. O xadrez e a álgebra, que não sei. Jorge Luis Borges * Buenos Aires, Argentina – 24 de Agosto de 1899 + Genebra, Suíça – 14 de Junho de 1986

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Christopher Marlowe – Poesia – 09/11/23

Boa noite Quem que sempre amou não amou à primeira vista? Christopher Marlowe¹ Em nosso poder não está amar ou odiar, Pois o fado invalida o nosso desejar. Quando dois se despem, um longo curso começa, Almejamos que um amar deva, o outro vença. E sentimos especial feição por um Dos dois lingotes d’ouro, como a cada um: Por razão que ninguém sabe, suficiente O que a nossos olhos censurado se encontre. Quando se deliberam, o amor de pesos dista: Quem que sempre amou não amou à primeira vista? Tradução de Adriano Nunes ¹Christopher Marlowe *Cantuária, Inglaterra – ? +Londres, Inglaterra – 30 de Maio de 1593

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