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País tem pacto antiliberal entre elites e governo, diz Persio Arida

O Brasil foi o último país a ter escravidão. Foi o último a ter hiperinflação e tem um regime de remuneração do FGTS que prejudica os trabalhadores. Demorou muito para criar a Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura. Por detrás desses fatos está um pacto antiliberal formado entre elites e governo. A análise é do economista Persio Arida, 59, um dos idealizadores do Plano Real, que enxerga um denominador comum entre escravidão, hiperinflação e FGTS: “os mais prejudicados são os mais pobres, sempre”. Ex-presidente do Banco Central e hoje sócio do banco BTG Pactual, ele avalia que o primeiro ano do governo Dilma Rousseff foi bem-sucedido do ponto de vista macroeconômico. “É um governo mais austero”, declara. Mas diz não gostar do que define como “uma tendência protecionista”, revelada do caso do aumento do IPI para os automóveis importados. “Se está protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais”, afirma. Arida ataca também o novo reajuste do salário mínimo que, para ele, não distribui renda nem dinamiza a economia e vai “na contramão de tudo que o país precisa”. Ex-presidente do BNDES, ele discorda da atual política da instituição de fortalecer os chamados “campeões nacionais”, os grandes grupos. Na sua visão, “quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES”. Arida prevê uma trajetória de recuperação para os Estados Unidos e acha que a desaceleração suave na China não vai ter impacto dramático para o Brasil. O maior problema, para ele, está na Europa e no seu sistema bancário. Lá países podem sair do euro isoladamente ou a situação pode ser empurrada com a barriga. Há também possibilidade de nacionalização de bancos. “Há que salvar os bancos”, defende, lembrando que o grande drama da recessão de 1929 foi a quebra dos bancos. “Não se pode repetir os erros de 29”, alerta.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] A seguir, a entrevista. Folha: Qual avaliação do governo Dilma? Persio Arida: O governo Dilma teve o desafio de enfrentar o legado de uma economia excessivamente aquecida em 2009/2010. Optou por fazer um “soft landing”, baixando ao mínimo a inflação, para evitar que uma desinflação muito rápida sacrificasse por demais o nível de emprego. O resultado de 2010 foi bom nesse sentido do “soft landing”. A inflação reverteu a trajetória de alta, embora ainda esteja no topo da banda. A atividade econômica está desacelerando para a taxa de crescimento brasileira de longo prazo, que é algo entre 3,5% e 4%. Desse ponto de vista, o desafio macroeconômico, que era como lidar com o aquecimento excessivo de 2010, foi bem resolvido para esse ano de 2011. Não foi um erro ter segurado a economia em demasia no início do ano passado; agora o governo quer estimulá-la novamente. O desaquecimento tem mais a ver com essas medidas do que com a crise no exterior, certo? O desaquecimento é primordialmente ditado pelas medidas; é um desaquecimento intencional e necessário e foi numa boa medida. A economia brasileira não cresce a taxas de 2010 _são insustentáveis. Por quê? Porque é muito acima da taxa de crescimento normal, leva a sobreaquecimento, pressão inflacionária excessiva, gargalos de infraestrutura, falta de poupança doméstica. Há inúmeros fatores que fazem com que a economia não possa crescer a 7% ao ano de forma sustentada. Então o normal é um crescimento baixo? O crescimento é o que é. Na economia brasileira hoje a taxa sustentável de crescimento é algo em torno de 3,5%, 4%. Sustentável no sentido de capaz de manter a inflação sob controle e evitar gargalos maiores nos processos de infraestrutura. Para crescer mais do que isso, se precisaria ou ter mais poupança doméstica ou ter mais poupança externa. Mais poupança externa não seria prudente, pois já estamos com déficit de conta-corrente. Para ter mais poupança doméstica teriam que ser feitas reformas estruturais que não vejo sendo encaminhadas no momento. Do ponto de vista macroeconômico foi um ano muito bem sucedido. Essa desaceleração recente da economia brasileira no último trimestre é um pouco enganosa; a economia vai acelerar de novo este ano, ao longo do ano. Acho que 2012, se não houver um percalço maior lá fora, teremos de novo uma taxa de crescimento de 3,5%, 4%. E inflação, câmbio, juros? A inflação deve seguir com a tendência moderada de queda. Câmbio é a variável mais difícil de imaginar. É a variável mais suscetível a eventos externos. Depende muito do que acontecer no resto do mundo. A economia norte-americana está em trajetória de recuperação, o que tende a fortalecer o dólar. Se não houver uma mudança política muito radical nos EUA, a recuperação vai continuar. A política de juro zero com “quantitative easing” norte-americana vai ser suficiente para, ao longo do tempo, fazer com que os EUA voltem à trajetória de crescimento de longo prazo. A China tem outra trajetória de “soft landing”, que acho que também vai ser bem-sucedida. Sou mais otimista, acho que a China vai crescer perto de 8,5% neste ano, o que para a China é um “soft landing”. O grande desafio é a Europa. É a grande incerteza que tem no cenário. Como este “soft landing” da China vai afetar o Brasil, já que a ligação entre as economias é muito grande? Menos do que as pessoas pensam. Porque o “sotf landing” chinês não implica nenhuma redução abrupta da demanda de matérias-primas brasileiras. Tem muito mais a ver com a transformação da China de uma economia primordialmente exportadora para uma economia voltada para o mercado doméstico. A China, por razões de demografia e do próprio desenvolvimento, não consegue mais sustentar taxas de crescimento de 10%, 11% sem pressão inflacionária. Os salários na China estão claramente subindo. A China, que foi uma força deflacionária para o mundo, hoje está deixando de sê-la. A desaceleração da China é consequência do próprio crescimento, primordialmente do mundo e dela em especial. Mas é uma desaceleração relativamente suave, acho que não vai ter impacto dramático nenhum. Sobre EUA, alguns acham os dados recentes

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Economia: Como manter o Euro no ar

Ninguém ousa dizer que na realidade há uma falta absoluta de alternativas de um lado ou do outro do Atlântico. Desde Locke, e demais seguidores e teóricos do liberalismo absolutista, que se houve a cantilena ensaiada da “necessidade da privatização incontida e incondicional dos bens públicos capazes de tornar o Estado um vetor de desenvolvimento, pelo corte substancial nos investimentos, sobretudo os sociais, e pela dispensa e arrocho em relação aos trabalhadores e aposentados do setor.” Emblemática é a declaração do ministro das finanças da Itália: “Não deve haver ilusões sobre quem será salvo. Como no Titanic, os passageiros da primeira classe também não serão capazes de se salvar”. O Estado mínimo minguou de vez. Marx sorri na tumba. O Editor Por Martin Wolf/Valor Econômico A aeronave da zona do euro foi criada “com uma asa e uma oração”. A asa caiu e os deuses não estão ouvindo as orações. Todo mundo está se concentrando em evitar uma queda. Mas é igualmente vital indagar: como pilotar com segurança? E como foi que a zona do euro mergulhou em seu infortúnio? Parte da resposta é que não dispunha de mecanismos para enfrentar crises, que seus membros divergiram enormemente e que foi prejudicada por seus primeiros sucessos. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]As condições de crédito fácil e juros baixos na primeira década produziram bolhas no mercado imobiliário e crescimento explosivo na tomada de empréstimos pelo setor privado na Irlanda e na Espanha, captação exagerada de empréstimos pelo setor público na Grécia, declínios na competitividade externa da Grécia, Itália e Espanha, e enormes déficits externos, na Grécia, Portugal e Espanha. Quando os mercados financeiros entraram em pânico, os devedores sofreram uma “parada súbita”, o que causou crises de iliquidez e insolvência em cascata de países e bancos. A zona do euro está correndo para alcançá-las. Mas a crise é mais rápida. Quase metade da dívida soberana exibe elevado risco de crédito. A zona do euro não dispunha de mecanismos para o financiamento, entre países, dos tomadores de empréstimos que perderam acesso a recursos financeiros. Em tese, o ajuste deveria ter ocorrido por meio dos mecanismos clássicos: uma espiral de inadimplência de países, colapsos bancários, desaquecimento econômico, desemprego, salários em queda, austeridade fiscal e infelicidade generalizada. Ninguém preveniu a sociedade de que tal brutalidade está à espreita. Os políticos também não entenderam isso. Quando chegou a hora, todos hesitaram em agir. Então, o que precisa ser feito? A resposta vem em dois pares: o primeiro é “estoques e fluxos”, o segundo é “financiamento e ajuste”. Estoques refere-se a zerar a herança do passado. Fluxos referem-se a necessidade de retomada do crescimento econômico sustentável. Financiamento e ajuste referem-se ao como e quando dos esforços para zerar os estoques e restaurar a sustentabilidade dos fluxos. Vários membros da zona do euro saíram da crise com enorme excessos de dívida privada e soberana. Se esses estoques não puderem ser rolados, permanecerá uma mescla de financiamento e reestruturação. A reestruturação da dívida do setor privado que está sendo organizada não oferece praticamente nenhum alívio à Grécia, mas alívio substancial para antigos credores privados. No caso da Grécia, certamente (e, possivelmente, Portugal e Irlanda), é essencial uma redução substancial dos encargos do serviço da dívida. Esse problema passa também pelos bancos, onde o estoque excessivo de empréstimos de qualidade duvidosa prejudica tanto a solvência como a liquidez. Novamente, nesse caso, a solução é financiamento – injeções de capital e apoio do banco central – e reestruturação – depreciação de ativos e de alguns passivos. Lidar com os estoques é relativamente simples. Um desafio muito maior é conseguir fomentar fluxos sustentáveis de receitas e despesas a elevados níveis da atividade econômica. Isso significa muito mais do que a austeridade fiscal com a qual os europeus estão obcecados. Parafraseando o historiador romano Tácito, “eles criam uma depressão e a denominam de estabilidade”. Para que a atividade seja restaurada, os déficits estruturais externos precisam cair para níveis facilmente financiáveis por meio de mercados privados. A Grécia e Portugal têm grandes déficits externos, um indicador irrefutável de grave falta de competitividade. Isso é também um pouco preocupante para a Espanha e a Itália, mas o problema ali é menor. A Irlanda tem um superávit externo, o que é animador para seu futuro. Ajustes desse tipo levam tempo: é preciso que ocorram grandes mudanças tanto nos preços relativos como nos investimentos em novas atividades. Em análise pessimista para a londrina Lombard Street Research, Christopher Smallwood argumenta que a Grécia e Portugal – e até mesmo Itália e Espanha – restabelecerão sua competitividade por meio de dolorosas quedas salariais e demissões em massa.* O que torna ainda mais difícil o ajuste é que ele envolve dois lados. Para que os déficits externos diminuam, também deverão encolher os superávits no outro lado da equação. Isso tem implicações evidentes para a Alemanha e outros países centrais. Mas esses países não reconhecem a necessidade de se ajustarem. Eles acreditam que uma só mão é capaz de bater palmas. A natureza dúplice do ajuste pode não ser tão importante para países devedores de pequeno porte. Mas é bem mais relevante no caso dos países de maior porte. Se o ajuste necessário revelar-se impossível dentro da camisa de força da zona euro, existirão duas alternativas: abandonar o euro, com os riscos que comentei duas semanas atrás ou financiamento permanente por meio de uma união fiscal, mantendo, assim, as economias moribundas na UTI. Essa opção pode ser viável para uma ou duas economias de pequena dimensão. Mas seria impossível, economica ou politicamente, para as maiores. É por isso que os elevados spreads atuais sobre a dívida italiana e espanhola são tão perigosos para o futuro da zona euro. O problema está nos fluxos, idiota. Apenas reduzir a carga de endividamento não resolverá esse problema. Devemos temer que economias profundamente não competitivas, não serão financiadas, mas não conseguirão se ajustar. Se assim for, eles poderão simplesmente definhar. É por isso que algumas pessoas já afirmam que a solução poderá ter de incluir o

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Economia e impostos – Por que a classe média virou alvo dos fiscalistas

A história é impassível testemunha do papel exercido pela classe média no equilíbrio – tanto na micro, como na macro economia – de habitar os dois extremos da dualidade pobreza/riqueza. No fim e ao cabo, é a classe média o “remédio” usado, sempre, para manter a sanidade da economia, sendo ocasionalmente agraciada com um mínimo de “benesses”, e majoritariamente servindo de saco de pancadas para absorver os choques e as pressões oriundas da tentativa de salvar o moribundo capitalismo, e manter o apetite pantagruélico do Estado burguês. A classe média termina como o miolo do sanduíche. É quem sempre finda por “pagar o pato”. No histórico diálogo reproduzido abaixo, tem-se a constatação de que nada mudou. De Adam Smith a Locke, passando por Mills, a farsa do Estado Liberal continua capaz de fazer de Molière um aprendiz de bufão. O Editor Cândido Portinari (Brodowski, SP. – 29 de dezembro de 1903 – Rio de Janeiro, RJ. – 6 de fevereiro de 1962) Retirantes – óleo sobre tela – 1944 – 190 x 180cm Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV Jean Baptiste Colbert – ministro de estado de Luis XIV * Reims, França – 29 de Agosto de 1619 d.C + Paris, França – 06 de Setembro de 1683 d.C Jules Mazarino – foi cardeal e primeiro ministro da França * Pescina, França – 14 de julho de 1602 d.C + Pescina, França – 9 de março de 1661 d.C Colbert: Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar (o contribuinte) já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é que é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço… Mazarino: Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão. Mas o Estado… o Estado, esse, é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se…todos os Estados o fazem! Colbert: Ah, sim? O Senhor acha isso mesmo? Contudo, precisamos de dinheiro. E como é que havemos de o obter se já criámos todos os impostos imagináveis? Mazarino: Criam-se outros. Colbert: Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres. Mazarino: Sim, é impossível. Colbert: E, então … os ricos? Mazarino: Os ricos também não. Eles não gastariam mais. Um rico que gasta faz viver centenas de pobres. Colbert: Então, como havemos de fazer? Mazarino: Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há uma quantidade enorme de gente situada entre os ricos e os pobres: os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tiramos. É um reservatório inesgotável! Extraído de “Diálogos de Estado” [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Cadê o liberal que estava aqui?

Liberais em falta por:Sandro Vaia ¹ blog do Noblat Houve um tempo, mais precisamente durante o vintênio militar, que ser de direita no Brasil não era apenas de bom tom, como era praticamente obrigatório, sob pena de ser mal visto, na mais benigna das hipóteses, ou de ser preso e torturado, na mais policialesca e brutal das hipóteses. O partido do governo, a Arena, que juntava direitistas natos e convictos, oligarcas do atraso, coronéis dos grotões e oportunistas de toda espécie (partidos que apóiam o governo no Brasil costumam atrair mais arrivistas do que os postes de luz atraem mariposas) chegou a ser proclamado “o maior partido do Ocidente” pelo seu então presidente,o inesquecível Francelino Pereira. As inacreditáveis alquimias políticas do Brasil foram transformando a face da Arena. Depois do final da ditadura tentou se tornar mais palatável com o nome de PDS-Partido Democrático Social. Uma costela dele,cansada do desgaste de ter que administrar os detritos políticos da ditadura, separou-se do corpo e mudou para PFL – Partido da Frente Liberal – que nasceu para apoiar o candidato da oposição Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Mais tarde, entrou no condomínio de poder com o PSDB no governo Fernando Henrique, até vir a se transformar em Democratas, apelido DEM, uma espécie de partido liberal ma non troppo, que perdeu seu passado e em compensação também não achou seu futuro e está à beira de um ataque de nervos em busca de sua própria identidade. Num dia desta semana ,o DEM ,depois de uma desastrada performance sob a presidência do jovem Rodrigo Maia, amanheceu sob nova direção. Seu novo-velho presidente, José Agripino, fez questão de dizer, como é de praxe nos momentos atuais, que o DEM “não é um partido de direita”. Mas o que é, então, o DEM nessa geléia partidária brasileira ? Desde o final da ditadura e depois do tumultuado período de Collor,o Breve, a narrativa política brasileira tornou hegemônico o discurso esquerdista,e mais precisamente os ideais de uma certa e vaga social democracia, defendida em variados matizes por PT,PSDB e vários outros partidos-satélites.na contramão dos ventos históricos que varreram o mundo depois da derrocada do Muro de Berlim. Ok, ser de direita é de mau gosto, deselegante até, quase uma ofensa nos círculos contemporâneos do bem pensar. Disgusting. Mas então quem é que vai representar as pessoas que continuam achando que a melhor forma de liberdade e de avanço social é representada por uma economia de mercado, aberta, livre e competitiva? Quem é que vai se opor ao avanço do Estado não só sobre o bolso do contribuinte, mas também na demarcação dos territórios onde o indivíduo exerce seu livre arbítrio? No mercado de idéias políticas do país há alguns milhões de desamparados à espera de alguém que tenha a coragem de assumir a representação de um pensamento político liberal e democrático. O DEM não parece muito disposto a vestir a camisa liberal e assumir a defesa desses sem-partido. Na verdade, como em suas origens arenistas, parece ter mais apetite por projetos de poder do que por um projeto de País. ¹ Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.. E.mail: svaia@uol.com.br

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