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Ivan Lessa e a explosão populacional

Nós, 7 bilhões do planeta Terra, terceiro à direita de quem vem do Sol, gostaríamos de lavrar nosso protesto. Nós, 7 bilhões, por uma vez estamos quase todos de acordo: não somos 7 bilhões e protestamos com veemência contra a arbitrariedade que não tem outro propósito a não ser nos assustar com a possibilidade de uma explosão populacional. Nós, 7 bilhões, desconfiamos da data escolhida para marcar um evento sem fundamento científico: o dia em que também se comemora o Halloween, Dia das Bruxas e ainda “Raloim”. Nós, 7 bilhões, questionamos a validade das pesquisas que indicam o nascimento de um de nós a cada 51 minutos. Nós, 7 bilhões, perguntamos pelos dados referentes a quantos sobem, pedem o boné ou batem com as dez por minuto? Nós, 7 bilhões, consideramos a omissão um desrespeito aos mortos deste e de todos os tempos. Nós 7 bilhões, insistimos em saber por que não 7.101.345.857 ou 6.978.502.231, com casa decimal para indicar evolução fracionária? Nós, 7 bilhões, aceitamos o capricho numerológico, que não é mais que uma faixa a ser dada para o heptabilionésimo habitante desta bola achatado nos polos, que também está fichada e registrada como Mundo em estudos tidos como de séria metodologia. Nós, 7 bilhões, teríamos prazer em cumprimentar este cidadão, mas não acatamos como verdade a conta imaginada. Nós, 7 bilhões, aceitamos, no entanto, as cifras, para não criar mais um caso entre as organizações que lidam com essas supostas verdades. Nós, 7 bilhões, reiteramos nossa boa vontade e disposição afim de não criar marolas, ondas ou tsunamis num planeta já caquético e manquitola. Nós, 7 bilhões, agradecemos o fato de que ainda não fomos chamados de terráqueos. Quando, e se tal acontecer, nós, 7 bilhões, nos defenderemos com qualquer arma que estiver à mão, seja pedra ou engenho nuclear. Nós, 7 bilhões, somos gente. Pobres, desgraçados, sofridos, humilhados, ofendidos, pisoteados, doentes, esfomeados e sedentos, mas gente. Não repararam nisso? Nós, 7 bilhões, nos revoltamos com essa transformação em número a que nos impuseram. Nós, 7 bilhões, desconfiamos desse relógio empregado para nós e das motivações para seu uso. Nós, 7 bilhões, não somos simbólicos. Nós, 7 bilhões, não fazemos parte de qualquer rede de comunicação social. Nós, 7 bilhões, estamos sós. Sós, sós, sós. Nós, 7 bilhões, fedorentos e esfarrapados, pouco importa nosso verdadeiro número (que ninguém sabe e nunca saberá), já nos acostumamos, em nossa miséria, a canalhices e injustiças maiores. Nós, 7 bilhões, empunhando cartazes imaginários porém eloquentes e cobertos de verdades, acampamos e ocupamos este planeta acusando que ele deveria ser nosso mas é de vocês, uma minoria que se recusa a ser contada em qualquer engenho informático. Nós, 7 bilhões, não endossamos produto algum. Nós, 7 bilhões, não temos nada o que comprar e pouco para vender. Nós, 7 bilhões, vamos vivendo, por assim dizer. Nós, 7 bilhões, sabemos ou assistimos ao que decidiram que é contagem: subiu um aqui agora, e outro ali e mais outro logo adiante. Nós, 7 bilhões, apontamos para o fato com choro e vela. Nós, 7 bilhões, ouvimos o espoucar de vários chegando em seguida, os tais “51 por minuto”, e, apesar de todos os enganos, esperançosos, louvamos o fato. Nós, 7 bilhões, observamos que eles já vêm brincando de onomatopeia, como se fossem essas, como serão, suas únicas chupetas: plop e plop e plop. Nós, 7 bilhões, não somos 7 bilhões. Somos a quadratura do círculo, o número secreto que jaz por trás da construção das pirâmides, o pi em toda sua extensão. Ninguém nos conhece, ninguém nos conhecerá. Fiquem descansados. Apesar de tudo, só chacinamos por uma questão de estética e equilíbrio. Mas chacinamos. Contem quantos somos, só não contem conosco. Ivan Lessa/BBC Londres 

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Ivan Lessa e a bacteria do Pepino

O humor refinado e a pena ferina de Ivan Lessa, temperam pepino com Hamlet.O Editor Tudo mata Ivan Lessa/Colunista da BBC Brasil Primeiro, era para a gente não comer manteiga. Manteiga matava. Depois ovo. Ovo matava. O companheiro completava 18 anos e saía sem dar a menor pelota de casa e ia às ruas. Nunca lhe avisaram que as ruas matavam. Continuam matando. Viver é morrer. Uma coisa está embutida na outra e é preciso que alguém nos dê um guia para não morrer antes do tempo. Se é que há um tempo para morrer. Fato é que a vida é um conjunto de superstições, com avanços e recuos científicos. Para cada caneta esferográfica (uma das grandes invenções da humanidade) há uma bomba atômica pronta para explodir nas 32 esquinas que nos cercam. Por falar em superstição, lembro que Carlito Rocha, durante os anos 40 um alto e pitoresco dirigente do Botafogo (foi o responsável pela adoção oficial pelo time do Biriba, um cachorro que entrou em campo um dia e nunca mais abandonou a equipe da estrela solitária), adotou a política de fazer com que os jogadores, antes de entrar em campo, chupassem uma manga. Isso porque era voz corrente – leia-se superstição – o fato de que “manga com cachaça mata”. Não mata nada. Mas era uma maneira de evitar que o pessoal tomasse umas e outras em dia de jogo. Carlito Rocha também cismou com calção preto e uma beleza de camisa de mangas compridas e abotoada na frente, que, em 1948, a equipe usou por um ou dois jogos até levar uma tunda de um Bonsucesso ou Olaria. Coisas que só aconteciam com o Botafogo, conforme o bordão da época. Morre-se de bomba, homem-bomba e carro-bomba no Iraque e no Afeganistão. Acham muito natural. Nenhum cientista procurou estudar a sério esse fenômeno dos homens terem mania de matar outros homens, em vez, coisa muito melhor, de ficar tomando cachaça e chupando manga (a melancia seguida de álcool também mata, segundo o lendário popular). É esperado, é natural, é lógico. Agora, bota um surto de infecções intestinais, mortes e gente vomitando a alma e voando para os banheiros, tudo por causa do danado do pepino, e a notícia abafa qualquer outra. Até o momento em que escrevo 18 já “subiram” graças ao pepino, que a princípio achavam que fosse o espanhol. A Espanha é um país orgulhoso e zela por suas tradições, tais como a Inquisição, o ditador Francisco Franco e as equipes do Real Madrid e do Barcelona. Ficaram uma fúria e, em protesto contra o que chamaram até mesmo de “má fé” dos cientistas alemães, que deram o “primeiro a piar”, desandaram a devorar o insinuante legume na natural, sem vinagre ou azeite nem nada (aliás o azeite espanhol, há tempos já foi tido como responsável pela morte de algumas dezenas ou mais de pessoas, mas disso já se esqueceram) só para mostrar que a bactéria do E. Coli não tinha sotaque nem de Castilha nem da Galiza (e não Galícia, friso). En passant, eu que sou mal-informado, desatento e pouco sério, sempre achei que o tão falado E. Coli era um atacante veterano do Barça ou do Real Madrid. E que o E era apenas a inicial de Eduardo. Eduardo Coli, vulgo Coli, cujo passe, comprado do Bahia FC, custara uma pequena fortuna. Os fatos, esses chatos, indicam que me enganei, mais uma vez. Não foi o Coli o responsável pelos 1.169 casos registrados, até esta quinta-feira, na Europa. Alemanha, Suécia, foram todos de Escheverichia coli, pois esse o nome do bacilo ou da bactéria simbiente em questão. Há outros suspeitos na fila, depois da Espanha: Holanda e Dinamrca entre eles. Seria engraçado, num sentido macabro, se a Dinamarca fosse a responsável pelo assustador surto. Só porque proibiu a venda, em todo o território nacional, da pasta Marmite (“Você Ama ou Odeia” é seu slogan) noticiado aqui com pesar na seção BBC à Mesa, servida pelo Thomas Pappon. A Dinamarca já proibira anteriormente o nosso Ovomaltine (ou Ovaltine por aqui) e o Horlicks, um ingrediente à base do malte, frio ou quente, que eu amo e pode ser preparado (duas colheres e leite) tanto no inverno quanto no verão. Agora segurem essa, dinamarqueses, mais chatos e pouco melancólicos, perdendo longe para o malfadado e doce príncipe Hamlet. Ainda por cima o Coli (peguei intimidade) já chegou aos Estados Unidos e, para mostrar sua isenção, Rússia. Audácia do bofe. Mais: volta à tona, para pegar ar, na certa, a discussão em torno dos celulares. Um lado diz que sua radiação dá câncer, outro diz que não dá. Ambos citam estudos científicos, quando não emitido por um cientista. No que as pessoas continuam falando e textando pelas ruas de todas as cidades do mundo. Sem parar. Sem rebater com um pepinozinho ou chupando uma carlotinha “daquelas”depois de umas e outras. Agora, concerto de Ringo Starr, como está tendo, ou vem aí, pode. Esse não faz mal à saúde, ainda não vi ninguém reclamar. Durma-se com um barulho desses. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Ivan Lessa: Os homens que deixei para trás

Novamente a pena afida de Ivan Lessa acerta o alvo. Ivan Lessa – Colunista da BBC Brasil A três por dois sinto falta dos homens que deixei para trás no Brasil. Saudades mesmo. Feito tenho do xarope de groselha e da cocada da baiana. Os homens que deixei para trás. Aspeêmo-los que é para dar um pouco mais de dignidade para um senhor de minha idade. Os “homens” que deixei para trás. No Reino Unido, há uma grande falta de “homem”. Falaram do multiculturalismo, que isso tem que acabar, mas ninguém ousou falar na adoção de “homens” para os diversos afazeres diários e necessários para a boa sobrevivência nestas ilhas. Todos os homens (deixemos as aspas de lado por uns momentos) da Grã-Bretanha têm uma profissão definida, à exceção dessa gentarada toda que vai se cobrir de arminho e joias de fantasia de luxo, todas dignas de pelo menos uma menção honrosa nos velhos bailes de Carnaval no Municipal, no decorrer do acontecimento do ano, da década, do século, exageram os monarquistas mais exaltados.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Tudo porque vai haver casamento, digo, Casamento. Quem nunca viu um monarquista exaltado ainda não viu nada. Mais engraçado que foca equilibrando bola no nariz em jardim zoológico ou filme do Gordo e do Magro. Tudo porque um príncipe vai se casar com uma moça. Plebeia, além do mais. Como no filme do Gregory Peck com a Audrey Hepburn, embora o casal, e todos os filhos que terão, não possuam, em conjunto, 0.5 % do charme e talento da hollywoodesca dupla. Gozado, e bom mesmo, seria se o nobre levasse para o altar outro homem (mas sem aspas). Queria ver se ia haver essa quantidade brutal de quinquilharias que os mais sofisticados, aqueles com terceiro ano ginasial e que depositaram ursinhos e flores pela cidade inteira quando da morte de Diana, a Princesa de Gales, chamam de souvenires. O inédito do enlace entre cavalheiros do mesmo sexo daria, ao menos, mais graça e vida, aos comentários que as pessoas que ligarem a televisão serão obrigadas a ouvir no dia – não há outra palavra – fatídico. Afastei-me do meu tema. Como me afastei há mais de 33 anos de… sim, claro, como eu ia dizendo antes de tergiversar, meus “homens”. Lá, eu e meus familiares (parece Fala do Trono) tínhamos “homens” para todas as ocasiões. Ocasiões periclitantes. A pia estava entupida, alguém dava a sábia sugestão: – Tem que chamar o “homem” da pia! Problemas com a antena de televisão? – O telefone do “homem” da antena está naquele caderninho perto do telefone! Doenças, sempre resolvidas com antibiótico, ligar para a farmácia e pedir para o “Zé da Farmácia” dar um pulinho aqui! E assim por diante. Nada se resolvia sem um “homem”. “Homem” era profissão, e não essa besteira de administrador de empresas, torneiro-mecânico, otorrinolaringologista e por aí afora. Todos eram “homens”. Como tínhamos “homens”! Disso e daquilo outro. Para todas as horas e circunstâncias. Bom mesmo era “homem”, não importa o que digam. Nós dávamos com o Zé no botequim da esquina tomando sua pinga e nos cumprimentávamos cordialmente. Ele dava um jeito (nem sempre grande coisa) em nossos problemas, nós retribuíamos com uns trocados extras para a cerveja. Não eram caros nossos “homens”. E deles me aposso de novo e digo, com todo o orgulho e a plenos pulmões fraquinhos, meus “homens”. Aqui, acabou-se o que era doce ou dulcíssimo. Refresco de groselha, cocada e “homem”. Todos aqui nesta terra, mesmo os desempregados, vivem de benefícios sociais, são homens e homens profissionais. Com raríssimas exceções. Eu só consigo chamar o pequeno armazém da esquina, que fica aberto até meia-noite de “o indiano da esquina”, embora o dono seja bengalês. E, last but not least, Norman. Que, no último sábado do mês, vem e limpa mais ou menos direitinho as 5 janelonas vitorianas de meu flat, a 3 libras cada uma. Não é caro. Também não cedo o telefone de seu celular. Sobrou, pois, para mim, um “homem”: Norman, o “homem das janelas”. Vive-se do que resta da vida e que alguém decidiu que seja nosso quinhão. Que assim seja e continue.

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Voo 447, imprensa e twitter

Um desastre e várias visõesQuando da tragédia com o voo 447 da Air France, todos os jornais do mundo deram o devido destaque em suas primeiras páginas. 228 vidas perdidas. Umas horas terríveis de suspense e indagações em várias partes do mundo, principalmente, claro, no Brasil e na França. Na falta de informações mais precisas, as mais diversas suposições foram levantadas: turbulência, tempestade, raio e até mesmo bomba. Não se sabe ainda o que aconteceu. Iremos saber. Nesta época em que a imprensa escrita vem sofrendo algumas quedas em suas vendas e publicidade, perdendo sua – digamos assim – atualidade, para não falar em autoridade, para os novos meios de comunicação, ou seja, a mídia eletrônica, seria uma boa tese para um mestrado ou doutorado jornalístico examinar mais de perto a questão através de um evento marcante, feito essa catástrofe. E o que houve com o Airbus da Air France não pode ser mais catastrófico. Numa época em que o grande comunicador virtual é o ubíquo Twitter, personagem de matéria de capa, inclusive, da mais recente edição da revista Time, seria interessante saber como o evento foi “twitterado” (ou “gorjeado”, já que esta seria sua tradução literal) nos já famosos 140 caracteres em “tempo real”, uma vez que o “tempo tempo” passou a constituir praticamente um “tempo irreal”. Isso me lembra um pouco quando o mundo se “CNNizou”, há coisa de uns 30 anos, quando nenhuma notícia transmitida podia ter mais que 3 minutos. Não devo ter sido o único a dar graças a Gutenberg pela lentidão e delongas dos jornais impressos. Na questão do desastre aéreo, unanimidade de primeira página, para repetir, impressionei-me no que andei vendo: como cada veículo tratou a tragédia. Talvez o exemplo que mais me tenha marcado – assustado seria o verbo mais adequado – foi a matéria publicada na edição europeia do The Wall Street Journal de 2 de junho em sua página 6 do primeiro caderno. Lá estava, em reportagem assinada por John Lyons, ao que parece correspondente do jornal em São Paulo. O título já entrava no espírito do veículo mencionando o fato de que, entre suas vítimas, estavam aqueles que afluíam para o Brasil a negócios. Também no título que a própria BBC Brasil noticiou a matéria estava encapsulado seu espírito: “Lista de passageiros mostra importância do Brasil no mundo dos negócios”. E no miolo, sempre transcrevendo o que foi publicado pelo WSJ, “as biografias dos passageiros… servem como um trágico testamento da crescente importância do Brasil no mundo global dos negócios”. E mais adiante: “(a lista) deverá ser lida como uma relação de companhias de primeira-linha europeias e brasileiras, cujos executivos regularmente lotavam a primeira classe e a classe executiva do voo.” Tinha mais informações o jornal favorito dos homens de negócios: “Não todos os passageiros estavam no avião para negócios” (…) “O Rio de Janeiro é um grande destino turístico global, e muitos passageiros provavelmente passaram os dias anteriores tomando banho de sol em suas famosas praias. Os passageiros incluíam sete crianças e um bebê.” (Reparem bem no “provavelmente”.) Quer dizer, dava perfeitamente para pegar a matéria de capa de uma revista de turismo. Talvez até da Vida Doméstica, já que o jornalista mencionou a criançada e um bebê. A chiquíssima revista britânica Monarchy poderia dar destaque à presença, agora ausência, de um membro de uma família real entre os desaparecidos, já que no título original da reportagem o ilustre repórter mencionava ainda “um membro da realeza” juntamente com os homens de negócios: o príncipe Pedro Luiz de Orléans e Bragança, de 25 anos. Qualquer publicação sobre entretenimento daria destaque ao trágico desaparecimento de Juliana de Aquino, cantora de 29 anos, nascida em Brasília e que alcançou o sucesso na Alemanha, onde chegou a fazer parte da produção local de O Rei Leão. No mundo esportivo… Bem, acho que já deu para dar uma ideia do que se passou e se passa em matéria de imprensa. Coisa para bem mais que 140 caracteres. Ivan Lessa – BBC Londres

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Youtube e as Carmelitas descalças

Descalças na tela Sou assíduo freqüentador do aprazível sítio YouTube. Lá estou cadastrado, possuo uma longa lista de clips favoritos que chega perto de uns 10 menos do que o permitido, que remonta a 500. Não sou internauta de ficar procurando gatinhos brincando com cachorro, gente levando tombo ou pronunciamentos políticos. Trabalho com outras armas. As armas e os barões assinalados de cantores mortos, filmes antigos com atores mortos, desenhos animados com bonecos mortos. E por aí afora. Ocasionalmente, desaparecem da lista de meus mortos favoritos alguns minutos deste ou daquele outro filme, desta ou daquela interpretação de algum músico (morto). Um excesso de mortos, digamos. Um massacre de Gaza de minhas predileções (mortas todas). Culpa do raio do problema dos direitos autorais que, este tempo todo, ainda não resolveram. Estou pouco ligando. Há coisa de um ano, meu guru informático ensinou-me uma maneira, com o endereço do site direitinho, onde eu poderia guardar para toda a existência de meu computador e seu disco rígido a imagem e os sons dos mortos de minha preferência. Foi, para mim, a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Vocês todos, que a cada dia aumentam mais, devem estar cansados de saber dos macetes. Mas sou mau internauta. E como eu mesmo, num momento de grande criatividade, parafraseei, e sou muito citado nos mais cotados círculos cibernéticos, “para o mau internauta até o mouse atrapalha”. Isso sou eu e o que de desinteressante comigo se passa. Há situações, aplicações e soluções bem mais interessantes.

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Crônica – Ivan Lessa.

Nas malhas da rede *Ivan Lessa – BBC London No mundo inteiro, não se fala de outra coisa: o Windows Vista, novo sistema operacional da Microsoft, começa a ser vendido na quinta-feira. Só a versão para empresas, conforme já anunciou esta página na qual me encontro incrustado como jornalista no começo da invasão do Iraque. O sistema para uso doméstico só em janeiro. De qualquer forma, pode ser um excelente presente de Natal e quem vai, ou quer, receber já olha atravessado para a atual versão XP do Windows. O mundo é novidadeiro. O XP me acolhe aqui na BBC e em casa. Comecei no pobre do Windows 98, que morreu de morte natural, a velhice, e eu lamentei quase tanto quanto lamentei o atropelamento da primeira cachorrinha que tive, a Susy. Aliás, naquela época, nunca me ficou claro na cabeça se era Susy ou Susie. Era, como hoje, semiletrado. De esquemas como XP, manjo um pouquinho mais. Não chego a ser o proverbial “nerd”. “Nerd”, aliás, já traduziram no Brasil? Procuraram um equivalente? Informática A gente passa direto para os “chat rooms” em que se transformaram nossos velhos e simpáticos butecos (sim, com U mesmo) e vamos deletando o português brasileiro cada vez mais. Tem gente que gosta dos neologismos anglo-informáticos. Gente que acha que aumentam nosso vocabulário, nosso léxico, nossas blogueadas por esse mundo de Deus e Bill Gates. Só há dois argumentos contra: primeiro, que a preguiça de procurar um equivalente faz mal à alma e à mente, e, segundo, que cada neologismo que se toma emprestado e se incorpora ao nosso idioma significa uma palavrinha dizendo adeus, sendo atropelada em frente à Colombo de Copacabana, num domingo, feito a minha bassê. (Eu devia ter deixado “basset”.) Noel diante da tela Eu vivo citando nosso cancioneiro (nunca “songuibuque”) para exemplificar tudo e nada. Noel Rosa cantou que o cinema falado foi o grande culpado da transformação. Referia-se, o poeta da Vila, ao fato de que o samba não tem tradução e que o amor, lá no morro, era, e ainda deve ser, espero, amor pra chuchu, inclusive que suas rimas não tinham e não têm tradução. Mais: essa história de “alô, boy, alô, Johnny” só podia ser conversa de telefone. Tinha razão o grande Noel. Pena que não pegou os anos 50 e a televisão para saber o que diria, ou melhor, cantaria e comporia. Internet? Só de pensar, tenho arrepios. Uma coisa é certa: Internet é palavra de rima rica. Não me ocorre nenhuma no momento a não ser “mete”, do verbo “meter”, mas isso é culpa da ignorância e falta de vergonha na cara de minha mente. 15 segundos de progresso Negócio seguinte: um estudo completíssimo, como só os estudos britânicos são completos, revelou uma brusca mudança nos hábitos mediáticos dos cidadãos destas ilhas. Os ingleses, galeses, escoceses e irlandeses do norte, sem combinar nada, baixaram os jornais, fecharam os livros, desligaram a televisão e foram lá para diante das telas cada vez maiores dos computadores. Baixam, ou “download” (daumloudum?) tudo, conforme está na moda. Filme, filminhos e ate mesmo filmões, que estão na bica de começar. Não, os cinemas não estão às moscas. Não, os jornais não estão apenas embalando peixe. Há mais de um senhor aposentado na biblioteca do bairro. Mas houve uma mudança. E sensível, para os donos das mídias. Que, é claro, já correram e há muito para chegar em primeiro lugar na Net, tentando dar aquilo que os irriquietos internautas querem. Não deve ser tão difícil assim. Um dado mudou pouquíssimo: o tempo que um internauta passa diante de um sítio (ou “site”) passou de 40 segundos para 55. Nada contém o progresso. Nada retém a regressão. *Nota do editor do blog. Ivan Pinheiro Themudo Lessa (São Paulo, 9 de maio de 1935) é um jornalista e escritor brasileiro. Filho da jornalista e cronista Elsie Lessa e do escritor Orígenes Lessa. É bisneto do escritor e gramático Julio Cézar Ribeiro Vaugham, autor, entre outros, do romance naturalista A Carne, além de criador da Bandeira Paulista. Ivan foi editor e um dos principais colaboradores do jornal O Pasquim, onde assinava as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco, Fotonovelas e “Os Diários de Londres”, escritos em ‘parceria’ com seu heterônimo Edélsio Tavares. Publicou três livros: Garotos da Fuzarca (contos, 1986), Ivan Vê o Mundo (crônicas, 1999) e O Luar e a Rainha (crônicas, 2005).Ivan Lessa mora em Londres, onde escreve crônicas três vezes por semana para a BBC.

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Crônica – Ivan Lessa.

Ivan Lessa¹: Tapetes Voadores. Londres Uma das músicas de nosso cancioneiro que mais me comove (e há muitas mesmo) é aquele “Bom dia”, de Herivelto Martins e Aldo Cabral. Aquele da mulher (ou homem) que se mandou e quem ficou sozinho deu com a toalha no banheiro com a inscrição “Bom Dia”. Nunca tive em casa, nunca vi em casa de ninguém a tal da toalha, mas acredito de pé juntos. Essa saudação em objeto inanimado não pode ser mais nossa cara. Feito em aviso de botequim (“Fiado só amanhã”) até o babador do bebê e a decalcomania nos carros e ônibus (“Papai não corra”). Aqui no Reino Unido também há e como. Dizem as línguas sofisticadíssimas que só “gente pobre” (entenda-se colarinho azul) gosta dessas coisas. Muitos apreciam, mas apenas como manifestação artística popular e chamam de “kitsch”. Tudo bem, cada um na sua. Não entendo, porém, implicarem com tapete de porta de casa. Desses que diz apenas, sóbrio e lacônico,”Welcome”, feito tem lá na casa que compartilho um andar com outros três – o quê? Andarilhos? Em casa, aliás, tem dois. Um do lado de fora da porta que dá para a rua, outro na entrada de meu apartamento, que, bobão, não diz nada, não dá as boas vindas a ninguém. Mas isso é problema meu. O resultado é que quem me visita, e felizmente são pouquíssimo, entra de pés limpos. Faço questão inclusive de examinar. Agora, na cidade de Bristol, lá no sudoeste, andaram, ou pisaram, um pouco longe demais. O conselho da cidade, sua vereação, por assim dizer, houve por bem que o humilde, o modesto, o pobre do tapete de porta (“doormat” como se diz no idioma de Keats, Shelley e Byron), que tenha mais de 17 mm de espessura, não pode. Não pode dar o “welcome”, “willkommen”, “bienvenue”, como no filme “Cabaré”. Os tapetes de porta não podem sequer existir. Baixaram o equivalente a uma portaria, ou “medida provisória” (sempre permanente, confere?), decretando proibidos em todas as residências, comunais ou não, os tapetes de porta de casa, ou apartamento, sala e quarto, seja o que for. As autoridades decidiram que tapete de porta com mais de 17 mm constitui ameaça à integridade física das pessoas. Exemplo a ser seguido. A humanidade não é muito imaginativa. Mesmo na aprazível cidade de Bristol, no sudoeste da Inglaterra. Claro que outras vereanças, outras autoridades seguirão o exemplo. Assim caminham as autoridades: se espelhando umas nas outras. Aguardo, nada pressuroso, o dia em que tanto o cordial (“Welcome”) tapete da porta da casa vitoriana em que habito quanto o que zela com sobriedade pela porta de meu “flat”, ou apartamento, tenham cassados seus mandatos de cordialidade funcional. Sim, dei-me ao trabalho de medir um e outro. O lá de baixo tem 1 metro por 55 cm. O de cima, o que chamo de “meu mesmo”, tem 80 por 40 cm. A espessura? Estava correta. Vindo a arbitrariedade, estou – estamos – na ilegalidade. Com perto de 30 anos de Reino Unido, farei o dever que a história local me ensinou: passarei à desobediência civil. Depois, evidentemente, que eu expressar, na praça Trafalgar, meu descontentamento com acontecimentos recentes na Tailândia. ¹Ivan Lessa, uma das mais privilegiadas “penas” do jornalismo brasileiro, auto-exilado em Londres à 30 anos, escreve semanalmente no site da BBC. Impagavelmente irônico e crítico mordaz da banalidade a qual estamos submetidos. Foi um dos fundadores d’O Pasquim, o primeiro e único sopro de inteligência na mofada imprensa brasileira. Entrincheirado na velha Albion, resiste, bravo e solitáriamamente, ao exército Brancaleone da imbecilidade dominante mundial.

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Crônica – Ivan Lessa.

Ivan Lessa – BBC A Taça Global já é nossa! Folhas inglesas e brasileiras me informam que há 500 jornalistas brasileiros cobrindo a Copa do Mundo na Alemanha. Uso o verbo cobrir em seu mais amplo sentido. O mesmo não faço com a palavra “jornalista”.Pelo que depreendi, há muito tempo, jornalista cobre (novamente em seu mais amplo sentido) radialista e televisionista. São 500 atletas das palavras se exercitando – atirando martelos, arremessando dardos, correndo os 200 metros rasos – para que 270 milhões de brasileiros possam ficar imaginando o que não deve ser um jogo de futebol entre seleções internacionais. Corrigindo-me: são 280 milhões de brasileiros. Foi só eu parar para digitar duas linhas que mais 10 milhões coroaram ou deram as caras, por assim dizer. As mesmas folhas me dão conta que, desses 500, 160 são da Globo, o que inclui rádio e televisão, mais 16 – esses comprovadamente alfabetizados –, do jornal com uma triagem de mais de 300 mil exemplares.É bastante. Levando-se em conta que o Brasilzão, como o chamam carinhosamente essas pessoas aumentativas torcendo por jogadores diminutivos (Ronaldinho, Juninho, Robinho, Cafuinha, Didinho etc), não tem mais que 3 jornais e 1/3 que possam ser levados a sério por pessoas que fazem questão de ser sérias. Acho uma boa distribuição daquilo que poderíamos chamar, no melhor estilo PT, de “Bolsa Beabá”. Folheio ciberneticamente o simpático jornalão soi disant carioca. Lá estão, todos os santos dias, desde que esse raio dessa copa começou, 16 jornalistas. Dos colunistas, coitados, morro de pena, apesar de todas as mordomias, pois já exerci a profissão quando jovem, inocente, duro e cara de pau. Dia após dia, lá estão os 16 fazendo o espetáculo sem juiz, bandeirinhas, cartões amarelos ou vermelhos. É só dar uma chegada ao sítio global. Olhai-os a zanzar pela relva verde, farta e saborosa da palavra escrita. De óculos escuros, bengalas brancas, tentando não esbarrar uns nos outros, esbarrando sempre uns nos outros, tropeçando, caindo de bunda no chão, como num pastelão clássico imitando os mestres do gênero, de Chaplin a Buster Keaton, passando por Harry Langdon e Harold Lloyd, em roteiro idealizado por Ionesco e Beckett. Suas frases ecoam na mente como encantações ou pontos de macumba. As escritas e lidas e principalmente as imaginadas, pois não há melhor forma de elogio do que a imaginação. O texto está pronto e tinindo, para os bons apreciadores. Como nas velhas sessões Passatempo, do Capitólio, na Cinelândia, onde também estavam Os Três Patetas e O Gordo e o Magro, o espetáculo começa quando você chega. – É preciso escalar Robinho. – Ich komme aus Rio. – Comandante Lobato! Comandante Lobato! – Ronaldinho está jogando muito na frente. – Leitura labial é crime previsto na constituição ou não? – Qual é o certo: Ich bin ein Berliner ou Ich bin Berliner? – Como dizia Neném Pé de Prancha… – Alguém aí viu o comandante Lobato? – Der Motor ist kaputt. – Devemos esquecer 2002 e 1998. Dois amigos cuja opinião prezo e respeito me garantiram que a coluna do Tostão é a melhor do gênero. Por ser um fracasso na marcação, eu sempre me descuidei. Passei a acompanhar, a fazer minha cobertura. Eles estavam, estão, certos. Tostão é longe o melhor comentarista, traje esporte ou passeio. Agora, pouco importa o resultado do jogo de sábado e o próximo, se houver, e sei que, malheuresement, haverá. Uma taça nós já erguemos: a Global de Cobertura Jornalística é nossa. Sempre mal informado, só não sei se somos penta, tetra ou hexa.

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