Descalças na tela
Sou assíduo freqüentador do aprazível sítio YouTube. Lá estou cadastrado, possuo uma longa lista de clips favoritos que chega perto de uns 10 menos do que o permitido, que remonta a 500.
Não sou internauta de ficar procurando gatinhos brincando com cachorro, gente levando tombo ou pronunciamentos políticos. Trabalho com outras armas. As armas e os barões assinalados de cantores mortos, filmes antigos com atores mortos, desenhos animados com bonecos mortos. E por aí afora.
Ocasionalmente, desaparecem da lista de meus mortos favoritos alguns minutos deste ou daquele outro filme, desta ou daquela interpretação de algum músico (morto). Um excesso de mortos, digamos. Um massacre de Gaza de minhas predileções (mortas todas). Culpa do raio do problema dos direitos autorais que, este tempo todo, ainda não resolveram. Estou pouco ligando.
Há coisa de um ano, meu guru informático ensinou-me uma maneira, com o endereço do site direitinho, onde eu poderia guardar para toda a existência de meu computador e seu disco rígido a imagem e os sons dos mortos de minha preferência. Foi, para mim, a descoberta do caminho marítimo para as Índias.
Vocês todos, que a cada dia aumentam mais, devem estar cansados de saber dos macetes. Mas sou mau internauta. E como eu mesmo, num momento de grande criatividade, parafraseei, e sou muito citado nos mais cotados círculos cibernéticos, “para o mau internauta até o mouse atrapalha”.
Isso sou eu e o que de desinteressante comigo se passa.
Há situações, aplicações e soluções bem mais interessantes.
Vejam o caso da Ordem das Carmelitas Descalças do Convento de San José, em Ecija, perto de Sevilha, na Espanha. As coisas andavam pretas por lá. Noviça alguma, rebelde ou conformista, procurava o convento para nele tirar os sapatos ou tamancos e pôr-se a fazer seja lá o que for que as Carmelitas Descalças fazem. Isso é um fenômeno que, não digo assola, mas ocorre em toda a Espanha. Uma ordem com mais de 400 anos de tradição via-se prestes a bater as botas, digo, bater seus pés descalços.
Agora, ao que parece, as preces da Carmelitas foram atendidas. Graças à internet e o site YouTube. A madre superiora do convento, Madre Isabel, foi persuadida por amigos, possivelmente calçados, de que a melhor maneira de recrutar noviças seria no que eu e os espanhóis também, folgo em saber, chamam de “sítio”, ou seja, o YouTube falado. Com o auxílio de técnicos (não, eu não sei se calçados ou não) fizeram um vídeo mostrando como é a contemplativa vida no convento, que já foi, no século 14, o palácio de Mudéjar.
Às boas notícias: após milhares de hits no filmezinho, sabe-se que depois de aderirem à moderna tecnologia, as Carmelitas Descalças não param de receber telefonemas. O que para mim já é novidade. Nem sabia que convento tinha telefone. Celulares? E o ponto culminante da aventura cibernética: a primeira noviça a tomar conhecimento do convento e da ordem já atravessou os pesados portões de Ecija e lá se instalou, com a devida modéstia.
Madre Isabel, em entrevista para os jornais (aí ela não recorreu ao YouTube), declarou o seguinte:
“Nestes dias, pouquíssimas pessoas têm uma idéia do que é a vida no claustro. Se o mundo inteiro está ligado à internet, por que haveríamos nós de ficar por fora?”
O vídeo – eu conferi, podem fazer o mesmo – mostra as freirinhas rezando, costurando e cozinhando bolos, enquanto uma locução sóbria fala das alegrias da vida enclausurada. As carmelitas de Ecija, com muita naturalidade, testemunham que não é tão ruim quanto possam pensar as disciplinas do silêncio e da solidão. Além do fato de que as grades de madeira que permitem que elas falem, mas não vejam ou sejam vistas, não chega a atrapalhar um diálogo.
As Carmelitas Descalças espanholas não negam que se trata de uma renúncia séria. Só que uma renúncia que vale a pena.