Economia. 35 milhões saem da pobreza no Brasil
Mais de 35 milhões saíram da pobreza, mas concentração de renda persiste Mais de 35 milhões de pessoas ultrapassaram a faixa da pobreza no Brasil nos últimos 40 anos. O milagre econômico da década de 70, o aumento do nível educacional, o fim da inflação, os programas de transferência de renda e a valorização do mínimo fizeram a parcela de pobres baixar dos inacreditáveis 68,4% da população em 1970, com 61,1 milhões de pobres, para 14,1% nos dias atuais. Mas esse número poderia ser bem menor se não fosse a persistência da verdadeira chaga da sociedade brasileira: a extrema desigualdade de renda. O modelo de crescimento dos anos 70, patrocinado pelo governo militar, aumentou a concentração de renda, e a hiperinflação cobrou dos mais pobres um imposto alto. Resultado: no século XXI ainda estamos correndo atrás dos indicadores de igualdade da década de 60. O Índice de Gini (quanto mais perto de zero, mais igualitário é o país), um dos principais medidores de desigualdade, mostra isso. Em 2009, a taxa estava em 0,543, ainda acima do índice de 0,537 encontrado em 1960. Esse será um dos temas abordados no seminário “Cenários e Perspectivas para o Brasil”, realizado nesta segunda-feira no auditório do GLOBO, em comemoração aos 40 anos do caderno de Economia do jornal. O evento, que tem o patrocínio da CNI, será aberto pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e os governadores do Rio e de Minas Gerais, Sérgio Cabral e Aécio Neves. No encontro, haverá debates com economistas e empresários.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Em seu estudo sobre pobreza desde 1970, a economista Sonia Rocha, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), mostra que o aumento da desigualdade na década pôde ser constatado pela distância entre a renda dos não-pobres e dos pobres. Em 1970, a renda dos mais ricos equivalia a 2,83 vezes a dos pobres. Em 1980 sobe para 5,2 vezes. “Se o crescimento da renda tivesse sido neutro do ponto de vista distributivo, teria sido possível obter uma redução ainda mais acentuada da pobreza”, diz o estudo. País mais inclusivo nos anos 80 Ana Saboia, chefe da Divisão de Indicadores Sociais do IBGE, lembra ainda o papel da queda da fecundidade, que mudou o perfil sócio-demográfico: – Com a população crescendo mais devagar, as políticas de redução da pobreza e da desigualdade tornaram-se mais efetivas. A desigualdade regional também se mantém elevada. O Nordeste, que tinha 90% da população abaixo da linha de pobreza, consegue reduzir o contingente para 28,3% em 2002. No entanto, a participação da região entre os pobres se mantém em 39% desde 70. Segundo estudo do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), a distribuição de renda está mais equânime hoje do que em 1970, medida pelo Índice de Gini: – Houve crescimento forte da economia, mas não se investiu em educação. A demanda por profissionais mais preparados aumentou com a expansão econômica, e a diferença entre os rendimentos cresceu. Foi o efeito colateral negativo do milagre, desde os anos 60. O economista Marcelo Medeiros, que foi coordenador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Centro Internacional de Pobreza da ONU, afirma que somente no fim dos anos 80 o país começou verdadeiramente a se preocupar com os grupos mais pobres, com o marco da Constituição Cidadã de 1988: – Houve a universalização do sistema educacional, de saúde e de acesso à energia elétrica. Melhorou muito também a infraestrutura de transporte. Houve um movimento claro do Estado, que ficou mais ativo para os pobres. Mesmo com os ganhos na qualidade de vida dos brasileiros, a mobilidade social ainda é muito baixa no Brasil, de acordo com Medeiros. – A chance de uma pessoa que vem de família pobre sair da pobreza ainda é pequena. Ele cita os ganhos com a democracia. Foi possível, com o fim da ditadura, cobrar melhorias: – E isso não foi o trabalho de um governo, mas de milhares de prefeitos e governadores também. Para o sociólogo do Iuperj, Adalberto Cardoso, que acabou de concluir livro sobre a concentração de renda no Brasil, a desigualdade se mantém a mesma há 200 anos: – O Brasil é assim há 200 anos. E a concentração é maior no topo da pirâmide de renda. Se tirássemos os 20% mais ricos, teríamos um Índice de Gini sueco, o país mais igualitário. Tirando os 10% mais ricos, o Gini seria europeu. É fácil perceber isso nas estatísticas. Enquanto o 1% mais rico, que está em 560 mil domicílios, detém 12,5% da renda familiar, os 50% mais pobres, que representam 28 milhões de domicílios, ficam com só um pouquinho mais: 14,7% do bolo. Nordeste, o retrato da desigualdade Isso fica mais flagrante no Nordeste. De um lado, centros de tecnologias avançadas, como o Porto Digital, que oferecem soluções em informática para as maiores empresas de telecomunicações do mundo. Do outro, as sedes do poder, inclusive da prefeitura. No meio, a comunidade do Pilar é o retrato da desigualdade que separa bairros sofisticados como o de Boa Viagem (na Zona Sul) da favela do Rato, como é mais conhecida a Comunidade do Pilar. É nessa favela que mora Mariluce de Vasconcelos. Desempregada, só teve carteira assinada uma vez na vida e, foi há 15 anos. Desde então, vive de biscates. Tem oito filhos e netos. Dinheiro fixo, só o do Bolsa Família: R$ 102 mensais, que complementa fazendo faxinas. – O máximo que consigo são dois trabalhos por mês, com diária entre R$ 30 e R$ 40. Ela mora numa construção improvisada com madeiras velhas, sem água e sem banheiro. A exemplo dos irmãos sertanejos – que andam da roça até açudes distantes em busca de água -, Mariluce perde uma hora por dia abastecendo a casa. Lata na cabeça, vai até um cano quebrado que serve a toda comunidade. Luz vem de uma ligação clandestina. De acordo com um levantamento da prefeitura, na comunidade de Mariluce, 62% dos moradores vivem com