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A desapercebida consagração do Estado policial

Discursos de ocasião pecam, normalmente, mais que acertam. Em muitos casos, nota-se uma real preocupação com o interesse público, capaz de bem temperar os seus eventuais excessos.* O maior perigo, no entanto, se dá quando não se percebe, exatamente, o que se está realmente propondo. O atual combate à corrupção parece ser um triste exemplo disso. Eleito o novo inimigo público – o agente corruptor –, levantam-se pilos contra tudo que, aparentemente, possa dizer respeito à corrupção – a ser, de todas as formas e por todos os meios, combatida. Ainda que, de fato, se possa entender que a banalidade da corrupção atual traga, dentro de si, a semente de um grande mal à nação, não se pode aceitar que, para o seu combate, tudo seja admitido. Os fins, frise-se, nunca justificam os meios. Nesse sentido, causa preocupação quando vêm a público manifestações de representantes do Ministério Público buscando relativizar a consagrada ideia de imprestabilidade de prova ilícita. O mesmo, com a proposta para tornar genericamente hediondo o crime de corrupção. Isso, para não se falar de momento anterior, onde foi defendida, ainda que lateralmente, a utilização da prisão preventiva para motivar as eventuais colaborações premiadas. Todo esse estado de coisas leva, inexoravelmente, a algumas reflexões.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Em primeiro lugar, que se diga que os momentos de ânimos inflamados não se prestam idealmente às reformas de índole penal. O Brasil, mas não só, tem inúmeros exemplos de leis criminais problemáticas que foram aprovadas em contextos parecidos. Na quadra atual, o que surpreende é a fonte de onde vêm algumas dessas colocações, justamente em representantes do Ministério Público, instituição que carrega imensa responsabilidade justamente na afirmação do Direito e no primado da Constituição. A história é permeada de exemplos de boas intenções que acabaram sendo pervertidas e a ideia de flexibilização do conceito de prova ilícita, se mostra, basicamente, como uma contradição ao próprio princípio de legalidade. Princípios existem para balizar a força estatal, da mesma forma que a dogmática penal tem a missão de tentar fornecer uma gramática para a aplicação da lei. A flexibilização desses conceitos, hoje vista com bons olhos por alguns, pode, muito bem, em um segundo momento, simplesmente se expandir, abarcando, provavelmente, o que não se queria, ou pretenderia, abarcar. Afinal, um próximo passo, certamente não desejado pelos bem intencionados, poderia ser simplesmente legitimar confissões tomadas mediante tortura ou o fim de qualquer privacidade, hoje ainda provas notadamente ilícitas. Aliás, quanto a isso, não existiram muitas diferenças, na raiz do raciocínio flexibilizador das garantias do cidadão, entre as atuais propostas, com o que ocorrera em outros terríveis momentos históricos, nos quais se admitia que o crime não seria mais o ato descrito em lei como tal, mas, sim, tudo aquilo que fosse contra “a sã consciência do povo”. O mesmo deve ser dito em relação a uma desmedida utilização do instituto da prisão. Ainda que se reclame, com justiça, no Brasil, pela existência de larga impunidade, deve-se ter em mente que o uso da prisão preventiva é, mundo afora, mais contida. Por aqui, a situação perece ser inversa. Utiliza-se enormemente a prisão preventiva, sendo que, nem sempre, tem-se as esperadas condenações definitivas. Ou, quando estas são presentes, nem sempre na medida que alguns acalentavam. Existe uma aparente inversão de valores que precisa ser solucionada. Quanto a isso, aliás, caberia mais um comentário. Chega-se a sustentar aumentos consideráveis para as penas dos crimes de corrupção, além de querer que passem eles a ser considerados crimes hediondos. A objeção mais básica que se poderia fazer quanto a isso, diz respeito à impropriedade de se considerar toda a corrupção como hedionda, pois a corrupção do dia-a-dia, da esquina, do pequeno funcionário, não guarda, de modo algum, dignidade penal para tanto. Seria, sim, uma evidente violação do princípio da proporcionalidade. Poder-se-ia dizer, aliás, em resposta a isso, como aparentemente é a ideia posta, que a intenção seria escalonar-se as sanções penais conforme seja o prejuízo sentido pela Administração, pois, em alguns casos, os efeitos dessa corrupção seriam mais violentos do que a de um crime contra a vida individual em si. Duas ponderações. Em primeiro lugar, parece ignorar-se que, em termos de responsabilidade empresarial, pode-se chegar, por via omissiva, a responsabilizar diversos escalões de mando, muitas vezes em termos diferenciados, por mera falha no dever de vigilância. Pareceria, no mínimo, difícil, sopesar idealmente as penas nesse contexto, que, hoje, não são pequenas. Mas, o real problema parece ser vincular tipicamente a resposta ao crime conforme seja o prejuízo financeiro supostamente alegado, algo estranho à tradição brasileira e que não se confunde com resultados materiais agressivos à pessoa, como se vê nos casos de lesão corporal. O que se pune, no caso, é a conduta do particular contra a Administração Pública, cabendo a avaliação do resultado ser mesurada no mais amplo leque visto no Código Penal em termos de sanção, vale dizer, de penas entre dois e doze anos de reclusão. Dever-se-ia esperar de todos, quanto mais de quem tem por missão garantir o Estado Democrático de Direito, um maior cuidado com o que tanto se custou para conquistar. Diz a experiência internacional que os grandes desafios relativos à corrupção não se colocam em termos unicamente reativos, mas também preventivos. Essa, a noção de inteligência no uso da máquina penal que está rendendo frutos no exterior. Assim, verifica-se que não é só aumentando penas ou tolhendo direitos que se efetiva a Justiça. Pelo contrário. Com isso, apenas se consagra, sim, um Estado policial que todos querem, ou deveriam querer, evitar. * Renato de  Mello Jorge Silveira é professor titular de Direito Penal, vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, diretor da Escola Paulista da Advocacia do IASP e advogado

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Às vivandeiras dos quartéis

Cada qual coloca os óculos que melhor lhe permite ver a história. As instituições estão funcionando, não há nenhuma lei rasgada – pode haver retardo e/ou leniência em sua aplicação – mas, graças a Deus não há ninguém “iluminado” decidindo o que posso escrever ver, ler e ouvir, não suprimindo meus direitos e garantias individuais. O povo que pague democraticamente pelas más escolhas que faz. Ele elege, ele que não reeleja até a depuração total. Pelo voto! Leio artigo de elogios ao regime militar em comparação aos dias de hoje Adoro sofismas: leio que ” ’houveram’ excessos contra civis…” (inclusive na concordância verbal) mas, falta o complemento fundamental em uma civilização: sem o devido processo legal. Claro que os terroristas de esquerda teriam que ser combatidos e presos. Mas observados a Constituição e o Estado Democrático de Direito. Não há a meu sentir um criminoso mais infame que o terrorista. O Estado deve prendê-los e aplicar punição severa. Mas daí à tortura, a legalidade e o terrorista se igualem na ilegalidade e na ameaça à sociedade. Ainda bem que na “desordem atual” o missivista tem a liberdade de publicar sua versão da história, sem antes precisar receber o crivo de algum censor boçal. Não há em nenhum artigo da Constituição Federal Promulgada, repito, Promulgada, que dê a nenhum grupo social, acompanhado que seja por qual grupo social, o direito de interferir no processo democrático. Resistir é preciso. Ditadura nunca mais. Como bem frisou Churchill: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Agradeço por ser um legalista ferrenho. Fora da lei só a bagunça prospera. Brada-se contra os Chaves da vida, mas, desejam Chaves Tupiniquins. Mudam os métodos, as ideologias e os objetivos, mas a conseqüência é uma só; o funeral da liberdade. [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]

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Lei da ficha limpa e a indignação leiga

Conforme o mais primário conhecedor da Constituição Federal sabia, a Lei da Ficha Limpa teve a retroatividade considerada inconstitucional. Mesmo “que a revolta achista” da população seja de indignação, o que estava em jogo não era a idoneidade dos ‘Jader Barbalhos’ da vida, e sim a segurança jurídica, sem a qual nenhum Estado Democrático de Direito se mantém de pé. O Editor PS. Cada um dos agora indignados com a decisão do STF, a ela será grato quando porventura for réu em alguma demanda judicial. Aí saberá a importância dos princípios da Presunção da Inocência, do Devido Processo Legal e do Contraditório. Sentirá na pele o valor do art.1º do Código Penal Brasileiro: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. TSE: aplicação Lei da Ficha Limpa em 2012 é incerto Você ficou irritado com a decisão do STF que devolveu os mandatos dos fichas-sujas barrados em 2010? Pois se ainda tem cabelos, convém descabelar-se. O que parece apenas ruim pode evoluir para algo muito pior. A Lei da Ficha Limpa pode ser invalidada também para as eleições futuras, a começar de 2012.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita] Quem admite o risco é ninguém menos que o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, dono de um assento também no STF. Lewandowski disse, em entrevista, que podem surgir, até 2012, novos questionamentos judiciais à lei higienizadora. Explicou que, por ora, o Supremo limitou-se a julgar recurso que invocava o artigo 16 da Constituição. Por esse artigo, alterações à legislação eleitoral precisam ser aprovadas pelo menos um ano antes da eleição. Como a Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho de 2010, em pleno ano eleitoral, o STF decidiu (6 votos a 5) que a peça não valeu para a eleição do ano passado. “Essa foi a única decisão tomada”, disse Lewandowski, levando o resto da lei para o alto do telhado. “O Supremo não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei”. Como assim? “Essa constitucionalidade relativamente aos seus vários artigos poderá ser questionada futuramente, antes das eleições de 2012”. Hummmm! Eis algumas alguns dos argumentos que podem servir de recheio para futuros recursos contra a Ficha Limpa: 1. Presunção de inocência: Reza a Constituição que todo mundo é inocente até prova em contrário. A Lei da Ficha Limpa promoveu, para efeitos eleitorais, uma espécie de antecipação da culpa. Para ser barrado na urna, basta que o político carregue em sua biografia uma condenação de segunda instância, emitida por mais de um juiz. Em casos assim, o sentenciado ainda dispõe da possibilidade de recorrer às instâncias máximas do Judiciário (STJ e STF). Se provocado, o Supremo pode entender que a lei saneadora fere o princípio constitucional da presunção de inocência. 2. Retroatividade da lei: a Constituição também estabelece que nenhuma lei pode retroagir no tempo senão para beneficiar o réu. Significa dizer que ninguém pode ser condenado com base numa lei aprovada depois da data em que o crime foi cometido. A Lei da Ficha Limpa fixou limites à elegibilidade. Ampliou o rol de crimes que tornam um candidato inelegível pelo prazo de oito anos. Suponha o caso de um político que decida concorrer à prefeitura de determinada cidade em 2012. Se ele tiver, por exemplo, uma condenação por improbidade administrativa cometida, digamos, em 2004, será alcançado pela Lei da Ficha Limpa, editada em 2010. De novo: se provocado, o Supremo pode entender que uma lei de 2010 não pode retroagir no tempo para punir um candidato por crimes cometidos no passado. Retorne-se ao início do texto: Você está irritado? Então, descabele-se. O ruim pode ficar muito pior! Quanto à encrenca de 2010, resolvida em favor dos fichas-sujas, Lewandowski explicou que o STF aplicou ao julgamento o critério da “repercussão geral”. Significa dizer que a decisão que beneficiou um candidato imundo a deputado estadual de Minas Gerais se aplica a outros sujos que foram às urnas em 2010. O presidente do TSE também informou que o Supremo atribuiu aos relatores dos recursos ainda pendentes de julgamento a prerragativa de decidir sozinhos. O ministro estimou em três dezenas os recursos remetidos pelo TSE ao STF, a Corte que detém a palavra final. “Então, os ministros, nestes cerca de 30 recursos extraordinários que já foram enviados pelo TSE para o STF, deverão decidir isso individualmente…” “…Dizendo que a lei não se aplica às eleições 2010, sem a necessidade de um novo pronunciamento do plenário”. Decidida a pendenga no Supremo, o dono do prontuário enodoado terá os seu registro regularizado na Justiça Eleitoral. A posse na Câmara, no Senado ou nas Assembléias Legislativas não será, porém automática. Ouça-se mais um pouco de Lewandowski: “A partir daí, o candidato deverá tomar as providências, porque o Poder Judiciário não age de ofício, nem o STF e nem o TSE…” “…O candidato deverá, por meio de seu advogado, tomar as providências para que uma das Casas do Congresso Nacional eventualmente afetada, ou as Assembleias Legislativas, tomem as providências necessárias”. Antes, disse o ministro, a Justiça Eleitoral terá de “reproclamar o resultado [das urnas] e refazer os cálculos com base no quociente eleitoral modificado”. Recontados os votos dos sujos, o TSE e os TREs “deverão diplomar os candidatos novamente e esses candidatos, depois, tomarão posse”. Dito de outro modo: aos sujos de 2010, proveu-se a certeza da posse. Aos enlameados futuros, o benefício da dúvida. Aos eleitores, um nariz de palhaço. blog Josias de Souza

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