Arquivo

Joseph Stiglitz: Zona Euro demonstra fracasso do neoliberalismo

Nobel da Economia diz que há países que têm mais argumentos para sair da Zona Euro do que o Reino Unido para abandonar a União Europeia.  Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia, diz em entrevista à Bloomberg que a Zona Euro tem sido um “fracasso”. “Prometeram duas coisas: prosperidade econômica e coesão política. Falharam ambas”, argumentou o economista laureado com um Nobel em 2001.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Para o economista, este “falhanço” da Zona Euro deveria ser suficiente para que vários dos países mais penalizados com as políticas que têm sido implementadas equacionem deixar o euro. “Há países com argumentos muito mais fortes para sair do euro do que o Reino Unido sair da UE”, disse Stiglitz, acrescentando que as políticas econômicas seguidas na Zona Euro estão a dar força aos partidos extremistas. “Políticas económicas erradas podem ser muito perigosas”, alertou o economista, que ainda assim acredita que a Zona Euro tem solução, mas não sob a actual liderança da Alemanha. Via Jornal de Negócios

Leia mais »

Relatório acusa Apple, Samsung e Sony de conivência com trabalho infantil

É a economia estúpido. O capital é assim mesmo. Os caras estão preocupados apenas com uma coisa, o lucro! O pior é que não dá em nada. Está aí a Zara que não me deixa mentir. E essa é a forma da violência mais cruel e silenciosa. “O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora-a.” Karl Marx José Mesquita A organização de direitos humanos Anistia Internacional acusou as empresas Apple, Samsung e Sony, entre outras, de falhar em identificar o uso de trabalho infantil na produção dos minerais usados em seus aparelhos. Em um relatório sobre a mineração de cobalto na República Democrática do Congo, a Anistia afirma ter encontrado crianças de até 7 anos de idade trabalhando em condições perigosas. O cobalto é componente vital para as baterias de íon-lítio. As empresas afirmaram que seguem política de tolerância zero em relação a trabalho infantil. “Companhias cujo lucro global é de US$ 125 bilhões não podem realmente alegar incapacidade de verificar de onde vêm suas matérias-primas essenciais”, disse Mark Dummett, pesquisador nas áreas de negócios e direitos humanos da Anistia. Leia também: O jornal é feito por crianças exploradas na Índia Mortes Mineiros trabalhando em condições perigosas ganham alguns dólares por dia A República Democrática do Congo responde por 50% ou mais do cobalto produzido no planeta. Mineradores trabalhando por longo período neste segmento da extração mineral enfrentam problemas de saúde e risco de acidentes fatais, afirma a Anistia. A organização diz que ao menos 80 mineiros morreram no subsolo congolês entre setembro de 2014 e dezembro de 2015. A Anistia também entrevistou crianças que trabalhariam nas minas do país. Paul, órfão de 14 anos de idade, começou a minerar aos 12 anos. “Eu fiquei até 24 horas nos túneis. Chegava de manhã e só saía na outra manhã. Tinha que ir ao banheiro nos túneis. Minha mãe adotiva planejava me mandar para a escola, mas meu pai adotivo era contra, e ele me fez trabalhar nas minas”, contou o menino à Anistia. A Unicef estima que há cerca de 40 mil crianças trabalhando em minas no sul da República Democrática do Congo. ‘Tolerância zero’ Em resposta ao relatório, a Apple afirmou que o “trabalho infantil não é tolerado em nossa cadeia de fornecedores e estamos orgulhosos de liderar a indústria em salvaguardas pioneiras (contra o trabalho infantil)”. A empresa afirmou, ainda, conduzir rigorosas auditorias junto a fornecedores e que qualquer um que empregue crianças é forçado a retornar o menor a sua casa, financiar a educação da vítima em escola escolhida pela família, continuar a pagar salários e oferecer um emprego quando o jovem tem idade para trabalhar. A Samsung também afirmou ter “tolerância zero” em relação a trabalho infantil e que, assim como a Apple, vem conduzindo auditorias regulares junto a seus fornecedores. “Se houver violação e trabalho infantil for encontrado, os contratos com fornecedores serão imediatamente encerrados”, declarou a empresa. A Sony comentou: “Estamos trabalhando com nossos fornecedores para enfrentar questões ligadas a direitos humanos e condições de trabalho em locais de produção, assim como na aquisição de minerais e outras matérias primas”. ‘Paradoxo‘ Muitas crianças trabalham na extração de cobalto – Getty Images O relatório da Anistia rastreou o comércio de cobalto a partir de áreas onde há trabalho infantil. O mineral é comprado por intermediários diretamente das minas e vendido à empresa Congo Dongfang Mining, subsidiária da gigante chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Ltd. A Anistia afirma ter entrado em contato com 16 multinacionais listadas como clientes de fabricantes de baterias que têm como fornecedor de cobalto a Huayou Cobalt. Uma empresa admitiu a conexão, enquanto outras quatro reconheceram serem incapazes de dizer com certeza qual seria a fonte do cobalto usado por elas. Outras cinco companhias negaram ligações comerciais com a Huayou Cobalt, embora apareçam como clientes nas listas encontradas em documentos da gigante chinesa. Seis empresas afirmaram estar investigando o caso. “É um paradoxo que na era digital algumas das mais ricas e inovativas empresas do mundo, capazes de levar ao mercado aparelhos incrivelmente sofisticados, não consigam mostrar de onde vêm suas matérias-primas”, criticou Emmanuel Umpula, diretor da Africa Resources Watch, organização que colaborou com a Anistia no relatório. Com dados da BBC  

Leia mais »

Novo capitalismo dissolve cooperação, desurbaniza cidades e expulsa pessoas

Marco Weissheimer – Richard Sennett e Saskia Sassen foram os debatedores do Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando eclodiu a crise financeira de 2007-2008, o sociólogo Richard Sennett acreditou que as pessoas iriam se rebelar contra as atitudes e o funcionamento do sistema financeiro internacional, responsável por rombos e falências cujas repercussões ainda estão presentes na economia mundial. Mas as pessoas não se comportaram da maneira que supôs que iria acontecer. O que teria acontecido? O professor da Universidade de Nova York e da London School of Economics iniciou sua participação no Fronteiras do Pensamento, expondo essa expectativa frustrada e a perplexidade que se seguiu a ela. “Fiquei intrigado com a crise de 2007-2008. Por que as pessoas não estavam se rebelando contra ela?” – assinalou. As reflexões de Sennet apontaram dois motivos centrais para que isso acontecesse. Em parte, afirmou, as pessoas não se rebelaram porque deixaram de acreditar na ação cooperativa e colaborativa. Uma das evidências desse fenômeno foi a redução da participação de trabalhadores em sindicatos.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] “A nova economia, neoliberal, enfatiza muito a autonomia e não a colaboração. As pessoas não ficam no mesmo emprego por muito tempo, não desenvolvem laços mais permanentes e não se associam com outras pessoas”, observou Sennett. Havia, portanto, razões ligadas à estrutura de funcionamento da economia para explicar a baixa participação. A corrosão do caráter e da colaboração Em parte, esse diagnóstico já está presente em seu livro “A Corrosão do Caráter: Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo” (1998, publicado no Brasil pela Record), onde Sennett argumenta que o ambiente de trabalho dessa nova economia, com ênfase na flexibilidade e no curto prazo, inviabiliza a experiência e narrativas coerentes sobre a própria vida por parte dos trabalhadores, o que, por sua vez, impediria a formação do caráter. No novo capitalismo, não haveria lugar para coisas antiquadas como lealdade, confiança, comprometimento e ajuda mútua. De 1998 para 2015, muita coisa aconteceu, mas a julgar pela reflexão que Sennett fez nesta segunda-feira em Porto Alegre sobre a possibilidade das cidades seguirem sendo espaços para se “viver juntos”, o déficit desses valores e princípios só se agravou. Um indicativo desse agravamento apareceu no segundo motivo apresentado pelo autor para tentar entender a não revolta das pessoas diante da crise provocada pelo sistema financeiro altamente desregulamentado. Sennett pesquisa há algum tempo a vida em comunidades carentes de cidades como Nova York e Paris. Na década de 80, relatou, estudou uma comunidade deste tipo na capital francesa e constatou que havia muito espírito de colaboração e cooperação entre seus moradores. “Hoje”, constatou preocupado, “isso também está desaparecendo”. “As pessoas passaram a viver em compartimentos, sem esse espírito de colaboração. Não sou sociólogo político, meu foco sempre foi a vida social dos indivíduos, mas o que me chama a atenção é que a ideia de interdependência está desaparecendo. A ideia de que preciso do outro para viver, de que é importante fazer parte de um grupo, tudo isso está desaparecendo”, afirmou. A ausência de destino compartilhado “Algo está errado com a nossa sociedade”, acrescentou Sennett, “com o modo como estamos tratando a questão da cooperação. O novo capitalismo está dissolvendo esses laços”. Ou, como o autor em seu livro de 1998: “Esse é o problema do caráter no capitalismo moderno. Há história, mas não narrativa partilhada de dificuldades, e portanto tampouco destino compartilhado. Nestas condições, o caráter se corrói e a pergunta “Quem precisa de mim?” não tem mais resposta imediata. Sennett não apresentou nenhuma receita pronta para lidar com essa situação, mas apontou um caminho que considera necessário para a recuperação da experiência do convívio com o outro: a cooperação dialógica, termo tomado do linguista russo Mikhail Bakhtin, que reivindica um tratamento participativo, diverso e múltiplo na linguagem. Contra a dissolução da interdependência e a corrosão da cooperação, Sennett defendeu a importância de nos tornarmos bons ouvintes, sensíveis à fala, mas também aos silêncios e gestos do outro, de estarmos abertos às ambiguidades e às diferenças. A cooperação envolve a capacidade de negociação entre essas distâncias e diferenças, defendeu. O autor não detalhou como essa postura comunicacional dialógica poderia enfrentar os mecanismos de dissolução da interdependência alimentados diariamente pelo novo capitalismo. Uma marca da globalização: expulsar pessoas Richard Sennett dividiu o palco do Salão de Atos da UFRGS com sua esposa, a socióloga holandesa Saskia Sassen, uma estudiosa dos impactos da globalização e das novas tecnologias na vida das cidades e também dos processos de migração urbana que ocorrem neste contexto. Para Saskia Sassen, as nossas cidades vivem uma crise derivada, entre outros fatores, do processo de concentração de renda ocorrido no mundo nas últimas três décadas. Ao longo dos últimos trinta anos, defende, “houve perda de renda de metade da população mundial e tamanha concentração no topo que simplesmente chegamos ao limite. É a explosão disso que estamos vendo agora nas nossas cidades”. Em sua obra, Sassen defende que a globalização permitiu às grandes corporações terem uma geografia global da produção e da exploração, maximizando as possibilidades da velha lógica de obtenção do lucro, com práticas como a da terceirização e da redução dos custos do trabalho. Uma das marcas características desse modelo, que se reflete na vida das cidades, defende a socióloga holandesa, é expulsar pessoas. Essas práticas de expulsão ocorrem de maneiras variadas: desemprego, expulsão de pequenos agricultores para as periferias cidades, expulsão dentro das cidades por mega-projetos imobiliários. Neste contexto, defende Saskia Sassen, as cidades têm que ser vistas como algo diferente de uma área geográfica preenchida por grandes construções. Fileiras de grandes prédios comerciais, estacionamentos e shoppings centers não fazem de uma região uma cidade. “Isso não é uma cidade, é apenas um terreno densamente construído”. Contra esses aglomerados de densas construções, a socióloga cita o caso de Londres que tem mais de três de dezenas de pequenos centros no seu espaço urbano. Os megaprojetos que desurbanizam as cidades Para Sassen, a existência dessas pequenas

Leia mais »

A crise infindável como instrumento de poder: uma conversa com Giorgio Agamben

Em meio a repercussões apaixonadas e críticas difamatórios ao artigo Um “Império latino” contra a híper potência alemã, o filósofo Giorgio Agamben discute a atual crise econômica (que tem atuado como instrumento de dominação) em entrevista traduzida em primeira mão pelo Blog da Boitempo. Dirk Schümer entrevista Giorgio Agamben ¹ Segundo o autor de O reino e a glória e Opus dei, ao voltarmos nossas reflexões à União Europeia, não devemos esquecer a “verdade dolorosa, porém óbvia” de que a constituição europeia é ilegítima, pois nunca foi votada pelo povo que deveria representar. ***** Professor Agamben, quando você propôs a ideia de um “Império latino” contra a dominação germânica na Europa, você imaginava a poderosa repercussão que esta contenção teria? De lá pra cá, seu artigo foi traduzido para inúmeras línguas e vem sendo discutido fervorosamente no mundo inteiro. Não, não esperava. Mas acredito no poder das palavras, quando ditas no momento certo. A fratura na União Européia se dá realmente entre as economias e modos de vida do norte ‘germânico’ e do sul ‘latino’? Gostaria de deixar claro de antemão que minha tese tem sido desvirtuada por jornalistas e, portanto, mal interpretada. O título “Que o império latino contra-ataque!” foi fornecido pelos editores do Libération e absorvido pela imprensa alemã. Eu nunca disse isso. Como poderia contrapor a cultura latina à alemã quando qualquer europeu inteligente sabe que a cultura italiana da Renascença ou a cultura da Grécia clássica é hoje completamente parte da cultura alemã, que a reconcebeu e reapropriou? Então nada de ‘Império latino’ dominante? Nada de alemães incultos? Na Europa, a identidade de toda cultura está sempre nas fronteiras. Alemães como Winckelmann ou Hölderlin poderiam ser mais gregos que os gregos. E um fiorentino como Dante poderia sentir-se tão alemão quanto o imperador Frederico II da Suábia. Isto é justamente o que faz a Europa: uma peculiaridade que repetidamente se sobrepõe a fronteiras nacionais e culturais. Minha crítica não se dirigia à Alemanha, mas sim à forma pela qual a União Europeia foi construída, isto é, sob uma base exclusivamente econômica. De forma que não foram ignoradas apenas nossas raízes espirituais e culturais, mas também nossas raízes políticas e legais. Se isto foi tomado como uma critica à Alemanha, é só porque a Alemanha, em virtude de sua posição dominante e a despeito de sua tradição filosófica excepcional, parece incapaz, no atual momento, de conceber uma Europa baseada em qualquer coisa que não apenas o Euro e a economia. De que forma a União Europeia negou suas raízes políticas e legais? Quando falamos da Europa hoje, nos deparamos com a repressão gigantesca de uma verdade dolorosa, porém óbvia: a dita constituição europeia é ilegítima. O texto a que damos esse nome nunca foi votado pelo povo. Ou quando chegou a ser posto em votação, como na França e na Holanda em 2005, foi frontalmente rejeitado. Em termos legais, portanto, o que temos aqui não é uma constituição, mas, pelo contrário, um tratado entre governos: lei internacional, não lei constitucional. Recentemente, o altamente respeitado jurista alemão Dieter Grimm chamou atenção para o fato de que a constituição europeia carece do fundamental – o elemento democrático – já que cidadãos europeus não foram autorizados a decidir sobre ela. E agora todo o projeto de ratificação pelo povo foi tacitamente posto em gelo fino. Este é, de fato, o famoso ‘déficit democrático’ no sistema europeu… Não devemos perder isso de vista. Jornalistas, particularmente na Alemanha, têm me acusado de não entender nada de democracia, mas eles deveriam considerar antes de mais nada que a UE é uma comunidade baseada em tratados entre Estados, e simplesmente disfarçada com uma constituição democrática. A ideia de um poder constituinte na Europa é um espectro que ninguém mais arrisca evocar. Mas é só com uma constituição válida que as instituições europeias podem restabelecer sua legitimidade. Isso significa que você vê a União Europeia como um corpo ilegal? Não ilegal, mas ilegítimo. “Legalidade” é uma questão das regras para exercício do poder; “legitimidade” é o princípio que subjaz a essas regras. Tratados legais certamente não são apenas formalidades, mas refletem uma realidade social. É compreensível, portanto, que uma instituição sem uma constituição seja incapaz de seguir uma política genuína, mas que cada Estado europeu continua agindo de acordo com seu interesse egoísta – e hoje isso evidentemente significa interesse sobretudo econômico. O menor denominador comum de unidade é alcançado quando a Europa aparece como vassala dos Estados Unidos e participa de guerras que de forma alguma são de interesse comum, sem falar na vontade do povo. Vários países dos Estados fundadores da UE – como a Itália, com suas várias bases militares americanas – estão mais para protetorados que para Estados soberanos. Na política e no militarismo existe uma Aliança Altântica, mas certamente não há uma Europa. Você preferiria então um Império latino a cujo modo de vida os alemães teriam de se adaptar, à UE… Não, foi talvez de forma um tanto provocativa que assumi o projeto de Alexander Kojève de um “Império latino”. Na Idade Média, as pessoas ao menos sabiam que a unidade de diferentes sociedades políticas tinha de significar mais do que uma sociedade puramente política. Na época, o vínculo unificador era buscado no cristianismo. Hoje acredito que essa legitimação deve ser buscada na história da Europa e de suas tradições culturais. Diferente dos asiáticos e dos americanos, para quem a história significa algo completamente diferente, europeus sempre encontram sua verdade em um diálogo com seu passado. O passado para nós significa não apenas herança cultural e tradição, mas uma condição antropológica básica. Se ignorássemos nossa própria história, poderíamos apenas acessar o passado arqueologicamente. O passado, para nós, tornar-se-ia uma forma de vida distinta. A Europa tem uma relação especial com suas cidades, seus tesouros artísticos, suas paisagens. É disso que a Europa é realmente feita. É nisso que reside sua sobrevivência. Então a Europa é antes de mais nada uma forma de vida, uma sensação histórica de vida?

Leia mais »

A invisibilização de Francisco

Em resposta a Papa que repercute mal-estar com o capitalismo e busca de alternativas, poder global adotou estratégia astuta: em vez da polêmica, o silêncio… Laudato Si, a encíclica social apresentada por Francisco, foi recebida por um sugestivo coro de elogios. Só destoaram alguns representantes da direita norte-americana, como Jeb Bush, Rick Santorum e outros, católicos e republicanos, para os quais “o Papa está vendendo uma linha de socialismo de estilo latino-americano” e deveria ocupar-se de “fazer as pessoas melhores, ao invés das questões que têm a ver com política”. Tanta unanimidade no elogio a um documento que critica com dureza o sistema capitalista e o consumismo parece, pelo menos, estranha. Mais natural seria que uma encíclica para a qual a solução da crise é política, já que “o próprio mercado não garante o desenvolvimento humano integral, nem a inclusão social” recebesse também a crítica de uma longa fila de políticos, empresários, economistas, jornalistas e religiosos que se alimentam do sistema e agora se fazem de distraídos, ou lançam elogios formais.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Gerentes, representantes e defensores do sistema mencionado pela encíclica como causador de desastre humanitário e ecológico – a quem seguramente não faltam motivos para mandar o Papa “ocupar-se de outras coisas” – foram mais astutos que Jeb Bush. Calam-se e esperam que a inércia conservadora, que também arrasta a igreja católica, termine por inviabilizar a Laudato Si, como aliás já fez com outro documento de Francisco com fortes definições sociais, a Evangelii Gaudium. Para comprovar a vigência desta estratégia, basta reparar nos elogios parciais com que a encíclica foi recebida por empresários e jornalistas que desde sempre defenderam as supostas virtudes da desregulamentação liberal. Basta ver os sonoros silêncios dos políticos e meios de comunicação que apregoam a necessidade de um retorno – este, sim, disfarçado de “mudança” – às políticas de mercado e de ajuste dos anos 1990. Aconselhados pela “prudência política”, calam e esperam. Confiam que Laudato Si será em pouco tempo, por ação ou omissão da igreja, tão invisível como Evangelii Gaudium. Um ano e meio depois de sua publicação, já poucos nos lembramos deste documento, que também fez os acomodados rangerem dentes. TEXTO-MEIO Evangelli Gaudium, é preciso recordar, é o documento em que Francisco diz que o desequilíbrio entre ricos e pobres “provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso negam o direito de controle dos Estados, quando estes se encarregam de velar pelo bem comum”. Que fez a igreja, que fizeram os bispos e padres para que esta ideia penetre na consciência e resulte em ação? Uma primeira impressão é que fizeram pouco ou nada. Esta atitude é demonstrada pela afirmação do diretor de uma importante editora católica argentina, ao explicar sua decisão de não publicar um livro sobre a encíclica. “Não vai vender, porque a Evangelii Gaudium não foi incorporada pelos agentes pastorais”, afirmou ele. O diretor não o disse, mas é claro que esta falta de penetração é consequência ou de uma decisão expressa, ou do desinteresse de quem define as formas de agir da instituição. Apesar desta confissão, seria interessante comprovar a hipótese por meio de um trabalho de sociologia religiosa, que verifique quantos cursos ou seminários sobre a Evangelii Gaudium foram organizados pela igreja católica; quantos documentos ou pregações dedicaram-lhe os bispos; em quantas instruções pastorais sua difusão foi estimulada; em quantas matérias das universidades católicas ela é estudada; quantas paróquias organizaram alguma atividade inspirada na encíclica; quantas organizações de laicos a tomam como referência para sua ação; de que forma as Comissões de Justiça e Paz vêm trabalhando com ela etc etc etc. Seria de esperar que a igreja, seus bispos e instituições trabalhassem de maneira que a Laudato Si não seguisse o mesmo caminho obscuro e, pelo contrário, se convertesse no que deve ser: um novo paradigma de evangelização. Mas é algo que está por acontecer. Enquanto isso, a invisiblização da Evangelii Gaudim é muito recente, e muito evidente, para não temermos que a história se repita. E que se justifique, assim, a estratégia dos poderosos, que mentem adesão ou calam… e esperam. Por Rodolfo Luís Brardinelli/Tradução: Antonio Martins

Leia mais »

Acordos bilionários representam nova ordem mundial liderada pela China

País asiático se destaca no movimento político e econômico que faz frente aos EUAEncontro de Dilma e Li-Keqiang celebra 37 atos entre Brasil e China O acordo dos chineses no valor de US$ 53 bilhões com oBrasil representa uma nova ordem mundial liderada pela expansão econômica e política da China frente aos Estados Unidos. Na América, o país asiático já é o principal parceiro econômico, tanto de nações da América do Sul quanto da América do Norte, mantendo fortes relações com Canadá, México e Estados Unidos. Já na Europa, os acordos econômicos e a presença chinesa podem ser comparados ao período denominado “Rota da Seda”, segundo o professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Argemiro Procópio. “A China de hoje não é mais a mesma, ela passou por uma grande revolução que a transformou em uma potência com abertura econômica, mas que permaneceu internamente um país comunista”, completa Procópio, que também é autor do livro “O Capitalismo Amarelo”, da Editora Juruá. A publicação mapeia a filosofia produtiva do país que, segundo o autor, para ser a primeira potência mundial, sabe o quanto sua democracia precisa se reinventar.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Além de crescer como potência e “suplantar os Estados Unidos”, segundo Procópio, o país evoluiu sua maneira de investir, o que pode pode ser observado nos acordos com o Brasil, que têm foco em investimentos de infraestrutura e não mais somente em garantir suprimento de matéria primas para suas indústrias. Quem faz este destaque é o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Célio Hiratuka. “Tradicionalmente, a China era focada em garantir suprimento de matéria prima de países em desenvolvimento. Agora ela está em um segundo passo, que é o de investir em infraestrutura e inserir nesses países empresas suas que oferecem esse tipo de serviço. O terceiro passo na influência, é o de inserir empresas de bens de consumo”. O professor comenta que o foco chinês é tentar “criar canais de articulação com outros países em desenvolvimento através de investimentos, mas também preservar sua influência sobre eles”. A “economia de mercado com características chinesas” coloca o país em destaque como força política, representada pelo Partido Comunista ainda que, segundo Argemiro Procópio, após a queda do Muro de Berlim, os partidos de esquerda tenham criado “vida própria”, deixando de ser dependentes de países como Rússia e a própria China. Em escala mundial, os asiáticos podem representar como potência econômica um movimento de expansão de políticas de esquerda. Mesmo que quando se fale em “esquerda”, possa-se enxergar diversas vertentes e filosofias distintas, ela emerge de países que não foram totalmente contemplados pelo capitalismo como na América do Sul, da qual boa parte dos países é governado por partidos identificados como de esquerda. No Equador, Rafael Correa; na Bolívia, Evo Morales; no Brasil, Dilma Rousseff; no Uruguai, Tabaré Vazquez; na Venezuela, Nicolás Maduro; no Chile, Michelle Bachelet. A eleição de políticos de esquerda na América do Sul já não é, entretanto, novidade. Mas o avanço de tal filosofia tem se estendido ao resto do mundo e causado surpresa principalmente na Europa, que sofre de elevado endividamento desde 2011 e alguns dos países mais afetados têm servido de “porta de entrada” para tais políticas na na Zona do Euro, como a Espanha e a Grécia. Na Grécia, Aléxis Tsípras, líder do Syriza, foi eleito primeiro-ministro. Já na Espanha, os eleitores elevaram aos postos da prefeitura de Madri e Barcelona, Manuela Carmena e Ada Colau, do Partido Comunista e do Podemos, respectivamente. Célio Hiratuka enxerga esses avanços da esquerda como uma reação ás condições colocadas pelo ajuste econômico provocados pela crise, assim como o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcelo de Almeida Medeiros. Para ele, “os Estados-membros da União Europeia, afetados simultaneamente pela crise econômica e pela pressão migratória, reagem diferentemente”, com os governos de esquerda “rejeitando o enquadramento econômico ortodoxo” vindo de Bruxelas.

Leia mais »

O fim da economia

Se o país tem uma safra recorde de grãos, isso é bom ou ruim? Se há oferta excessiva de grãos, é uma boa nova ou má notícia? Pela lei da oferta e da procura, uma safra recorde pode expandir as vendas internas e a exportação, mas tende a pressionar os preços para baixo, certo? Não de acordo com a imprensa brasileira: no noticiário fragmentado da mídia tradicional, uma coisa é uma coisa e outra coisa pode ser a mesma coisa. Até meados de 2013, foram muitos os artigos de especialistas defendendo o aumento dos juros e a desvalorização do real, como forma de atrair investidores ao mercado de ações e títulos, embora o país colecionasse ganhos expressivos na atração de investimento estrangeiro direto, aquele dinheiro que vai para aquisições de empresas e parcerias produtivas. A partir do segundo semestre de 2014, quando os juros subiram a níveis elevados, a imprensa alerta para o risco dessa escalada para os setores que dependem da importação de máquinas e insumos. Qual é a verdade da mídia? A de 2013 ou a de 2015? O leitor típico da mídia genérica, que acredita em grande medida em tudo que lê ou assiste no noticiário da TV ou do rádio, é lançado num labirinto e se sente inseguro. O que pensar de uma sucessão de eventos contraditórios, quando lançados ao público sem a devida contextualização, quando a preocupação básica do indivíduo é saber se sua receita continuará sendo suficiente para cobrir os gastos domésticos e, se possível, deixar uma sobra para a poupança?[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] O público da mídia especializada, que busca no noticiário aquilo que atende a seus interesses mais importantes, também tem necessidades genéricas; portanto, as contradições do noticiário econômico, publicadas de maneira dispersa pela imprensa, hão de produzir a mesma angústia. Aqueles que dependem da análise de indicadores para tomar decisões importantes têm à disposição os boletins de corretoras, consultorias, bancos e, em último caso, o acesso às fontes primárias dos números. Para que serve, então, o noticiário econômico? No caso da mídia tradicional do Brasil, serve para produzir uma pressão adicional no campo político, em defesa de uma política econômica que o núcleo decisório da imprensa considera mais adequado. A vida monetizada O leitor crítico de jornais e revistas – que costuma suspeitar do noticiário da televisão e da profusão de opiniões sobre economia que proliferam na imprensa – pode não ter uma noção clara de onde se originam suas desconfianças, mas deve se considerar um privilegiado, porque ainda é capaz de preservar alguma consciência da realidade. Mas ele também sofre as consequências da manipulação de dados em favor desta ou daquela doutrina econômica. Nessa mistura entre política e economia, as relações econômicas foram transferidas do real para o campo das abstrações, e ainda que se diga que riquezas são construídas e destruídas na realidade, elas se transformaram em meras alegorias. Qualquer pessoa alfabetizada pode olhar em volta e constatar que o sistema econômico se sustenta apenas em símbolos e que esses símbolos são facilmente manipuláveis. Por exemplo, o empresário Eike Batista é símbolo de sucesso ou de fracasso? O que os jornais e os noticiários – especializados ou genéricos – apresentam diariamente sobre os fatos econômicos, os indicadores, bem como a interpretação e a valoração de tudo que se produz, está carregado de fabulações. Claro que a dificuldade de um trabalhador que não recebe salários a cada mês é uma realidade insofismável, assim como a contabilidade negativa de um empreendedor que não tem lucros. Mas, o que é mesmo o salário? O que é o lucro? As críticas a esta ou aquela estratégia econômica, fundamentadas nesse conjunto de signos, têm o poder de influenciar decisões e alterar a realidade subjacente a esse universo simulacro, ainda que sejam baseadas em meras convenções. Assistimos ao processo avassalador da monetização de tudo, e com essa obsessão os operadores do ambiente midiático passaram a ignorar o conflito histórico entre capital e trabalho, assumindo como dogma que tudo gira em torno do valor financeiro. O noticiário econômico se apresenta inicialmente como reflexo da realidade econômica, ou seja, como representação fiel de seus múltiplos aspectos por meio do conjunto de indicadores. Em seguida, mascara a realidade como um espelho de fragmentos; consolida-se, então, como uma representação da realidade e, finalmente, impõe-se sobre a sociedade como se fosse a própria economia, em toda sua grandiosa complexidade. Mas é apenas um simulacro. Por Luciano Martins Costa/Observatório da Imprensa

Leia mais »

Muita atenção para o embate entre Thomas Piketty e Yanis Varoufakis

É raro economistas de esquerda serem ouvidos pela grande mídia, mas dois deles conseguiram essa façanha nos últimos meses e ambos estão entrando em rota de colisão. Varoufakis vs. Piketty: um embate para prestar atenção. Thomas Piketty e Yanis Varoufakis É raro economistas de esquerda serem ouvidos pela mídia, quanto mais levados a sério, mas dois deles conseguiram essa façanha nos últimos meses: o francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século XXI e o grego Yanis Varoufakis, novo ministro da Fazenda de seu país. Ambos estão conquistando fã-clubes que não se resumem a colegas de profissão e despertam o interesse de políticos e militantes de esquerda em todo o mundo. Seria de se esperar que suas ideias fossem semelhantes ou complementares. Mas não os convide para a mesma mesa: o ministro grego é um crítico duríssimo do professor francês. Em artigo publicado na Real-World Economics Review, chega a chamá-lo de “O último inimigo do igualitarismo”. Que as esquerdas não precisam de muitos motivos para se dividir é um clichê fácil, mas as razões da divergência são importantes e interessantes. Não há dúvidas sobre a importância da pesquisa inédita de Piketty sobre mais de duzentos anos de história da concentração de renda e riqueza e da importância das heranças no capitalismo. Nem sobre a “curva em U” que estas variáveis desenharam ao longo do século XX, de maneira a chegar a um mínimo depois da II Guerra Mundial e retornar hoje a um nível quase igual ao do século XIX – ou pior ainda, no caso dos Estados Unidos. O problema está em como o francês analisa teoricamente seus achados, propõe modelos e chega a conclusões sobre recomendações políticas.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] A primeira dificuldade é que Piketty, embora reivindique com o título e a introdução de sua obra certa pretensão de atualizar e corrigir Karl Marx, sua conceituação está na prática muito mais próxima de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, pois não distingue riqueza de capital e exclui apenas os bens móveis de consumo (tais como automóveis e eletrodomésticos). Moradias, obras de arte e barras de ouro não fazem diferença para o processo de produção, mas ele os trata da mesma maneira que tratores e robôs. Isso torna duvidosa qualquer tentativa de estudar e prever o crescimento e o desempenho da economia a partir dessa massa de “pseudocapital” da qual cerca da metade nada tem a ver com produção. Dificuldade análoga é tratar como “salários” os ganhos astronômicos de altos executivos, parte nada desprezível da renda nacional em países como os EUA, mesmo se são explicitamente vinculados ao lucro e constituídos de bonificações e opções de compra de ações. Valores de mercado são governados por expectativas e pela taxa de remuneração do capital, mas Piketty considera essa taxa e o montante do “capital” como variáveis independentes, o que é inconsistente e conduz a um círculo vicioso. Ainda mais problemático do ponto de vista político é tratar a participação do trabalho e do capital na renda como resultado mecânico das suas leis da acumulação e do efeito de impactos externos, principalmente as guerras mundiais do século XX. O modelo de Piketty supõe que toda poupança se transforma em riqueza (logo capital, em sua definição) e não há formação de riqueza se não for por meio da poupança. Isso tem pouco a ver com o mundo real, como mostra a formação da bolha imobiliária, durante a qual o valor de ativos cresceu aos trilhões com poupanças líquidas nulas ou negativas, ou a situação atual na Europa, onde altas taxas de poupança se combinam com falências e destruição ou desvalorização dos ativos. Implicitamente, Piketty adere à “mão invisível” de Adam Smith e à desacreditada lei de Say, segundo a qual a oferta cria a demanda sem que haja desperdício, desemprego ou superprodução e a poupança se torna investimento sem ser absorvida por entesouramento improdutivo. No essencial, seus dados  sobre o processo de concentração de renda nos países ricos são sólidos e irrefutáveis, mas as “leis” propostas para explicá-lo são frágeis. Isso torna igualmente questionável sua conclusão por teorema matemático, de que a tendência ao aumento da desigualdade é “natural” ao capitalismo, embora nessa conclusão ele esteja mais próximo de Marx do que de Smith. Varoufakis argumenta que se renunciarmos às simplificações arbitrárias de Piketty e aplicarmos modelos realistas da economia, a participação do capital na renda e sua distribuição são fundamentalmente indeterminadas. Para o grego, não há nada de natural ou determinístico na concentração de renda e riqueza no capitalismo. A melhora temporária da distribuição de renda e propriedade durante o século XX não foi nem uma anomalia, nem um resultado inevitável das guerras, mas o resultado de uma intervenção política consciente para evitar a depressão econômica e salvar o capitalismo. E a volta do processo de concentração nos anos 1970 também não foi o resultado de leis mecânicas, mas de outra política consciente dos EUA para atrair capitais e manter sua hegemonia quando sua competitividade ante Europa e Japão se reduziu e deixou de acumular superávits no comércio internacional. Essa discordância teórica implica em grandes divergências práticas sobre o que fazer. Como Piketty considera a tendência à concentração de renda inerente ao processo de acumulação do capitalismo, propõe apenas soluções redistributivas, principalmente aumento das alíquotas progressivas de imposto de renda para até 80% e um imposto mundial sobre o capital/riqueza. Varoufakis argumenta que um imposto sobre a riqueza, mesmo que seja factível, seria contraproducente e agravaria as dificuldades da economia. Considere-se uma família de desempregados que conserva sua residência, ou uma indústria sufocada por falta de demanda e crédito: uns e outros, mesmo sem dispor de renda, seriam obrigados a pagar um imposto elevado, o que apenas serviria para levá-los mais rapidamente à falência total. Para o grego, um combate eficaz à desigualdade deve atuar na formação de salários e demanda (por políticas keynesianas, por exemplo). Ambos também divergem drasticamente quanto às propostas para a Zona do Euro. Piketty quer um Estado federal unificado para

Leia mais »

Publicidade: o ‘photoshop’ do capitalismo contemporâneo

O capitalismo é marcado pelo seu caráter dinâmico, contraditório e de dominação política e ideológica, que transforma constantemente os vários aspectos do modo de vida, engendrando uma série de conflitos na sociedade, que, em um movimento também contraditório, adere e resiste aos novos “modelos” de vida civilizada. Valter Palmieri Júnior ¹ Uma arma contemporânea do capitalismo que consegue violentar os valores sociais de modo muito sedutor é a publicidade (incluindo as estratégias de marketing e criação de marcas). Não criando valores e desejos novos, mas reforçando e manipulando os valores já existentes na sociedade. A publicidade é uma espécie de photoshop do sistema, pois permite uma edição tridimensional do modo de vida capitalista, não apenas escondendo os efeitos violentos da mercantilização da vida social, mas milagrosamente transformando em fascínio algo que era para ser contestado. Essa faceta da publicidade ocorre porque ela se tornou muito mais do que apenas um discurso para vender mercadorias, ela é a própria mercadoria, consumida e ressignificada. Por isso, é o principal objeto de consumo para descrever a nossa atual sociedade de consumo. O sociólogo Jean Baudrillard explica de forma didática o papel da publicidade nos nossos dias ao compará-la com a figura do papai Noel. Assim como as crianças não se importam com a existência real da figura natalina, uma vez que o importante é que seus pais lhes deem um presente em nome dele, as pessoas também não se importam com a veracidade do discurso da publicidade, dado que o essencial é a cumplicidade da crença.Ou seja, o que importa é que ela seja compartilhada, já que a “crença” funciona apenas porque se funda na reciprocidade da manutenção da relação. É fácil entender tal questão a partir da análise das próprias propagandas. Por exemplo, consumir o comercial da Coca-Cola hoje em dia é muito mais do que acreditar que é uma bebida saborosa, tanto que seu slogan é “viva o lado coca-cola da vida”, associando o produto com felicidade, liberdade e prazer momentâneo.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Consumir a propaganda de uma tintura de cabelos não é acreditar que quem utiliza o produto possuirá os cabelos iguais ao da Juliana Paes ou outra modelo do comercial, tanto que no slogan “L´oréal, porque você vale muito!” fica clara a tentativa de associar a marca com questões subjetivas valorizadas atualmente, como a elevada autoestima. Para que a publicidade venda felicidade, modernidade, liberdade, autoestima, igualdade, exclusividade e outros valores, foi necessário que essas características se tornassem escassas para a maioria da população, para que se transformassem em objetos de desejo de consumo. A sociedade de consumo tornou a sociabilidade ainda mais individualizada e impessoal, despersonalizando os indivíduos, uma vez que as relações sociais ocorrem por meio da manipulação do universo dos símbolos e signos das mercadorias. O consumo torna-se, dessa forma, o principal critério de diferenciação social. O conjunto de características psicológicas que determina os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade é pautada, na sociedade atual, por intermédio do consumo e a sociabilidade ocorre através do meio do nível de aderência ao sistema de signos criados pelo processo produtivo, mas que mantêm um modo ativo com a sociedade, que participa na construção desses signos. Ser alguém é estar constantemente atualizado no mundo da moda, não apenas em relação a carros, corpo, roupas e smartphones, mas, sobretudo, em valores, crenças e desejos. É por esta razão que Jean Baudrillard afirma que o culto da diferença se funda na perda total das diferenças substantivas.A diferença é que imprime a identidade ao indivíduo, a questão é que as diferenças que hoje importam se referem ao ter e não ao ser, a massificação anulou tanto as individualidades que elas passaram a ser fabricadas, por isso nossa sociedade é marcada pela despersonalização e culto a diferença não substantiva (supérflua), reduzindo o elo social. Desse modo, em uma sociedade em que o que é valorizado é a abundância de objetos, a publicidade cumpre com o papel de preencher o vazio que o desenvolvimento capitalista nos trouxe ao coisificar o ser humano e humanizar as coisas. Sendo, por esta razão, um editor das imagens do capitalismo, fazendo as pessoas acreditarem que o real é a imagem falseada criada a partir do real. Outra característica importante da publicidade é seu papel de democratizar e homogeneizar os desejos de consumo (em escala global por meio das transnacionais). Afinal, apenas o desejo coletivo é capaz de criar as ‘necessidades’ sociais, porque os indivíduos só acreditam na publicidade porque confiam que os outros também estão acreditando. Por exemplo, um outdoor do novo carro do ano que se encontra em um local onde milhares de pessoas irão ver e desejar todos os dias, mas apenas uma porcentagem ínfima irá conseguir realizar esse desejo e apenas por isso é objeto de ambição. Um grande problema que cresce com o tempo é que os gastos com publicidade crescem em nível mundial em uma taxa maior do que o crescimento da renda média em uma sociedade estruturalmente desigual, tornando cada vez mais problemático acreditar no mito da abundância, pois fica cada vez mais claro que esse mito se sustenta no seu oposto. Resistir a toda essa lógica começa justamente em enxergar os grandes problemas contemporâneos sem nenhuma farsa, sem nenhum photoshop. Enxergar a raiz dos problemas é o único meio de produzir formas de enfrentamento, uma vez que não é possível curar uma doença apenas com o conhecimento dos sintomas superficiais, é necessário compreender o que está provocando o surgimento e desenvolvimento da doença. Sabemos que a publicidade é apenas um componente da lógica do sistema capitalista, mas que tem um papel cada vez mais fundamental ao ampliar a alienação, contribuindo para que a sociedade exalte uma falsa e ilusória abundância, ao invés de resistir à violência de um sistema essencialmente excludente. Aderir à sociabilidade que a publicidade explicita é muitas vezes irresistível, é extremamente difícil não participar das novas tecnologias e formas de interação social criadas. Por isso, o caminho é resistir coletivamente, construindo novas formas de se viver em sociedade. ¹ Valter Palmieri Júnior é mestre em Desenvolvimento

Leia mais »