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Quem são os inimigos dos ambientalistas?

Este veio de crenças e sua diligente tradução em práticas de “negócios sustentáveis” se configurou nas primeiras duas décadas deste século, ainda em curso. O mote principal dos sustentabilistas é mainstreamming the ecology (colocar a ecologia no coração da economia capitalista). Portanto não venham com esse papo de que somos marxistas e anticapitalistas ferrenhos. Há os que discordam do status-quo. São antes anti-establishment. E representam hoje grupos minoritários. Vamos aprofundar isto. E vou precisar de dois posts para o mesmo assunto. Um texto muito grande ninguém lê e aqui é um embate público, não acadêmico. Quando eu estava na faculdade um professor que estudara a formação da classe industrial paulista e a formação das novas fortunas originadas na commodity da época – o café – se espantava com os alunos da pós graduação que só tinham apetite para falar dos movimentos sociais, dos pobres e oprimidos. Inclusive eu que naquele momento desenvolvia meu mestrado estudando os integristas católicos envolvidos no Golpe de 64. Vocês devem estudar os ricos, o poder econômico por eles constituído pois a opressão e a pobreza estão aí como resultado, dizia nosso professor de estudos agrários. Essas reminiscências me vêm à mente quando vejo diariamente as cotações do dólar dar taquicardia e os colunistas políticos e econômicos se referirem ao Deus MERCADO. O mercado pensa assim, o mercado pensa assado. Olho para o voo solo e torpedeado de Thomas Piketty, o economista francês – que se utilizando de base de dados sistemáticas e séries históricas, longitudinais, nos mostrou didaticamente como ao longo de séculos – e mesmo enfrentando grandes guerras, as fortunas se mantém nas mãos de algumas poucas famílias. Também explica como a ciranda financeira torna novas pessoas tidas como empreendedores exemplares, tipo Bill Gates e Slim o magnata mexicano muito, muito ricas. Ao final do século XX vimos dois fenômenos intimamente ligados ocorrer: a expansão do capitalismo (territorial e culturalmente falando) e a concentração brutal da riqueza. Como substrato, massa de pobres e mesmo bolsões de miséria em países tidos como desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Pena, diz Mia Couto filósofo e escritor moçambicano, que em vez de riqueza estamos produzindo ricos, riqueza esta que só é distribuída com escândalo. Basta ver os debates em torno da “renda minima”, não só no Brasil. Faz-se brutais mudanças tecnológicas que destroem milhões de empregos e mesmo as migalhas que serão distribuídas aos que “sobram” desta transição são alvo de controvérsia. A pergunta que não quer calar é: de onde vêm as fortunas do Brasil? Respondo que se você quer saber quem são os inimigos dos ambientalistas, siga o dinheiro. Para abrir o apetite para o próximo post, eu adianto: A riqueza no Brasil tem base fundiária, rentista e imobiliária. Extração de madeira, mineração e comércio do solo urbano. O industrialismo sempre contou com proteção de mercado e as commodities com largos subsídios. O avanço sobre terras públicas, o desmatamento, as Serras Peladas, o avanço do boi e da soja. Sacaram? Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.

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Economia; O ano de privações de dona Idalina

Nem Dilma nem Temer: Moradora da Zona Sul de São Paulo sustenta seis filhos, cinco netos e um bisneto com Bolsa Família Idalinda Gomes, 58 anos, com três netos que cria em um barraco no Jardim Monte Verde, Zona Sul de São Paulo FERNANDO CAVALCANTI Idalina Gomes acorda cedo, no Jardim Monte Verde, Zona Sul de São Paulo, para alimentar quase 50 galinhas que cria na beirada da represa Billings. Um ano depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a mulher de 58 anos reage com indiferença ao ser questionada sobre o que achou da mudança de presidente. Nos últimos 12 meses, um filho de Idalina foi demitido e outro só conseguiu trabalho de madrugada. Ela se vira para sustentar seis filhos, cinco netos e um bisneto com um benefício do programa Bolsa Família de 706 reais por mês. “Não tenho nada pra falar da Dilma nem do Temer. Pra mim, tanto faz como tanto fez. Se ele está lá, ele ganhou. Tem que cumprir o mandato, cumprir o que falou, porque se sair de lá, ninguém mais vai colocar de novo”, diz dona Idalina, um ano depois do impeachment de Dilma. Pelos critérios do Ministério do Desenvolvimento Social, a família de Idalina está em situação de extrema pobreza, porque possui renda per capita inferior a 85 reais. O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculava que 3.810,36 reais era o salário necessário para sustentar dois adultos e duas crianças na capital de São Paulo em julho deste ano. De acordo com levantamento da Geofusion, empresa de tecnologia e informações de mercado, a renda média familiar no entorno da casa de dona Idalina era de 2.181,09 reais no fim do ano passado, bem abaixo da média nacional (3.847,66 reais) e paulistana (6.797,32 reais). O último ano de dona Idalina passou longe das traficâncias na Praça dos Três Poderes. A narrativa do governo Temer, que propagandeia o controle da inflação, se esvanece antes de sua realidade. Tampouco se sustenta a narrativa petista, onde parte da ascensão dos mais pobres à classe média é atribuída ao Bolsa Família. A família de Idalina depende do programa de complementação da renda há 11 anos. Dos nove filhos, nenhum conseguiu terminar o ensino médio. Sem reajuste no Bolsa Família neste ano, Idalina não experimentou nenhum alívio nos preços de mercadorias e serviços, apesar da inflação mais baixa propagandeada pelo governo. “Aumentou o preço de tudo. Comprava frango a 5 reais, agora já é 7 reais. Só como carne vermelha graças à vizinha, que é quase minha mãe e me dá. Feijão a gente só compra quando está em promoção. Como sou mineira, não consigo comer nada sem alho, mas já é 2 reais uma cabeça de alho”, diz dona Idalina. Idalinda cria quase 50 galinhas em um galinheiro improvisado na beira da represa Billings, no Jardim Monte Verde, Zona Sul de São Paulo. “ FERNANDO CAVALCANTI Nascida na zona rural de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Idalina se instalou com a família no Jardim Monte Verde quando a água da represa Billings era “limpinha”,há quase 30 anos. “Limpava as fraldas de pano dos meus filhos. Tinha peixes na água”, lembra. Separou-se do primeiro marido, casou de novo com outro companheiro e se separou novamente há cinco anos. Alguns filhos formaram família e saíram de casa, mas se desquitaram e voltaram a morar com a mãe. Dormem quatro pessoas em uma cama de casal, duas crianças e um adulto em um colchonete no chão — o resto da família se divide entre um beliche de duas camas e outras três camas de solteiro. Em uma parede, o retrato do filho caçula lembra que ele abandonou os estudos para trabalhar, na véspera de concluir o ensino médio. Três televisões pequenas estão espalhadas pela casa. A moradia improvisada tem geladeira, fogão, mas a concessionária de energia elétrica não oferece ponto de luz no domicílio.  Mesmo ao lado da represa Billings, e sem racionamento oficial, a Sabesp corta a água da região depois das 18h. Faltam armários. Alimentos não perecíveis são armazenados em um cestão de plástico. Roupas são guardadas em sacos de lixo. No entanto, as privações não impedem Idalina de sonhar com um futuro melhor para os filhos e netos.“Meu sonho é ter meus filhos trabalhando, para viverem a vida deles, terem as casas deles. Queria que não faltasse nada pros meus filhos”, diz. Ela fazia faxinas para complementar a renda até três anos atrás, mas, diagnosticada com osteoporose, parou de trabalhar depois que as dores nos joelhos ficaram insuportáveis. No posto de saúde mais próximo, a cinco km de sua casa, já não consegue remédio para tratamento da doença óssea há um ano. “O médico falou que só um medicamento servia, mas que não ia me receitar porque eu não tinha condição de comprar”, afirma. Passou a sofrer esquecimentos e tenta há meses agendar uma consulta para tratar o problema, sem sucesso. Toda semana a rua de Idalina recebe a visita de dois médicos da família, mantidos pelo programa Saúde da Família do governo federal. Mas não adianta. Enquanto não consegue cuidar da própria saúde, Idalina cuida do galinheiro que mantém. Não somem as lembranças dos pais, trabalhadores rurais, com quem aprendeu a criar galinhas na infância. “Quando eu estou lá com as galinhas, minha cabeça fica boa”, diz. Nada é para consumo. O galinheiro só aumenta. Idalina dá os pintinhos para os netos brincarem na porta de casa. Nove filhos e três netos foram criados por Idalina. Agora, cuida da neta mais nova, de um ano e dois meses, negligenciada por uma filha que sofre as intempéries do vício em drogas. O irmão da bebê, de seis anos, também é criado pela avó. O menino se distrai com um spinner, o brinquedo do momento, enquanto se alegra com os primeiros passos da neném. “Ela já deu três passinhos”, comemora. Ele e a irmã de oito anos, também criada por Idalina, vão ao colégio, enquanto o bisneto vai à creche. Também passou a faltar leite para as crianças nos últimos meses, porque a

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