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A criminalização da advocacia, por quem se amedronta com o Tribunal da Mídia

Não há, para mim, ramo mais nobre do direito que a advocacia criminal. Porque nela não estão em jogo bens, rendas, impostos, contratos, querelas pessoais, familiares, questões de alta indagação constitucional.    Está em jogo, muitas vezes, aquilo que Cecília Meirelles definiu como “uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” : a liberdade. A minha geração formou-se admirando grandes advogados criminais ou, ao menos, arrastados ao campo do Direito Penal pelas necessidades de enfrentar o autoritarismo. Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Evandro Lins e Silva, para ficar apenas naqueles que estão na história como marcos da democracia. Tirante os apresentadores de programas policiais, ninguém questionava a honra destes profissionais pelos crimes que seus representados tinham – ou não – cometido. Esta história de “advogado de bandido” é própria de meganhas de palitos nos dentes e cordão de ouro brilhando sobre a camisa desabotoada.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Há, claro, advogados bandidos, como há médicos bandidos, jornalistas bandidos e até padres bandidos, como volta e meia se descobre um abusador de batina. Mas advogar, mesmo para possíveis criminosos, é uma arte nobre e é natural que estes profissionais vivam disto, como um médico vive dos pacientes e um engenheiro dos contratantes da obra. O que jamais impediu que muitos, muitas vezes advogassem de graça, curassem de graça ou projetassem de graça, como é belo exemplo o Niemeyer. Que o Ministério Público saltasse protestando contra a carta dos advogados também é compreensível: é o perseguidor, sua função, rebatendo quem defende o perseguido. Embora tenham fugido de abordar os questionamentos concretos dos advogados – a vinculação da prisão preventiva à concordância de tornarem-se delatores – é o que podia sair da cabeça de uma “força tarefa de Deus”, que baixou à Terra com suas inabaláveis verdades. Mais ainda porque contam, neste caso, com um juiz que só a eles dá ouvidos, diante do qual os advogados de defesa cumprem um papel protocolar e são uma chateação que tem de ser suportada até  que cumpram-se as formalidades da condenação. Mas foi deplorável ver o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, João Ricardo dos Santos Costa, dizer que as posições dos advogados refletem os seus “interesses particulares” como contratados – alguns deles – para defendê-los. Ou que diga que estão “atacando e tentando desqualificar o Poder Judiciário”. Atacar  decisões e atos do Ministério Público ou de integrantes do Judiciário é um dever do advogado, Excelência. E juiz não ficar ofendido pessoalmente com isso é condição básica do exercício de sua função, embora recentemente tenhamos passado a ver com Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes – e, agora, com alguns ensaios de Dias Toffoli –  o “chilique judicial” chegar à mais alta corte nacional. Não compreender isso é não compreender o papel – constitucional, inclusive – da advocacia. Tão grave quanto isso foi e é a ausência da Ordem dos Advogados do Brasil, que parece também estar vivendo um progressivo convencimento de que o advogado é algo como um “despachante judicial”. Contraditório, porque a Ordem comemora a nova lei que garante ao advogado o conhecimento de todos os elementos do inquérito, sob pena de nulidade absoluta de todos os elementos investigatórios e probatórios a que se negue acesso – o que, qualquer um sabe, foi o que menos ocorreu na Operação Lava Jato. Mais de uma centena dos mais conhecidos advogados do país faz um pronunciamento grave como o que fez e a Ordem “desaparece” em sua omissão? Talvez a associação de magistrados tenha reclamado e a OAB silenciado justamente por algo que é mencionado na carta, o eixo em torno do qual se desenvolvem os abusos na Operação Lava Jato e que, sem este fator, certamente teriam tido remédio nas decisões dos tribunais superiores, com o sistema de freios e contrapesos da Justiça funcionando. É o trecho que diz que “ a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial – direito inalienável de todo e qualquer cidadão e base fundamental da democracia.”. Mas a “publicidade opressiva” é a mídia de partido único e seu poder incontrastável que, até mais rápida e impiedosamente que o Dr. Sérgio Moro, acusa, julga e condena neste país, agora sem possibilidade até de recurso aos tribunais que a admitiram como instância suprema de julgamento, inapelável. Fernando Brito/Tijolaço

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LAVA JATO mudou a justiça e a advocacia

A Justiça penal não será a mesma depois do mensalão e da Operação Lava Jato. Tanto a prática de juízes, delegados, procuradores e advogados como nas doutrinas e tribunais. Tudo começa a mudar. Que mudanças são essas?  Joaquim Falcão Mudança geracional. Juízes, procuradores, delegados são mais jovens. Fizeram concurso mais cedo. Vivem na liberdade de imprensa, na decadência dos partidos e na indignante apropriação privada dos bens públicos. E não têm passado a proteger ou a temer. Dão mais prioridade aos fatos que às doutrinas. Mais pragmatismo e menos bacharelismo. Mais a evidência dos autos –documentos, e-mails, planilhas, testemunhos, registros– do que a lições de manuais estrangeiros ou relacionamento de advogados com tribunais. Erram aqui e acolá. Às vezes, extrapolam, mas passaram por duro aprendizado institucional com Banestado, Castelo de Areia, Furacão e outras operações. Atentos, buscam evitar nulidades processuais. O juiz, e não mais os advogados, conduz o processo.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”] Usam de múltiplas estratégias. Jurídica, política e comunicativa. Valorizam a força das imagens, que entram, via internet, televisão, lares e ruas, nos autos e tribunais. São informados e cosmopolitas. Organizam cooperação internacional com Suíça, Holanda e Estados Unidos. É difícil para a tradicional advocacia individual enfrentar essa complexa articulação entre instituições. Usam com desenvoltura a tecnologia. Extraem inteligência de “big data” (análise de grandes volumes de informação). Aplicam-se em finanças e contabilidade. As consequências para a advocacia são várias. Plantar nulidades para colher prescrição –o juiz não seria competente, a defesa foi cerceada, o delegado extrapolou poder investigatório etc.– é estratégia agora arriscada. Tribunais superiores não suportam mais serem “engavetadores” de casos que chegam quase prescritos. Diminuem-se diante do olhar da opinião pública. Apostar que juízes, procuradores e delegados agem com arbítrio, ferem direitos fundamentais dos réus, sem clara e fundamentada evidência, é protesto que se dissolve no ar. Algumas defesas tentam politizar o julgamento. Juízes, delegados e procuradores agiriam a serviço do governo ou dos políticos envolvidos. Colocam suas fichas que no Supremo Tribunal Federal tudo se resolveria politicamente. É tentativa possível. Nunca deixará de ser. Mas hoje o sucesso é menos provável. O invisível ministro Teori Zavascki não dá mostras de vergar. Até agora não se conseguiu colocar Curitiba contra Brasília. Nem vice-versa. Neste cenário, como em todos os países, a defesa preferencial dos réus tem sido a minimizadora de riscos. Contabilizar perdas e danos. Por isso aceitam a delação. Amortecem as condenações individuais dos executivos, oferecendo o apoio empresarial às famílias. Fazem acordo de leniência. Pagam alguns bilhões via Controladoria Geral da União. Vendem ou remodelam as empresas. Assim o país se encontra com nova Justiça e advocacia penal no Estado democrático de Direito. por: Joaquim Falcão

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