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Aborto, excomunhão e dogmas católicos

É justo questionar dogmas católicos Kennedy Alencar* A Igreja Católica é composta por homens e mulheres de carne e osso. Como toda instituição viva, seus dogmas merecem contestação de quem pertence aos seus quadros, de quem já pertenceu e de que não pertence. Os de fora têm o direito de opinar sobre as decisões de uma instituição poderosa e que influencia o debate público no mundo inteiro. No Brasil, há separação entre Estado e igreja. Apesar disso, os religiosos se julgam no direito de criticar decisões legais, como o aborto de uma criança de 9 anos que foi estuprada. Ora, se podem meter o bedelho nas regras do Estado laico e democrático, podem também ouvir críticas a seus dogmas. Nesse contexto, é absurda a excomunhão dos médicos e da mãe da menina estuprada pelo padrasto. Pior, o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, disse que aborto é pior do que estupro. Os idiotas da subjetividade vão dizer que é assunto da Igreja Católica e ponto final. No direito canônico, o aborto é mais grave que o estupro. Quem é católico que se acomode, e os incomodados que se retirem. Esse discurso serve a um conservadorismo anacrônico que afasta cada vez mais a Igreja Católica do cotidiano de seus seguidores. É um erro considerar um meio católico ou um mau católico quem apoia a decisão de abortar na circunstâncias em que se encontrava a menina de 9 anos. Ela pesa 30 quilos. Sua gravidez poderia matá-la. A lei brasileira permite aborto em caso de estupro e quando se coloca em risco a vida da gestante. Há outro agravante: a menina é de um região pobre do Nordeste, na qual o peso dos valores religiosos é maior do que em outras partes do Brasil. Uma condenação da Igreja Católica soa a uma espécie de sentença de morte religiosa. É uma pena que a Igreja Católica tenha abandonado a opção preferencial pelos pobres. O homem que deu início à caminhada dessa instituição milenar teria reparos a fazer à turma de Bento 16. Mais debate A briga é meio perdida, mas é preciso discutir a ampliação do direito ao aborto num país em que isso é questão de saúde pública. A mulher deve ter o direito de decisão. Legalizar mais amplamente o aborto, com limite até determinado tempo de gestação, não vai obrigar ninguém a tirar filho da barriga. E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br *Kennedy Alencar, 41, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal “RedeTVNews”, de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas “É Notícia”, aos domingos à meia-noite.

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Notícias do Padre que excomungou os médicos, do aborto da menina de 9 anos, ganha o mundo

Correu o mundo a excomunhão dos médicos, da família e de integrantes de ONG´s envolvidas no aborto de gêmeos, feito legalmente em uma menina de 9 anos , vítima de estupro. A decisão de excomungar os que participaram do aborto foi anunciada pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho . No site da rede britânica BBC, a notícia foi a mais lida durante a quinta-feira. A rede Foxnews noticiou a excomunhão, citando a entrevista do arcebispo à TV Globo, e lembrando dos casos em que o aborto é permitido no Brasil. O espanhol El Pais ressaltou que no Brasil os assuntos de Estado não costumam se misturar com os de igreja. Em sua página, o New York Times citou que o aborto legal foi realizado a despeito da oposição da igreja. A decisão do bispo católico foi noticiada até no Karachi News, do Paquistão, país de maioria muçulmana. Apesar da anestesia geral que precisou tomar para fazer o aborto, a menina se recuperou bem, mais ainda não recebeu alta. Sérgio Cabral, diretor da maternidade pública onde foi feita a interrupção da gravidez, voltou a defender a necessidade do procedimento. Segundo ele, a menina que tem apenas 33 quilos e um 1,36 metros de altura, não tem ainda o aparelho reprodutor totalmente formado. – A gravidez de gêmeos, com dois ou mais fetos, já é considerada de alto risco por inúmeros fatores. Imagine você ter uma gravidez levada adiante em uma criança com nove anos – afirma. O diretor da maternidade Cisam, onde foi realizado o procedimento, está entre os excomungados e comentou a decisão do arcebispo. – Nós apenas temos a dizer que continuaremos a atender mulheres vítimas de violência sexual e garantir-lhes o direito por lei de serem adequadamente assistidas, inclusive no abortamento previsto em lei caso seja necessário – disse o médico. Carla Batista, educadora da S.O.S Corpo, que comandou uma mobilização para que o aborto fosse autorizado pela Justiça disse que tem formação católica e que a excomunhão não muda sua relação com a igreja. – Tenho toda tranquilidade de tudo que foi feito. Acho que agimos de uma forma correta, justa, buscando levar esse caso à melhor solução possível, que trouxesses maior amparo e respaldo para essa mulher e a sua filha – afirma. O Ministro da saúde, José Gomes Temporão, considerou radical e inadequada a posição do Arcebispo. Nesta quinta, em entrevista ao Jornal da Globo, Dom José disse que a excomunhão não depende da vontade dele. Segundo a visão do Arcebispo, as pessoas envolvidas estariam automaticamente sujeitas à punição da igreja. – Não se pode dizer, como estão repetindo por aí, que Dom José Arcebispo de Recife excomungou. Quem comete aborto, está automaticamente se excomungando – disse Dom José. O Arcebispo disse ainda que não se arrepende de ter anunciado a punição. “Eu me arrependeria se não tivesse feito isso. Seria um pecado de omissão”, diz. O padrasto da criança está preso em pesqueira, no agreste de Pernambuco. Jaílson José da Silva, de 23 anos, foi indiciado por estupro qualificado. do Direito do Estado

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