Como quem pede uma esmola Abgar Renault ¹ Preciso de uma palavra. Em que dia ou em que noite estará essa, que almejo, ideal palavra insabida, a única, a exclusiva, a só? Dela me sinto exilado todas as horas por junto, com minha face, meu punho, meu sangue, meu lírio de água. Soletro-me em tantas letras, e encontrá-la deve ser encontrar a criança e o berço, a unidade, a exatidão, o prado aberto na rua, a rua galgando a estrela. Preciso de uma palavra, uma só palavra rogo, como quem pede uma esmola. Em florestas de palavras os calados pés caminham, as caladas mãos perquirem, os olhos indagam firmes. Em que parábola cruel, em que ciência, em que planeta, em que fronte tão hermética, em que silêncio fechada estará viajando agora – mariposa de ouro azul – a palavra que desejo? Lâmina sexo cristal fulcro pântano convés voraginoso fluvial Antígona circunflexa catastrófico crepúsculo ênula ventre rosal sibila farol maré desesperadoramente nenhuma será nem é aquela do meu anseio. Como será, quando vier, a palavra entrepensada, necessária e suficiente para a minha construção de lápis, papel e vento? Dura, espessa, veludosa ou fina, límpida, nítida? Asa tênue de libélula ou maciça e carregada de algum plúmbeo conteúdo? Distante, insone e cativo, debaixo da chuva abstrata, eu me planto decisivo no tráfego confluente, aéreo, terrestre, marítimo, e espero que desembarque, triste e casta como um peixe ou ardendo em carne e verbo, e pouse na minha mão a áurea moeda dissilábica, a noiva desconhecida, a coroa imperecível: a palavra que não tenho. ¹ Abgar de Castro Araújo Renault * Barbacena, MG. – 15 de abril de 1901 d.C + Rio de Janeiro, RJ. – 31 de dezembro de 1995 d.C [ad#Retangulo – Anuncios – Duplo]