Com as menções cada vez mais comprometedoras de delatores da operação Lava Jato ao presidente da Câmara dos Deputados, cresce em Brasília a possibilidade de a PGR (Procuradoria Geral da República) pedir o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB) do comando da Casa.
A medida cautelar visaria evitar que o parlamentar usasse o poder e a influência do cargo para atrapalhar as investigações e intimidar testemunhas –acusação que lhe foi feita pelo doleiro Alberto Youssef, um dos principais informantes do processo.
Nesta quinta-feira (16/07), foi divulgado trecho do depoimento do lobista Julio Camargo, da construtora Toyo Setal, que relatou ter sido cobrado por Cunha sobre o atraso no pagamento de uma propina de US$ 5 milhões, relacionada a contratos da Petrobras.
O afastamento teria de ser determinado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas especialistas em direito penal e constitucional se dividem sobre a viabilidade jurídica do pedido.
Para Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do Supremo, é aplicável aos presidentes da Câmara e do Senado o artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), que prevê entre as medidas cautelares alternativas à prisão preventiva a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”. Segundo Britto, o artigo só não seria aplicável se a Constituição tivesse disposição em sentido oposto, o que não existe.[ad name=”Retangulos – Direita”]
No entanto, isso só poderia ocorrer, segundo o ministro, a partir do recebimento da denúncia. “É preciso que haja processo instaurado, quando já há elementos e indícios mais robustos da prática do delito. É uma cautela que se impõe para preservar o detentor de mandato político, investido no cargo pela soberania popular”, afirmou.
O jurista compara a situação dos chefes do Legislativo à situação do presidente da República, que é automaticamente afastado do cargo quando instaurado processo por crime comum ou de responsabilidade, e dos prefeitos, que de acordo com o Decreto Lei 201, também só podem ser afastados do cargo após a instauração de processo.
Já para o constitucionalista Gustavo Binenbojn, professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o afastamento do presidente da Câmara seria uma questão “interna corporis” da Casa Legislativa e uma decisão do Judiciário nesse sentido poderia ser interpretada como uma interferência indevida de um Poder no outro.
“Cargos políticos não estão sujeitos ao mesmo regime dos agentes públicos em geral, que são o alvo do artigo 319 do CPP, em função do princípio da legitimidade popular”, argumentou.
Binenbojn observa que a questão do afastamento judicial de um chefe de Poder nunca foi discutida no âmbito do Supremo, embora já tenha ocorrido um atrito entre a Corte e o Legislativo, na época do julgamento do mensalão, quando a Câmara decidiu não cumprir a decisão do STF que determinava a perda automática do mandato dos parlamentares condenados. O confronto não chegou adiante porque os então deputados, como José Genoíno, renunciaram ao mandato.
“Diante desse histórico, creio que o Supremo tende a adotar uma postura de autocontenção numa situação como essa e não ordenar o afastamento”, disse o advogado.
Divergência
Há, por outro lado, quem entenda que não há impedimento legal ou constitucional para o afastamento do presidente da Câmara.
“É possível o afastamento da função pública do agente político porque a legislação não faz distinção entre agente público e agente político”, disse, sob condição de anonimato, um procurador da República que integra a Força-Tarefa da Lava Jato em Brasília.
Ele, no entanto, alega que a possibilidade nunca foi discutida abertamente pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot.
Para Renato Mello Silveira, professor de direito processual penal da USP, também não há na lei nem na Constituição vedação expressa da aplicação da medida cautelar ao presidente da Câmara. Ele observa, porém, que o mesmo não se aplicaria ao mandato. “Ele poderia ser removido temporariamente da função na Mesa Diretora, mas não do mandato de deputado”, observou.
O criminalista Rogério Taffarello observa que há pouca doutrina e jurisprudência a respeito do tema, uma vez que a possibilidade de afastamento do cargo público foi introduzida no CPP apenas em 2011, pela Lei das Cautelares.
“Antes disso, só havia a possibilidade de prisão preventiva, que é uma medida muito mais grave”, disse. Para o advogado, a medida só se justificaria se houvesse indícios suficientes de que Cunha poderia usar o cargo de presidente da Casa para atrapalhar as investigações.
Rompimento
Nesta sexta-feira (17/07), Eduardo Cunha reagiu à divulgação do depoimento de Julio Camargo e rompeu com o governo Dilma, apesar de seu partido ocupar a Vice-Presidência. Cunha acusa o Planalto de fazer um jogo combinado com Janot para manipular depoimentos da Lava Jato de modo a incriminá-lo e enfraquecê-lo politicamente.
Janot rebateu argumentando que o depoimento foi tomado pelo juiz Sérgio Moro, na 1ª instância da Justiça Federal em Curitiba, onde não teria qualquer influência.
Cunha afirmou que entrará com uma reclamação no STF para retirar o caso da alçada de Moro, a quem acusou de se achar “dono do mundo”, uma vez que detém foro privilegiado.
Também nesta sexta-feira, o vice-líder do Governo na Câmara, deputado Silvio Costa (PSC-PE), defendeu o afastamento de Cunha do cargo, porque o parlamentar não teria mais condições de execer a função. “No momento em que ele se afastar, vai dar um exemplo e mostrar que não tem apego ao cargo”, disse.
Por William Maia/Jota