O país das tornozeleiras eletrônicas

A imprensa não precisa mais se preocupar com falta de manchetes de primeira página. Corrupção,Lava Jato,Tornozeleira Eletrônica,Brasil,Blog do Mesquita

Basta colocar um plantonista na porta da Polícia Federal em cada capital estadual e diariamente, haverá, pelo menos uma grande operação, com nomes pomposos, para atrair a atenção do público e assustar os corruptos espalhados por todo o país.
Por Carlos Castilho ¹

E quem quiser ganhar dinheiro rápido é só montar uma fábrica de tornozeleiras eletrônicas porque o mercado consumidor está em expansão, a oferta é reduzida e o produto está em falta no mercado, pelo menos segundo a polícia e os guardas penitenciários.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

Nunca assistimos a uma sucessão tão grande de denúncias de irregularidades sendo apontadas pelas diferentes delegacias da PF. A de Curitiba perdeu o monopólio das manchetes para outras delegacias depois que a operação Lava Jato deixou de ser apenas um inquérito para se transformar numa bandeira politica.

O país vive hoje sob a égide da luta contra corrupção e a multiplicação de manchetes alimentadas pela PF mostra que estamos chegando a uma encruzilhada: ou se investiga tudo a fundo e o país será colocado de pernas para o ar ou ficamos só nas piruetas mediáticas que alimentam discursos tonitruantes mas que acabam em pizza.

A dieta quotidiana de casos de corrupção escancarados para a opinião pública assusta os cidadãos porque estamos conhecendo evidências cada vez mais claras de que a honestidade está se tornando uma exceção no Brasil, tal o número e volume de malfeitos com o dinheiro público. Também restam cada vez menos dúvidas de que o assalto aos cofres públicos foi institucionalizado e que aumentou extraordinariamente a dificuldade em saber em que confiar em se tratando de políticos, parlamentares, empresários e até na justiça.

O ritmo quase diário de novos casos de corrupção em investigação gera interrogações sobre a capacidade dos órgãos policiais desenvolverem uma apuração idônea e do sistema judicial encaminhar com a devida rapidez e isenção o julgamento de acusados e suspeitos. Se antes da atual ofensiva anticorrupção a justiça e a polícia já enfrentavam críticas por lentidão ou ineficiência, agora com o volume crescente de casos sob investigação ou em julgamento tende a agravar os dilemas enfrentados por ambas instituições. O problema é que o corporativismo pode ofuscar a necessidade de espírito público na busca de soluções para questões salariais e operacionais.

Nós, os náufragos

Mas o problema mais grave é o crescimento da consciência de que, nós os cidadãos, estamos virando náufragos num mar de corrupção cujos limites desconhecemos e, de alguma forma, temos até medo de conhecer. A Lava Jato desencadeou, independente de suas motivações iniciais, a desmontagem de um sistema de desvio de dinheiro oriundo de impostos e taxas que não deveria ser interrompido.

Está claro que o começo da operação visava tirar o PT e a presidente Dilma Rousseff do poder, mas a dinâmica deflagrada pelas delações premiadas e pelo salve-se quem puder de acusados e suspeitos criou uma nova situação, que atropelou os objetivos iniciais. Agora não é mais o só o PT que está em questão mas toda uma estrutura de gestão dos recursos públicos.

A consciência do cidadão foi sacudida pela espetacularidade das operações da PF. O que impressiona não é mais a identidade e filiação dos protagonistas do desfile diário de circunspectos empresários e políticos chegando para depor nas delegacias da Polícia Federal, mas a diversidade e dimensão das denúncias dos casos em investigação.

No início eram as empreiteiras superfaturando para financiar o financiamento de campanhas eleitorais de partidos e políticos. As últimas operações, no entanto, mostram empresários embolsando pessoalmente o dinheiro desviado de obras e serviços públicos. O que assistimos nos telejornais e jornais nos transmite a sensação de que em matéria de gestão e uso de verbas estatais estamos numa verdadeira “casa da mãe Joana”, em todo o país.

Tal volume de malfeitos empurra a sociedade para uma situação em que, se ela não fizer nada, acabará sendo cúmplice. E é ai que entram em cena a transparência e a informação. Sem transparência sobre as investigações e denúncias, a sociedade ficará a mercê da manipulação de dados e fatos. Seremos protagonistas involuntários de uma farsa político-jurídica. Dai a importância do papel da Polícia Federal , do Ministério Público e dos tribunais na divulgação dos fatos e do contraditório na apuração das denúncias. A falta de transparência alimenta o vírus da suspeita sobre as ações policiais e judiciais e aí todo o processo de higienização da coisa pública vai pro brejo.

Mas para que a transparência comprove que o objetivo predominante nas investigações é do interesse dos cidadãos é indispensável que a imprensa veicule os dados coletados pelos investigadores e monitore o andamento dos processos judiciais para que a população tenha como cobrar resultados capazes de moralizar o governo e os prestadores de serviços a órgãos públicos. Sem informações fidedignas, contextualizadas e isentas de viés partidário, a imprensa também acaba sob suspeita e por conta disto, enquadrada pela opinião público como cúmplice da corrupção.

Tudo isto nos mostra que o destino da Lava Jato e a sonhada moralização da coisa pública está mais nas mãos de todos nós cidadãos, do que nas da PF, do Ministério Público ou do Supremo Tribunal Federal. Não é uma constatação agradável porque fomos educados a depender do governo e a esperar sempre por um salvador da pátria. A Lava Jato está nos mostrando que não dá mais para continuar pensando assim, num sistema politico onde as tornozeleiras passaram a ser uma vergonhosa rotina.

¹ Carlos Castilho é jornalista, editor do Observatório da Imprensa e faz pos-doutorado em Jornalismo, no POSJOR/UFSC

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