Encrencado no escândalo da Petrobras, o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, encantou-se com a ideia de acabar com o chamado “foro privilegiado”.
Acha que congressistas desonestos não devem ser processados no STF, mas na primeira instância do Judiciário.
“Temos de tirar a impressão de que somos privilegiados. Tem que ser igual para todo mundo”, afirma. Beleza.
O problema é que, no modelo idealizado por Cunha, a igualdade entre os seres humanos termina na maneira como eles são feitos.
Pela proposta do morubixaba da Câmara, deputados e senadores de colarinho sujo passariam a ser julgados por magistrados de primeiro grau.
Mas esses juízes não poderiam decretar prisões, ordenar batidas policiais de busca e apreensão ou autorizar escutas telefônicas contra políticos sob investigação.
A decisão sobre tais providências continuaria sob a responsabilidade do Supremo. Por quê?
Segundo Cunha, é para evitar a “perseguição política” de juizinhos de comarcas mequetrefes contra políticos injustiçados.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Quer dizer: adotando-se a fórmula Cunha, os corruptos livram-se da bala de prata do Supremo e caem nas mãos de juízes proibidos de exercer os poderes de que dispõem para produzir provas contra os suspeitos.
Dito de outro modo: além de retardar o trabalho da Justiça, condicionando as ações dos juízes à prévia autorização do STF, os trapaceiros passariam a lançar mão de todos os infindáveis recursos judiciais que a lei faculta aos endinheirados eventualmente condenados na primeira instância. Para o pobre-diabo, os rigores da lei. Para o violador de cofres públicos, as calendas gregas.
Há no STF 11 magistrados. Os juízes de primeiro grau são contados em cerca de 16 mil. Imagine o que seria dos parlamentares se acabasse o foro privilegiado e todos ficassem ao alcance de batidas policiais ou de grampos telefônicos autorizados pelos doutores da primeira instância. O Brasil dos políticos passaria a ser um país de vidro. E os desonestos talvez tivessem um pouco mais de zelo com sua digitais.
Além do investigado Eduardo Cunha, pega em lanças pelo fim do “privilégio de foro” o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A exemplo de Cunha, Lira protagoniza um dos inquéritos da Lava Jato que correm no Supremo.
Não é só: enquadrado na Lei Maria da Penha, foi denunciado pela Procuradoria da República noutro processo. É acusado de agredir com “tapas, chutes e pancadas” uma ex-companheira, Jullyene Cristine Santos Lins.
Na sessão em que o deputado virou réu, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, leu trechos do depoimento da vítima. Reproduziu as aspas da agredida segundo a transcrição que consta dos autos: “Que Arthur apareceu entre 21h e 22h na residência da declarante, e quando esta abriu a porta, foi recebida com tapas, chutes, pancadas, foi arrastada pelos cabelos, tendo sido chutada no chão.”
O ministro prosseguiu: “a declarante indefesa perguntava o porquê daquilo, dizendo a seu ex-companheiro que este não era seu dono e que não tinha razão de aquilo acontecer, até porque ambos já estavam separados há cerca de sete meses (…).” O deputado nega as acusações.
No STF, ele talvez seja julgado antes da prescrição do crime. Num processo iniciado na primeira instância, com todos os recursos protelatórios que a legislação brasileira enseja, a contenda ganha a aparência de uma prescrição esperando para acontecer.
Blog Josias de Souza