Estrangeira
Virgínia Schall ¹
A noite é a mesma em todo um lado do planeta
e nela ocupo um lugar único
personagem entre tantos a compor a cena humana
sob o foco de luz de uma sala comum.
Nada há por sofrer, nada é urgente
os meus estão bem e eu aparento realizada
o cão me olha sereno por sobre o tapete
a filha organiza retratos na gaveta
a música encanta o ar fresco entre buganvílias rubras
de minha varanda camarote aberto para o mundo
descortino cintilâncias a tremular nas águas noturnas da lagoa
A noite é límpida e eu, lúcida
espreito a vida e escrevo
para entender d’onde vem tanta melancolia
de quem deveria estar a fruir esta harmonia
mas se debate trôpega à procura
tão plena de desejos e perguntas
disfarçando o coração inquieto
que teima em viajar por ontens e futuros.
Absorta em sonhos e platônicos amores
adentro atmosferas e penumbras
aspiro perfumes de outras eras
prenúncio de cálidos encontros.
Oh vida que escorre pelo dia
prestes a concluir-se para sempre
nunca mais será hoje outra vez
disso eu sei tão quanto aqui estou
e no entanto, esbanjo o presente
viajante estrangeira do meu próprio momento.
Haverá um tempo em que a memória dessa cena
será saudade e tristeza
por não tê-la vivido por inteiro.
¹ Virgínia Schall
* Montes Claros, MG. – d.C
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