Tristes memórias de um País sem telefones.
Do O Estado de São Paulo.
O mercado mudou tanto e em tão pouco tempo que muitos nem se lembram de como era difícil a vida sem internet, sem celular e com filas de anos para comprar um telefone fixo.
Não faz tanto tempo, fazer uma ligação telefônica era algo bastante complexo no Brasil. Numa noite de 1988, o jornalista americano Matthew Shirts, colunista do Estado, à época morador do bairro de Higienópolis, região central de São Paulo, saiu para beber com amigos.
Ao voltar para casa, perto das 5 horas da manhã, Shirts deparou com o que parecia ser um pequeno problema. Ele estava sem as chaves da residência. De um orelhão em frente ao prédio onde morava, tentou telefonar para a mulher, que dormia. Não conseguiu.
“Como estava sem ficha telefônica, fiz a ligação a cobrar”, diz Shirts. O problema é que, naquele tempo, o sistema não permitia ligações a cobrar dentro de uma mesma cidade. “Menti para a telefonista que eu estava em Santos, mas ela descobriu que não era verdade”.
Sem ter muito o que fazer e diante da possibilidade de dormir ao relento, Shirts teve uma idéia. Ligou a cobrar para sua mãe, que vivia na Califórnia, nos Estados Unidos. Pediu-lhe, quase aos prantos, que telefonasse para a nora em São Paulo para que esta abrisse a porta do apartamento.
“Minha mulher não gostou de ser acordada pela sogra, mas foi o jeito que encontrei para entrar em casa”, afirma Shirts.Situações estapafúrdias como essa não eram raras antes da privatização do sistema brasileiro de telefonia, em 1998. Em poucas áreas o Brasil era tão atrasado.
Havia escassez de linhas – que, em geral, custavam os olhos da cara – e em alguns locais, principalmente pequenos municípios ou bairros periféricos das grandes cidades, as interferências, ruídos e chiados impediam os interlocutores de entabular conversa. Um caos, em suma.
Consultor do mercado financeiro, Ayrton Mello perdeu dinheiro graças à inoperância do sistema. “No início dos anos 80, obtive uma informação que recomendava a venda de ações de uma determinada empresa, mas não consegui avisar o meu corretor a tempo”, diz. “Por causa do congestionamento de linhas, ocorreu uma pane no bairro onde eu estava”.
Como não havia celular, Mello ficou incomunicável e o negócio acabou não sendo feito – o resultado foi um belo prejuízo financeiro. Pior era conseguir uma linha telefônica.
Em São Paulo, a espera para os que ingressavam nos planos de expansão oferecidos pelas estatais chegava a 6 anos. Quando a Telesp anunciava um novo lote disponível para venda, centenas de pessoas montavam barracas na porta da empresa, temerosas de que a oferta acabasse rapidamente.
Algumas vendiam seus lugares, num esquema parecido com o existente hoje em dia na compra de ingressos para shows musicais concorridos. A dificuldade para conseguir linhas pelos caminhos oficiais favoreceu o surgimento de um mercado paralelo.
Empresas começaram a intermediar as transações diretas entre clientes. Funcionava assim: alguém que já possuísse uma linha num determinado bairro e quisesse trocá-la por outra distante acionava a empresa intermediadora. Essa cobrava uma comissão para fechar o negócio.
A mais conhecida desse ramo foi a Bolsa de Telefones. Criada por Edmon Rubies, que fez carreira no mercado de capitais antes de investir em telefones, a Bolsa fez tanto sucesso que chegou a figurar, em meados dos anos 80, entre as 500 maiores empresas do Brasil, com faturamento de algumas centenas de milhões de dólares.
O setor era, de fato, muito próspero. Em 1997, às vésperas da privatização, o Balcão do Telefone, concorrente da Bolsa, faturou a exorbitância de US$ 325 milhões. No auge da Bolsa, Rubies realizava a transferência de 600 linhas telefônicas por mês. Algumas atingiam preços astronômicos.
Em Alphaville, na Grande São Paulo, chegou a comercializar uma linha por US$ 10 mil. “O valor equivalia ao preço de um Monza, o carro mais luxuoso da época”, afirma Rubies. A Bolsa sobreviveu até a privatização. Depois, tornou-se inviável.
Como o preço das linhas despencava e o prazo de instalação não passava de poucos meses, não fazia mais sentido comprar uma linha no mercado paralelo. Em 2001, Rubies encerrou as atividades da Bolsa. Há dois anos, tentou voltou ao mercado, com uma companhia que oferecia ligações telefônicas gratuitas bancadas por anunciantes.
O projeto não vingou e foi à lona poucos meses depois. Os celulares também tiveram sua parcela de culpa na redução brutal do preço de linhas fixas de telefone. Quando o Rio de Janeiro alcançou a façanha de ser a primeira cidade brasileira a usar telefonia móvel, em 1990, imaginava-se que a onda logo varreria o setor no Brasil. Mas não num ritmo tão veloz.
A queda do preço dos celulares foi ainda mais rápida. Se no início eles chegaram a custar R$ 5 mil, hoje podem ser adquiridos a módicos R$ 200. E parcelados em dez vezes.Nos últimos 10 anos, os brasileiros conheceram uma revolução nas comunicações. Com a popularização dos celulares – diga-se de passagem, existentes no Japão desde 1978 – e o advento da internet, implantada comercialmente no Brasil em 1995, a vida pessoal e profissional das pessoas mudou numa velocidade espantosa.
Se até outro dia mesmo o máximo que se conhecia em tecnologia eram bips e pagers, que mal serviam para transmitir recados, hoje qualquer contínuo vai à rua munido de telefone móvel – às vezes, até com internet.
Existem atualmente 91,8 milhões de celulares em funcionamento no Brasil, quase o triplo do número de telefones fixos, que somam 39 milhões.