Tribuna da Imprensa – Argemiro Ferreira, de Washington.
Mesmo nos EUA poucos lembravam-se do nome Kenneth Y. Tomlinson. Esse personagem sinistro é mais uma autoridade do governo Bush a tramar contra a liberdade de informação no país. Em 2005 tentou destruir o programa de Bill Moyers, ícone do jornalismo, e acabou desmascarado.
Ficou sem seu emprego na CPB (Corporation for Public Broadcasting). Mesmo assim arranjaram-lhe outra boca, desta vez no Departamento de Estado, que agora pode perder.
No episódio do ano passado, Tomlinson buscou usar verbas da CPB para interferir na programação e conteúdo da rede pública de rádio e TV – das melhores coisas da mídia dos EUA. Em novembro teve afinal de renunciar, em meio a um escândalo.
O governo Bush tentava agora esconder o outro escândalo mas o caso acabou exposto no Congresso. Investigação interna no Departamento de Estado descobriu que à frente da agência que supervisiona a maioria das transmissões de rádio oficiais para países estrangeiros ele usava o escritório em “operação de corrida de cavalos” e ainda botava amigos na folha de pagamento.
Um ataque à rede pública.
Os dois casos, um no ano passado e outro agora, são mais do que escândalos de corrupção, dadas as implicações na área da informação e a manipulação de um setor da mídia (a rádio e TV pública, agrupadas nos sistemas NPR e PBS), cuja independência costumava ser respeitada pelos dois partidos. Vale a pena lembrar detalhes do acontecido em 2005.
Algumas das reportagens do programa “Now with Bill Moyers” estavam entre as mais corajosas que eu já vi na TV dos EUA. Uma das mais contundentes expunha os crimes da indústria química e sua ameaça à população. Moyers não se contentava apenas em apresentar os dois lados da situação. Ao final oferecia sua avaliação franca, o que a mídia do país sempre faz questão de evitar.
Obviamente isso incomodava gente poderosa. E quando George W. Bush chegou à Casa Branca, Moyers (que no passado fora secretário de imprensa do presidente democrata Lyndon Johnson) tornou-se um dos alvos prioritários dos republicanos. E com o apoio de grandes corporações, Tomlinson usou verbas da CPB para financiar “estudos” de extremistas republicanos para denunciá-lo como tendencioso.
Tentando esconder o escândalo.
Pilhado em flagrante, Tomlinson não negou o que fazia – alegou ser sua intenção pôr fim ao suposto domínio dos “liberais” nas emissoras públicas. Moyers, principal alvo, respondeu às acusações numa bem fundamentada palestra na qual também fez um convite a Tomlinson para debater a questão – o que a autoridade bushista optou por ignorar.
O caso ocorrera na primeira metade de 2005, paralelamente ao esforço oficial para expurgar as redes públicas. Poucos meses depois da controvérsia, estourou o primeiro escândalo. Tomlinson viu-se compelido a deixar o cargo a 4 de novembro, em seguida à investigação na CPB que descobriu notórias impropriedades no “estudo” que encomendara – inclusive provas de que violara repetidamente leis federais e regulamentos internos.
Já o novo escândalo, no Departamento de Estado, mostrou que Tomlinson, certo da impunidade, foi ainda mais longe. Usava empregados do governo nos negócios pessoais dele, transferindo mais ônus para o Estado. O relatório final foi encaminhado ao procurador geral bushista, que, no entanto, está evitando um inquérito criminal.
Também a Casa Branca recebeu o documento. Apesar das autoridades do governo terem tentado esconder o fato, parlamentares da oposição tiveram conhecimento das conclusões finais.
Cavalos de nomes sugestivos.
O fato de Tomlinson ser um republicano extremado e ter ligações íntimas com a Casa Branca amplia a gravidade do caso – já que o episódio anterior já deixara claro o despreparo dele para cargos importantes na área de mídia.
O governo Bush parece disposto a fingir que o caso é irrelevante, mas o Senado pode discordar, pois supervisiona as atividades das emissoras que fazem transmissões para o exterior.
A Voz da América e a Rádio Europa Livre estavam sob as ordens de Tomlinson, que ainda participava da supervisão da diplomacia pública. O escritório dele no Departamento de Estado encarregava-se, promiscuamente, da atividade extracurricular dele – dono de cavalos com nomes sugestivos como Karzai (de Hamid Karzai, do Afeganistão) e Massoud (alusão a Ahmed Shah Massoud, também do Afeganistão).
Os parlamentares democratas que reclamaram a divulgação do relatório da investigação, entre eles o senador Christopher Dodd, conclamaram o governo Bush a afastá-lo imediatamente do cargo, “adotando todas as medidas necessárias à restauração da dignidade do Broadcasting Board of Governors”, que supervisiona as transmissões para o exterior e continua sob a presidência de Tomlinson.