Tecnologia é só um meio.
André Machado – amachado@oglobo.com
André Machado – amachado@oglobo.com
Proferi este mês uma conferência sobre tecnologia e comportamento no Business Club One, no Centro do Rio. Aproveitei para relembrar a época em que escrevia estas mal traçadas nas chamadas máquinas “de tração animal”, ou máquinas de escrever.
Como o computador mudou nossas vidas desde então! Entre o momento em que a notícia surge e o momento em que chega ao leitor, hoje o intervalo de tempo é quase inexistente. A vertiginosidade em que vivemos envolvidos nesta era de pouca reflexão me fez pensar no papel da tecnologia e o que ela representa para nós, personagens e testemunhas da Revolução da Informação.
Na conferência, eu disse que uma coisa a lembrar quando falamos de tecnologia é que ela não pode ser transformada em vida. O que quero dizer com isso? Que toda tecnologia é um meio para se chegar a um fim, nunca o fim em si.
A internet é a maior ferramenta de comunicação jamais criada pelo homem, mas ainda assim permanece uma ferramenta. Embora haja nela mundos virtuais onde podemos viver vidas diferentes das nossas, como um role playing game (RPG) em tempo real, elas permanecem virtuais; a vida real, por seu lado, é bem outra coisa.
Um fenômeno recente que vejo se abater sobre muitas pessoas é a mania de filmar e fotografar tudo o tempo todo. A facilidade cada vez maior de acesso a câmeras digitais, em máquinas fotográficas propriamente ditas ou em PDAs e telefones celulares, criou uma obsessão com o registro ao vivo de tudo e de todos.
Ouso dizer que, se isso continuar assim, dentro de algumas décadas não precisaremos mais de nossa memória inata. Porque as pessoas estão se esquecendo de olhar as coisas com seus próprios olhos e preferem a eles a realidade das lentes digitais.
Ninguém mais pára para apreciar um crepúsculo, para observar as emoções dos convidados de uma discreta cerimônia de casamento. Não; todos levantam suas câmeras e telefones celulares e fotografam sem parar, deixando de acompanhar o momento e depois elaborando-o na própria memória, que é, ao menos para este humilde escriba, parte do que faz a História com H maiúsculo ser escrita.
A tecnologia deve ter o lugar que merece em nossas vidas: o de utilidade. Certamente ela ajuda a mudar comportamentos e gerar novas formas de organização, mas ainda assim o faz como uma ferramenta. E, de qualquer forma, encantar-se com uma tecnologia específica e aferrar-se a ela é, na prática, viver no passado, porque as tecnologias mudam o tempo todo, ainda mais agora.
André Kischinevsky, diretor do Infnet, tem a teoria de que no futuro todas as coisas serão virtuais, e que não haverá mais objetos, apenas formas impalpáveis 3D e redes neurais conectadas a a elas.
Apesar desse caminho em busca do virtual, a vida real continua a ser bem mais do que zeros e uns, sim ou não, preto ou branco. É por isso que se estuda, no Massachusetts Institute of Technology e em outros lugares, a chamada computação afetiva, que quer ensinar sistemas de informação a entenderem melhor as reações humanas, e a se comportarem de acordo com elas.
A computação afetiva quer criar uma relação mais íntima com o usuário. Porque, em última análise, são as máquinas que realmente têm que nos entender, e não o contrário. A chamada usabilidade de sistemas e programas ainda tem um longo caminho pela frente. Eu sempre digo que, quando tivermos com o computador a intimidade que temos com a televisão e a geladeira, nossos problemas acabarão.
Contudo, depois de refletir sobre esses temas, fui à exposição Interface Cibernética (veja a capa) em São Paulo e percebi que, ao menos no campo da arte, os bits e bytes estão virando mais do que ferramentas; eles podem se transformar nas próprias obras de arte, em certo grau.
Os artistas — sempre à frente de seus contemporâneos, em todas as épocas — perceberam que a relação de utilidade com a tecnologia poderia ser subvertida e não hesitaram em criar obras e instalações para celebrar novos relacionamentos entre nós e o software, o hardware e tudo em que podem se transformar. Vai dar uma nova conferência, sem dúvida.