As buscas policiais no luxuoso hotel Baur au Lac, em Zurique, na manhã de quarta-feira, não eram exatamente o que esperava Joseph Blatter dois dias antes de sua provável reeleição à presidência da Fifa.
Muitos veem a votação de sexta-feira mais como uma coroação cerimonial do que como um pleito democrático, mas a prisão de sete executivos da Fifa (entre eles o brasileiro José Maria Marin) lançará questionamentos sobre o processo.
A Fifa está, há anos, envolta em suspeitas de práticas duvidosas. E, ainda que Blatter não esteja diretamente implicado nas prisões desta quarta-feira, por que ele está tão determinado em permanecer no controle da entidade?
Quando o dirigente de 79 anos chegar ao Hallenstadion de Zurique para as eleições da Fifa, dificilmente ele enfrentará oposição real. Há apenas 209 eleitores, muitos deles representantes futebolísticos de pequenos países, e Blatter cultiva relações com eles há anos.
Após os candidatos Luis Figo e Michael van Praag terem abandonado a disputa, há apenas um candidato alternativo a Blatter: o príncipe jordaniano Ali Bin al-Hussein, que muito dificilmente conseguirá votos suficientes para ser considerado uma ameaça.
Ou seja, salvo eventos inesperados, Blatter conseguirá um inédito quinto mandato consecutivo, mantendo o controle sobre o bilionário esporte.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
O que motiva um homem, próximo dos 80 anos e que chegou a dizer que não buscaria a reeleição, a tão explicitamente querer mais quatro anos em um cargo tão alto e alvo de tanto escrutínio?
“Ele claramente se considera a única pessoa capaz de liderar a Fifa”, diz o parlamentar suíço Roland Buechel, defensor de mais transparência ao comando do futebol. “Presumo que ele queira morrer na presidência.”
Em relação às prisões desta quarta-feira, Blatter disse em comunicado que este é um “momento difícil para o futebol, para os fãs e para a Fifa” que “vai impactar o modo como muitas pessoas nos veem”.
Afirmando considerar “bem-vindas as ações e investigações das autoridades dos EUA e da Suíça”, Blatter confirmou o banimento provisório dos suspeitos citados pelas autoridades.
Ele disse ainda que as ações reforçam medidas já tomadas pela FIFA para evitar ilegalidades.
Carreira
Blatter nasceu em uma família humilde na cidade alpina de Visp. Segundo relatos, ele era o “rei do playground” na escola primária, nos anos 1940, e o único menino local com talentos futebolísticos de nível profissional.
Terminada a escola, Blatter seguiu um caminho comum entre homens suíços nos anos 1960 e 1970: fez o serviço militar obrigatório, chegando ao cargo de coronel. No Exército, ele fez contatos que lhe seriam úteis mais tarde.
Blatter então trabalhou na indústria de relógios e cresceu no ramo de gerenciamento esportivo, atuando na Federação Suíça de Hóquei no Gelo antes de entrar na Fifa como diretor técnico, em 1975.
Quando ele foi eleito presidente da entidade pela primeira vez, em 1998, houve – segundo Buechel – uma certa celebração nacional no país natal de Blatter.
“Ficamos orgulhosos de ter um suíço no comando de uma organização internacional tão importante”, diz ele.
Em Visp, a antiga escola de Blatter foi rebatizada em homenagem a ele. Seu retrato está pendurado na parede, e dias esportivos geralmente são batizados com seu nome. Ele costuma ser recebido afetuosamente quando visita a cidade.
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“Ele é muito descomplicado, muito acessível”, conta Hans-Peter Berchtold, editor de esporte do jornal local Walliserbote.
No entanto, Berchtold admite que, no que diz respeito às acusações de corrupção na Fifa, até mesmo os velhos conhecidos de Blatter “não são cegos”.
“Todo o mundo sabe que há problemas na Fifa”, ele diz. “Mas eles não acham que Sepp Blatter deva ser responsabilizado por todos eles.”
Ceticismo
Berchtold argumenta que há muitos aspectos positivos na gestão de Blatter, como a promoção do futebol em países em desenvolvimento, o fato de uma primeira Copa do Mundo ter sido realizada na África e, mais recentemente, o compromisso com um processo de reforma na Fifa.
Mas é exatamente disso que alguns dos críticos de Blatter discordam. “Ele teve 17 anos para melhorar a governança na Fifa”, diz Eric Martin, chefe do setor suíço da ONG anticorrupção Transparência Internacional. “Sou cético quanto a se ele fará isso agora.”
Em 2011, um painel independente reunido pela Fifa propôs um pacote de reformas. A decisão da entidade, de ignorar as recomendações para mandatos fixos, limites de idade e divulgação total da renda obtida foi criticada pela ONG.
“Na Suíça, mudamos anualmente de presidente”, agrega Martin. “Tenho certeza que a Fifa conseguiria fazer o mesmo depois de 17 anos (de mandato para Blatter).”
E, enquanto alguns velhos amigos o descrevem como sensato e aberto, outros que trabalharam com Blatter afirmam que ele não gosta de enfrentar oposição – e citam a rápida saída de cena de colegas que ousaram questioná-lo.
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Blatter rejeitou bruscamente uma sugestão para participar de um debate televisionado ao lado dos demais candidatos à presidência da Fifa.
Questionado certa vez a respeito das críticas a seu comando da entidade – sendo as mais estridentes delas vindas de Alemanha e Inglaterra -, Blatter respondeu que ele poderia “perdoar, mas não esquecer”.
‘Don Blatterone’
Na Suíça, muitos se perguntam como Blatter conseguiu manter o controle da Fifa por tanto tempo, em meio a tantas acusações de corrupção, e ainda assim parecer intocável.
Um jornal suíço o chamou, em tom jocoso, de “Poderoso Chefão, o Don Blatterone” – mas nenhuma investigação conseguiu encontrar provas de seu eventual envolvimento em subornos.
“Ele é um sobrevivente”, diz Buechel. “Nada cola nele, sempre há alguém entre ele e (casos de) suborno.”
“Posso lhe dizer com segurança que ele não é ‘subornável'”, defende Hans-Peter Berchtold. “Dinheiro não é o que o motiva.”
O que emerge, então, é um homem que tanto críticos como simpatizantes dizem que não consegue imaginar sua vida longe da Fifa. Sua carreira foi mais longe do que seus três casamentos.
Buechel e Martin acreditam que a determinação de Blatter em manter seu cargo tornou-se prejudicial à entidade, ao não dar espaço para o surgimento de sucessores.
Até mesmo fãs, como Berchtold, lamentam que Blatter não aceite que pode ser a hora de ir embora.
“Ele poderia ter uma boa aposentadoria aqui em Visp”, diz. “Ele tem a chance de sair pela porta da frente.”
Berchtold teme que “se algo ruim acontecer na Fifa” nos próximos quatro anos, o octogenário Blatter tenha um fim de carreira ruim.
Talvez o “playground” de Blatter seja hoje a própria Fifa, e ele continua querendo ser rei. E, como se sabe, reis raramente abdicam de seus postos.
BBC